domingo, abril 26, 2009

ROGÉRIO CENI

Canarinho indomável

Perfilado, com a camisa da Seleção, ouvindo o hino nacional.

Já passei por isso 17 vezes, e em todas elas me emocionei. Gosto de pensar que um país continental, o meu país, está em grande parte "mandando" energias positivas para 11 homens defenderem a nação. Não se trata de patriotismo barato, não é a minha cara. Sei que poderia ter escrito uma história mais bonita na Seleção. Mais rica, mais próxima da traçada no clube. Não foi possível, principalmente porque o Rogério do São Paulo é um (não me crucifique pela referência em terceira pessoa), e o da Seleção, obrigatoriamente, tem que ser outro.

No São Paulo, consigo dar tudo de mim. Na Seleção, não. No São Paulo, consigo agilidade na reposição de bola, fruto do perfeito entrosamento com os jogadores de velocidade. Nosso time joga assim há anos. A Seleção não vai jogar assim nem daqui a séculos. Se por acaso jogasse, minha trajetória nela provavelmente seria outra. Não posso afirmar isso, porque o ambiente de Seleção é muito diferente do de um clube, apesar de ter conhecido muita gente legal nela. Comparo o São Paulo à minha casa, e a Seleção, a um hotel. Existem ótimos hotéis que nunca terão o conforto do nosso lar.

O pior hotel, ou a Seleção de convivência mais difícil que encontrei, foi a que disputou e ganhou a Copa das Confederações de 1997, na Arábia Saudita. Ironicamente, o hotel em Riad era espetacular.

A primeira etapa da viagem, em Johannesburgo, até que foi boa. Vencemos a África do Sul por 3 X 2, depois de eles abrirem 2 X 0 (o jogo do aviãozinho do Zagallo). Dividi quarto com um dos sujeitos mais sensacionais que conheci no futebol: César Sampaio.

O volante, já com bastante nome, carreira consolidada, se esforçava para me deixar à vontade. Entre outras gentilezas, sempre me emprestava seu discman.

No meio do torneio em Riad, um grupo de mais ou menos oito jogadores teve a ideia de raspar a cabeça do time todo, titulares e reservas. A primeira vítima foi o Russo, lateral do Vitória, que, iniciante, fazendo qualquer coisa para agradar, adorou ter o cabelo cortado.

No desespero de proteger a "juba", o zagueiro Gonçalves se trancou no quarto. Em vão. Gonçalves só conseguiu ser o último a ficar careca.

Meu quarto estava aberto. Sabia que mais cedo ou mais tarde chegaria a minha vez. E chegou. Júnior Baiano e Flávio Conceição, entre outros, entraram no meu quarto portando máquina e tesoura. Verbalmente, resisti quanto pude:

- Ó, o negócio é o seguinte: não quero raspar. Não tô a fim de brincadeira, não vou brigar, mas comigo, por favor, não!

Alguém, não vi direito quem, passou a máquina e tirou uma faixa do meu cabelo. Esperei os caras saírem do quarto e, sem outra opção, raspei a cabeça. Mas fiquei pê da vida.

Reclamei publicamente do comportamento infantil da Seleção, mais apropriado a um time em viagem de jogos estudantis. Tão bravo quanto eu, só que mais vivido, Leonardo me recomendou ter calma. Tudo bem, mas pra mim a viagem tinha acabado ali.

Havia uma programação de filmes na TV do hotel. Eram dois filmes noturnos, divididos em quatro sessões: às 21h, 23h, 1h e 3h da manhã. O filme das 21h era repetido à 1h, e o das 23h, às 3h da madrugada. Eu assistia a todos, todos os dias. Dormia das cinco (depois da sirene da primeira oração) ao meio-dia. Almoçava em 15 minutos, voltava para dormir mais uns minutinhos, acordava, saía pra treinar às três da tarde, tomava banho, jantava, e quarto. Só conversava o básico necessário e, mesmo assim, apenas com os mais chegados.

