sexta-feira, janeiro 29, 2010

DIONÍSIO DIAS CARNEIRO

Lições da Grécia moderna

O Estado de S. Paulo - 29/01/2010


Berço dos valores que definem o que chamamos de civilização ocidental, a Grécia continua a produzir lições valiosas acerca das relações entre governantes e governados.

Na Grécia antiga, os governantes aumentavam seu poder sobre os governados transformando vizinhos derrotados em contribuintes sem cidadania. A superioridade da democracia aristocrática ateniense sobre a autocracia guerreira espartana ameaçava o poder baseado nas armas, com a força dos cidadãos organizados. Atenas foi derrotada por Esparta, mas o pós-guerra legou-nos os escritos de Platão, que vão além da glorificação da democracia e abordam aspectos práticos da condução dos negócios do Estado.

Nos tempos modernos, o poder dos governantes, ditadores ou não, costuma ser limitado pelo que os economistas denominam "restrição intertemporal das contas públicas". Isso significa que governos podem exercer seu poder de gasto até o ponto em que são barrados pela capacidade de arrecadar impostos ou de se endividarem. Daí em diante, governados expostos às forças desorganizadoras do calote e da inflação se rebelam. Chávez que o diga. Os mercados de dívida costumam antecipar (e agravar) as dificuldades dos governos que abusam de seu poder de gasto aumentando o custo do seguro contra o calote. A dívida grega é a mais cara para proteger (CDS de 3,25% ao ano) da zona do euro. Os títulos de dez anos rendem 6,75%, ante 4,40% do Brasil (sete anos) e 2,76% da Alemanha.

O moderno Estado grego nasceu em 1821, quando se iniciou o processo de separação do Império Otomano. Nos últimos 40 anos, a política grega tem sido um exemplo de como escolhas políticas inconsequentes podem ser prolongadas por eventos benéficos que apenas adiam o acerto de contas entre as pretensões políticas e a dura realidade.

O evento notável foi a admissão da Grécia no clube do euro, em 2000. Marcou a reversão de duas décadas de políticas econômicas insensatas dos socialistas, que mudaram sua agenda, aceitando a liberalização da economia, de olho nos fundos dos burocratas de Bruxelas. Uma fartura de verbas para obras públicas viabilizou a corrupção "pan-helênico-socialista" do Pasok de Costas Smitis. Os US$ 227 bilhões de ajuda ao grupo de países conhecidos como Piigs (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) alimentaram a ilusão de crescimento baseado na despesa pública, hoje presente em vários discursos latino-americanos. Em dez anos, diminuíram a distância entre a renda per capita dos Piigs e a média europeia. Mas distorceram as prioridades nacionais em todos eles, criaram focos de corrupção em toda a parte e, na Grécia, mascararam os prejuízos com a Olimpíada de 2004, estimados em 5% do PIB, apesar dos 9 bilhões recebidos da União. Nem Júpiter poupou o governo conservador de Costas Karamanlis (sobrinho de Constantinos Karamanlis, o herói da redemocratização) - que sucedeu Smitis - dos escândalos de corrupção que inviabilizaram a implementação de uma agenda de disciplina fiscal.

A volta dos socialistas, liderados por George Papandreou (filho do economista Andreas Papandreou, ex-primeiro-ministro nos anos 80 e também neto do ex-primeiro-ministro George Papandreou, vítima do golpe militar de 1967), nas eleições de outubro de 2009, ocorreu em plena crise, com taxa de desemprego de 9,4% e em meio a um colapso da receita fiscal que dobrou o déficit. Na semana passada, a Grécia motivou a confecção, às pressas, de uma legislação europeia para regulamentar a eventual saída do euro caso o ministro de Finanças, George Papaconstantinou, um confiável ex-economista da OCDE, não consiga convencer seus pares de que pode reduzir o déficit em 3,3% do PIB em 2011, com cortes de despesas militares e maiores impostos pagos pelas empresas, em plena recessão. Reformas fiscal e previdenciária são anunciadas como parte do pacote de longo prazo, que não se enquadra na agenda socialista.

Crescer pela expansão do gasto público, financiamento externo barato e onda de otimismo é a receita dominante da agenda política brasileira das eleições de 2010. O otimismo com o Brasil deriva da vitória contra a inflação e o déficit crescente, que transformou o real em moeda confiável, sem que uma agenda externa, como a entrada no euro, tenha sido necessária, como na Grécia. Candidatos e seus economistas devem refletir sobre a moderna tragédia grega, que ilustra os limites práticos a políticas fiscais baseadas em apostas na continuidade do financiamento barato para o endividamento público e privado e na postergação de reformas impopulares.

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