Pessoas do time e da comissão técnica não gostaram da minha postura. Acharam que eu deveria ter levado na brincadeira aquela história.

Zagallo não me convocou mais. Um direito dele. E, analisando os demais goleiros da época, bem mais experientes do que eu, acho até que ele tinha razão.

Voltei à Seleção Brasileira após a Copa de 1998, no começo da gestão Vanderlei Luxemburgo. Fui convocado também por Leão, Candinho, além de Scolari e Parreira.

O hino ainda me emociona. Não importa se vestindo a amarelinha ou a tricolor do coração.

TRECHO DO LIVRO MAIORIDADE PENAL ESCRITO POR ROGÉRIO CENI E ANDRÉ PLIHAL

DE BRASÍLIA

Barril de pólvora 


Não dá para crer que o presidente da República não seja informado e advertido pelos órgãos de segurança do governo sobre o barril de pólvora que representa a ação do chamado movimento dos sem-terra, que vem implantando um clima de terror no meio rural, invadindo propriedades, destruindo e agora matando e ferindo fazendeiros. O chamados companheiros sem-terra fizeram com que ser produtor rural no Brasil se tornasse numa atividade de risco. Não mais o risco das secas, das cheias, das geadas, das pragas, mas o risco de morte. Por todo o País, os donos da terra estão se armando, escondendo rifles e outros artefatos de defesa para fazer por desespero aquilo que o Estado não faz por obrigação: repelir as investidas dos sem-terra sobre suas propriedades, na defesa dos seus bens e das vidas de suas famílias contra a ação desses malfeitores. O grave de tudo isso é a indiferença dos governantes diante da desordem. Milhares de mandados de reintegração de posse de terras, invadidas no País expedidos pela Justiça, são ignorados pelas autoridades. No Pará, há centenas, muitos com quatro ou mais anos, sem cumprimento. E pior ainda: toda essa subversão da ordem nacional é custeada pelo dinheiro público, aquele dos impostos que a gente paga, dado aos sem-terra através de entidades subvencionadas largamente pela União. O governo Lula já deu mais de R$ 150 milhões a esses companheiros da desordem. Na verdade, esse pessoal não que saber de trabalho. Prova disso, é que, nos últimos anos, o governo já desapropriou milhões de hectares para a reforma agrária que nunca chega. E eles, ao invés de irem trabalhar essas áreas, ficam por aí, invadindo propriedades prontas, que tem casa boa, piscina, churrasqueira e gado no curral para fazer churrasco. Uma farra, cuja conta a gente paga. Fernando Henrique se gaba de ter desapropriado ´uma Bélgica´ para assentar sem-terras. Lula só, recentemente, desapropriou mais de 200 mil hectares. Por que, então, não bota esses baderneiros para produzir neles e manda a Guarda Nacional e as polícias acabarem com a desordem?

Trabalhando

E dizem que os parlamentares não trabalham. Lula acaba de sancionar três leis importantes para a vida do cidadão brasileiro, emanadas do Congresso: uma declara o 25 de janeiro ´Dia Nacional da Bossa Nova´. As duas outras instituem os dias nacionais do ´Caminhoneiro´ e do Vaqueiro Nordestino´, festejáveis, aquela no terceiro domingo de julho e este em 16 de setembro.

Embrião

Quando os governos resolverem abrir os olhos para a gravidade da epidemia dos chamados ´flanelinhas´ por todo o Pais já será tarde. Eles são o embrião das milícias que hoje cobram caro, sob ameaças, vendendo proteção sob ameaças para ´vigiar´ casas de comércio e residências nos bairros do Rio e São Paulo.

A salvo

O deputado Edmar Moreira, aquele do castelo em Minas, que usava o dinheiro da verba indenizatória para pagar segurança às suas próprias empresas, deve escapar da cassação. Está tudo arrumado para valer a posição do presidente do Conselho de Ética , José Carlos Araújo (PR-BA), que acha que ele não fez nada de grave e merece apenas uma pena branda. Um puxão de orelha.

Companheiros

Nesta semana, o Ministério do Turismo, fiel à política petista de gerar empregos, contratou, de uma tacada, 45 companheiros, sem concurso, para ´prestação de serviços técnicos especializados´. E o Ministério da Cultura emplacou, também sem concurso, mais 23, além dos 38 da semana passada, na base de R$ 8.300,00 por mês, para o IPHAM.

Preparado

O PSB age certo ao lançar a candidatura do deputado Ciro Gomes à sucessão de Lula. O parlamentar cearense é um dos mais bem preparados do País e primeiro turno não é hora de coligações. E Ciro é um dos poucos políticos de ficha limpa no panorama nacional.

A mão

Não acabou a exploração pelos cartórios, que cobravam para registrar os contratos de financiamento de veículos. Só mudou mão ataca o bolso do cidadão, pois agora quem vai cobrar para isso são os Detrans. Que já fazem, sem ônus, há décadas, o registro das alienações, constantes do documento de propriedade de todo veículo financiado.

SUPRESA

Supresa foi a de milhares de prefeitos, reunidos em Brasília, diante da afirmação do ex-deputado Severino Cavalcanti, que renunciou à presidência da Câmara para não ser cassado por corrupção, agora prefeito de João Alfredo (PE), de que ainda restavam R$ 0,10 - dez centavos - no cofre da sua prefeitura.

A CONTA

Já feita a conta aproximada a ser apresentada ao contribuinte se o Congresso aprovar os projetos que criam mais 14 estados na federação. Vamos pagar a mais 42 senadores, uns 120 deputados federais, uns 400 deputados estaduais, 14 governadores e igual número de vices, além de centenas de secretários e milhares de funcionários novos.

Socorro

Enquanto a população de Altamira, no Pará, publica anúncios nos jornais de todo o País pedindo donativos para as vítimas das inundações que atingiram o município, o governo manda o ministro da Pesca, com um magote de assessores, com uma enorme despesa, para o Oriente Médio, levando uma doação de 10 milhões de dólares para os palestinos. Devia pelo menos mandar pela Internet.

NAS ENTRELINHAS

Unidade dos contrários

CORREIO BRAZILIENSE - 26/04/09

Lula acredita que a doença não atrapalhará a ministra-chefe da Casa Civil, cuja candidatura até pode se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta a situação

Há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões de carreira, diria o mais gozador dos gaúchos, Apparício Torelly, o Barão de Itararé (parafraseando o genial dramaturgo inglês William Shakespeare). Enquanto o Congresso chafurda nas mordomias e tropeça nas próprias pernas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva constrói o que considera o cenário ideal para a sucessão presidencial de 2010. Em sua estratégia eleitoral, o adversário ideal é aquele que hoje aparece como favorito na disputa, o governador paulista José Serra (PSDB). A ministra Dilma Rousseff (PT) seria candidata única da base governista, com o apoio do PMDB, do bloco de esquerda (PSB, PDT e PCdoB) e dos partidos do “centrinho” (PTB, PR, PP e PSC). Para quem quiser ouvir, Lula aposta o outro mindinho que Dilma derrotará o tucano se essa for a polarização da disputa. Para o presidente da República, Serra seria um freguês de carteirinha.

Por gravidade

O PMDB saiu das urnas com vontade de comer caviar no segundo mandato de Lula, mas corre o risco de terminar o banquete arrotando mortadela. A cúpula da legenda conquistou com grande habilidade as presidências do Senado e da Câmara e parecia disposta a tutelar o governo. Mas, desde que assumiram o comando das duas Casas, o senador José Sarney (PMDB-AP) e o deputado Michel Temer (PMDB-SP) foram levados às cordas. Porta voz da opinião pública, toda a mídia nacional, inclusive o Correio, cobra a renovação dos costumes parlamentares. Há que se destacar que o site Congresso em Foco, que há anos acompanha diariamente sessões plenárias, comissões e bastidores da Câmara e do Senado, repetiu o feito de seu congênere Contas Abertas em relação ao Executivo e devassou, de forma avassaladora, os gastos com viagens ao exterior de deputados federais, parentes e agregados.

No turbilhão da crise, a potencial candidatura de Temer a vice-presidente da República, na chapa de Dilma, está sendo volatilizada. Lula assiste de camarote o naufrágio peemedebista e se prepara para recolher os sobreviventes. Devido ao rumo dos acontecimentos, acredita que o apoio da legenda à candidatura de Dilma virá por gravidade. Essa é a propensão natural de governadores e prefeitos da legenda. A única alternativa para o PMDB recuperar a iniciativa na sucessão seria a candidatura própria, mas o partido perdeu o rumo, não tem projeto próprio nem unidade para atrair o governador de Minas, Aécio Neves para a legenda. Se o PMDB indicar o vice de Dilma, será aquele que Lula escolher. Mesmo assim, antes terá que disputar a vaga com o bloquinho de esquerda.

O imprevisto

O ex-ministro da Integração Nacional e cacique político cearense Ciro Gomes, candidato do bloquinho, é um fio desencapado no jogo sucessório. Na avaliação do Palácio do Planalto, o destempero verbal já vitimou Ciro em duas eleições presidenciais e está se encarregando de jogar por terra a tese que tanto defende: duas candidaturas da base do governo na sucessão de 2010. Lula nunca descartou a possibilidade de Ciro ser vice de Dilma, contentando o PMDB com o apoio do PT à reeleição de seus governadores, mas essa alternativa começa a ser vista como um risco na campanha eleitoral por causa do temperamento explosivo de Ciro. Ele é uma espécie de terceiro vértice no triângulo de fogo de uma campanha eleitoral (oxigênio, combustível e temperatura de ignição). O mesmo raciocínio começa a ganhar corpo na cúpula do PSB, partido de Ciro, que prefere reeleger o governador Eduardo Campos em Pernambuco, com apoio do PT. Ou seja, a candidatura de Ciro está morrendo na praia.

Curiosamente, Lula aposta que Aécio será o vice de José Serra no PSDB, contra todas as declarações em contrário. Esse é o sonho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, mesmo assim, Lula seca a candidatura do governador mineiro a presidente da República, sufocando-a como pode, num jogo tacitamente combinado com o governador paulista José Serra. Essa estranha dialética de unidade dos contrários, porém, enfrenta um grave imprevisto: o linfoma de Dilma, que começou delicada quimioterapia. Lula acredita que a doença não atrapalhará a ministra-chefe da Casa Civil, cuja candidatura até pode se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta a situação. O câncer foi diagnosticado em estágio inicial e, segundo seus médicos, tem cura.

JOÃO UBALDO RIBEIRO

Enrolação que não cola mais

O GLOBO - 26/04/09

Meu primeiro emprego foi em redação de jornal e, no dia a dia da imprensa, já fui desde repórter (esforçado, mas ruim) a chefe de redação (não tão esforçado, nem tão bom). Bom mesmo, ou pelo menos mediano, acho que só como copidesque, no legendário tempo dos copidesques e seus desafios himalaicos, tais como botar em meia lauda o essencial de uma conferência de duas horas - não tenho muita saudade. E editorialista, creio que razoável. Mas o pouco brilho de minha carreira não impediu que tenha vivido praticamente todo tipo de situação por que pode passar a imprensa em geral e um seu órgão em particular. Ou seja, assim ou assado, manjo jornal, o mundo jornalístico e seus valores, conheço suas boas qualidades e seus defeitos e acompanho a imprensa brasileira há mais de meio século.

Devia estar acostumado, portanto, a essa perpétua conversa de que o culpado pelo que de mau acontece é a imprensa, um absurdo tão patente que já deveria ter caído em desuso. Mas não caiu. Pelo contrário, rebrota como as cabeças da hidra de Lerna e chego a pensar numa das muitas ironias que todo o tempo nos exibem seu sorriso sarcástico: a imprensa nunca vai deixar de ser essencial aos governantes, notadamente os incompetentes e corruptos, porque sem ela não haveria em quem pôr a culpa dos desmandos, malfeitorias, burrices e simples e puros crimes por eles cometidos e pela imprensa denunciados.

Responsabilizar a imprensa, por si só, já mostra desdém pela inteligência de quem ouve ou lê. ´Explicação´ tão cediça, mentirosa e evasiva já bem que podia ter sido substituída por outra um tantinho mais elaborada. Mas eles capricham. Vejam só o Gabeira, que é também jornalista, mas deve ter tido um pequeno branco na semana passada. Segundo li, ele disse que a imprensa estava agora atacando a Câmara de Deputados porque esta não é grande anunciante. Ou seja, parece ter deixado implícito que, se a Câmara de Deputados fosse grande anunciante, este jornal, por exemplo, não publicaria esta e outras colunas. Tudo bem, a tal acha ele que se resume a filosofia editorial de um jornal sério, tudo bem, cada um pensa o que quer, diz o que quer e esquece o que quer. E cospe no prato, quando manda a feia necessidade.

Mas o que me surpreendeu mesmo, nessa do Gabeira, foi ele ter contado uma história, na qual revela que acha que nós é muitíssimo mais burro do que nós é. Disse que, quando veio à frente e revelou que também era agente de viagens, como tantos de seus colegas, arranhou sua imagem política espontaneamente. Quem engoliu essa deve filiar-se de pronto ao Alimárias Anônimas mais próximo de sua casa. Claro que o verdadeiro arranhão aconteceria se ele não se antecipasse à revelação, que viria mais cedo ou mais tarde. Aí é que seria chato mesmo e ele, astutamente, se antecipou para eludir o constrangimento, mas acha que pode tapear a gente com outra conversa. Quer dizer, esse negócio de ter certeza de que todo mundo aqui é cretino ou fronteiriço deve ser um vírus que dá lá no Congresso e que acabou pegando o Gabeira também.

Essa patologia acabrunhante já se tinha manifestado antes em declarações do presidente da Câmara, tais como a de que meteram a mão nas passagens até para viagens galantes porque ´não havia regras claras´. Seria de esperar que, não havendo regras claras para a utilização de uma vantagem, o homem público escrupuloso se afastasse dessa vantagem. Mas não, aqui isso justifica o uso e o abuso. Talvez, para que haja regras bem claras onde se diz que circulam tantos ladrões, seja melhor colar etiquetas em tudo: ´Não pode levar este microfone para dar à banda de rock de seu filho´; ´não pode pegar as cadeiras para mobiliar o sítio´; ´os talheres são da casa´; ´o papel higiênico é para uso exclusivo no local´; ´tire a mão daí´, etc. etc.

Disse também o presidente da Câmara que nem todos os deputados são responsáveis por irregularidades ou falcatruas, e não se devem misturar alhos com bugalhos. Ninguém discorda, não se devem misturar alhos com bugalhos, mas quando os próprios alhos se misturam mais com os bugalhos do que clara e gema num ovo mexido, como é que se faz? Por que os alhos, a quem compete essa função e não aos governados, não se livram dos bugalhos, por que os protegem e coonestam? A mistura atingiu o ponto de não-retorno?

E chega também desse papo besta, que tem enchido o país de ensaístas políticos que nunca leram o bê-a-bá de teoria política nenhuma, com essa conversa de que é irresponsável falar mal do Congresso, porque sem Congresso não pode haver democracia. Verdade meio discutível (sem imprensa livre, inclusive Internet, é que hoje não acredito em democracia), mas vamos dar de barato, para não bater boca com quem está por fora até dos fundamentos e nem distingue Estado de Governo, como já peguei muitos. Tudo bem, mas Congresso de merda também não é indício nenhum de existência de democracia, pois perguntem se a Coreia do Norte não tem lá o seu Congresso, assim como teve e tem a maioria das ditaduras. Então, em nome da preservação da Democracia, protege-se um congresso inepto, incapaz, omisso e malquisto e fecham-se os olhos a seus escândalos? Óbvio que um Congresso assim é que é o coveiro da democracia representativa e não os que procuram, por meios lícitos, corrigir seu curso desastroso e, a longo prazo, catastrófico. Quem faz o que faz é ele, não a imprensa, e o inimigo dele é ele, não a imprensa.

Aliás, historicamente, a maior parte da imprensa brasileira tem defendido as instituições democráticas, nas circunstâncias e visão de cada época. Grande parte dos políticos hoje estabelecidos, em qualquer nível, esquece o muito que deve à existência de uma imprensa livre. A qual, aliás, não esquenta demais com isso, porque sabe que dor de barriga não dá uma vez só.

MERVAL PEREIRA

Retrocesso ou sintonia?

O GLOBO - 26/04/09

A semana política que se inicia terça-feira em Brasília será fundamental para definir se a Câmara dos Deputados acompanha o sentimento da sociedade brasileira e acata a decisão da Mesa Diretora de restringir o uso de passagens aéreas ao parlamentar em serviço, ou se vai se colocar acima dela para defender interesses fisiológicos dos que querem manter privilégios inaceitáveis. A tese de que os meios de comunicação não refletem necessariamente a opinião média do eleitorado, mas apenas o pensamento das elites brasileiras, que já foi usada com êxito como argumento para que a grande maioria dos deputados envolvidos no mensalão fosse absolvida pela corporação, transforma os deputados em parceiros do nivelamento por baixo de nossa política, e em interessados em que a sociedade não avance, para que seus interesses pessoais permaneçam intocáveis.

Para frustração dos que, na Câmara, consideravam vencida a batalha, a medida "cirúrgica" da Mesa Diretora - que nunca abriu mão da prerrogativa de baixar essas normas - se transformou em Projeto de Resolução, a ser votado em plenário.

O próprio presidente da Câmara, Michel Temer, embora eleito por parte dos que agora se insurgem contra a medida, liderou o movimento de necessária renovação dos hábitos, depois de ter tentado uma solução a La Tancredi, do Leopardo: mudar para permanecer tudo na mesma.

Um recomeço sob novas regras de austeridade e transparência, que já defendi aqui nessa coluna, abrigaria até mesmo um "acordo tácito" que já está em vigor na Câmara, onde os pouquíssimos que não fizeram usos irregulares, mesmo os justificáveis pela tradição, ou ofertaram voos internacionais, não esticam a corda com acusações, para criar um ambiente de entendimento (aliás, está na hora de os jornais fazerem uma lista dos que não utilizaram suas cotas de maneira abusiva).

Parece, no entanto, que uma maioria não abre mão do uso das passagens "a critério exclusivo do parlamentar". Por isso tudo, essa votação de uma questão interna, administrativa, ganhou um peso imenso para a vida futura desta Legislatura e para a credibilidade da política institucional, novamente no fundo do poço.

Esse comportamento retrógrado da Câmara dos Deputados, portanto, afasta ainda mais nossos representantes do Estado moderno, surgido em consonância com a "opinião pública" no século XVIII. O que dizer, então, da moderna democracia digital, que permite que a sociedade acompanhe passo a passo a atuação dos funcionários públicos, que é o que são nossos deputados e senadores?

A legislação de acesso à informação, ferramenta indispensável para o exercício de uma democracia moderna na definição de Rosental Calmon Alves, professor da Universidade do Texas em Austin, hoje é um assunto que mobiliza todos os governos.

Há 20 anos, era assunto apenas dos Estados Unidos e dos países escandinavos. Os países europeus demoraram muito, mas em alguns casos os países pós-comunistas da Europa do Leste foram mais rápidos do que os da Europa Ocidental porque estavam instalando uma democracia nova e esses conceitos eram necessários.

Segundo Rosental, o projeto de lei brasileiro, que o governo promete apresentar até o fim do mês, é bom, mas o ponto polêmico será a necessidade de uma agência reguladora. Ao contrário, o projeto prevê que a Controladoria Geral da União vai assumir esse papel o que seria "como colocar a raposa tomando conta do galinheiro", na definição de Rosental.

Em todos os lugares, a hora do conflito é quando um cidadão quer saber quanto um ministro gastou na viagem que fez à Europa, e em que ele gastou, por exemplo. Ou como nossos parlamentares usaram suas verbas .

A base da lei, segundo Rosental, é que "tudo o que tem a ver com dinheiro público a gente tem direito de saber, e aí alguém vai ter que arbitrar quando um funcionário público recusar a informação".

Nos Estados Unidos, é a Corte Federal que decide se a instância administrativa não quiser divulgar uma informação. As leis mais modernas prevêem uma agência independente, como o México, que é o país que tem a melhor legislação.

Na eleição de 2000, com a sociedade empolgada com a possibilidade de ter o primeiro presidente que não era do PRI, todos os candidatos se comprometeram com isso.

Outro problema grave vai ser o custo, pois cada ministério, cada agência, tem que ter pelo menos uma pessoa encarregado da operação, que exige uma estrutura permanente, pois são milhões de pedidos.

O cidadão paga o custo da digitalização, ou da fotocópia, e a lei nos Estados Unidos especifica que não se pode cobrar pelo serviço nada além do custo da cópia.

Rosental Calmon Alves diz que também evoluiu muito o conceito no Brasil, pois há uns anos havia muita relutância, inclusive dos que, embora favoráveis, achavam que não precisaríamos de uma lei específica, pois já havia o preceito constitucional.

Mas não adianta ter a lei se não é regulamentada, ressalta Rosental, lembrando que o mais importante é o prazo. Um funcionário público que receber um pedido de qualquer pessoa sobre uma informação tem que ter um prazo máximo estabelecido por lei e precisa ser responsabilizado se não obedecê-lo na tentativa de não dar a informação.

Mas será esse Congresso que se agarra a mordomias e se irrita com a revelação de suas irregularidades que vai aprovar uma lei de transparência total de informação pública? Vamos começar a ter a resposta a partir desta semana em Brasília.

INFORME JB

Baixo clero desiste de cobrar regalias

Leandro Mazzini

JORNAL DO BRASIL - 26/04/09

O deputado Sílvio Costa (PMN-PE) baixou a guarda. Ele, que ganhou visibilidade ao peitar a Mesa Diretora da Câmara e cobrar que se mantenha regalias sobre passagens aéreas, telefonou ontem para o presidente da Casa, Michel Temer (PMDB-SP), e avisou que não vai mais entrar com ação na Mesa para questionar a decisão de restrição das viagens. Costa queria que filhos e cônjuges tivessem o direito, amplo e irrestrito. Na conversa, ele disse a Temer que não é hora de briga, e sim de cortes nos gastos. Temer passou o sábado ligando para líderes de partidos e alguns deputados. Está convencido de que as novas regras, que irão a votação esta semana, vão ser aprovadas. Principalmente porque o voto é aberto, e ninguém quer se desgastar mais com a opinião pública.

Rio 2016 Bairro do Lula

Para ajudar o governador Sérgio Cabral (foto), Lula mandou ministros prepararem o que cada pasta tem de projeto para o Rio, a fim de apresentar à equipe do COI, no Copacabana Palace.

O "cara" passa terça-feira por Manaus para inaugurar o Conjunto Habitacional Presidente Lula, com 500 casas. O nome foi ideia do governador Eduardo Braga (PMDB).

Modesto

Em conversa recente com Braga, Lula disse que não queria de jeito nenhum esse nome. Mas o governador bateu pé.

2010 explica

Apesar dos susto com a saúde, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, anda feliz e descontraída, diz um ministro aliado.

Eu fico

Deve ficar no cargo, por ora, o advogado-geral do Senado Luiz Bandeira, alvo de disputa entre senadores por causa da vaga. A amigos, Bandeira diz que não sai.

Padrinhos

O presidente José Sarney quer Shalom Granado para o lugar de Bandeira, indicado pelo antecessor, Garibaldi Alves.

Susto no Leblon

A concordata da americana GGP, citada aqui semana passada, afetou diretamente negócios no Leblon, onde ela tem sócios.

Carbon free

Mas a LGR, dona de shoppings aqui no país, manteve o capital de giro e não se abateu. Investe na construção de mais um, em Rio Branco (AC), o primeiro do país com a qualidade Carbon Free, ecologicamente correto.

Acessibilidade

O deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) apresentou na Câmara Projeto de Lei 5059/09, que cria centrais de intermediação de comunicação telefônica para pessoa com deficiência auditiva e da fala, através do celular.

Novo Fonte

O governo da Bahia vai demolir em parte o Estádio Fonte Nova para reconstruí-lo para a Copa de 2014. "Vamos priorizar o conceito multiuso", explica o secretário de Planejamento, Walter Pinheiro.

Laranja mecânica

O governador da Bahia, Jaques Wagner, vai reunir-se em Amsterdã, na Holanda, com executivos do grupo que administra a bela arena de futebol da cidade. Quer trazer o know-how deles para Salvador.

CARLOS EDUARDO NOVAES

Torcidas unidas jamais...

JORNAL DO BRASIL - 26/04/09

Já reparou que é cada vez maior o numero de casais formados por botafoguenses e flamenguistas que conseguem se amar acima das paixões clubísticas? Os antropólogos atribuem o fato à quantidade de vezes que Botafogo e Flamengo vêm se enfrentando em decisões ao longo dos últimos anos. As torcidas vão ficando íntimas. A partir de 2007 nunca nasceu tanto mênfogo, que é o cruzamento de alvinegros com rubro-negros. Testes de laboratório afirmam ser esta a melhor combinação entre cromossomos para depurar o sangue do torcedor. A pior é a que gera flascos!

Alan, meu sobrinho quarentão saiu nas folhas semana passada com a camisa do Botafogo abraçado à sua namorada rubro-negra, ilustrando uma dessas reportagens sobre a coexistência pacífica entre casais que torcem por times diferentes. Nem sempre, porém, tal convivência foi possível. Ao ver a foto de Alan com a moça – meio encoberta – lembrei-me da decisão entre Flamengo e Botafogo em 1989. Pedi ao meu sobrinho para levar a filha de um amigo, rubro-negra, que estava sem companhia para ir ao estádio.

– Nem pensar! – reagiu ele. – Não vou chegar ao Maraca com uma flamenguista a tiracolo. Que que minha facção vai dizer? Ela que se vire com a urubuzada!

– Ela é linda, Alan! Culta, educada, não diz palavrão, não xinga o juiz. Você vai gostar dela! Periga até se apaixonar!

– Quem? Eu? Ficou maluco, tio? Jamais vou me interessar por uma rubro-negra. É tão impossível quanto um judeu se apaixonar por uma palestina!

Dois anos depois Alan pagou pela língua, casou-se com uma vascaína e logo se separou por incompatibilidade de gênios. Em 1992, às vésperas da partida final, apresentei Alan a Cris, a filha do amigo, em uma festinha de aniversário. Alan tratou-a com absoluta indiferença e quando a moça começou a exaltar a vitória do Flamengo no primeiro jogo ele deixou-a falando sozinha e se afastou sem sequer pedir licença.

O tempo passou, Alan juntou-se a uma botafoguense de sua torcida organizada e um ano depois se separaram por excesso de compatibilidade de gênios. Os dois concordavam em tudo e a relação caiu na vala da monotonia. Em 2007 Alan e Cris se encontraram por acaso nas cercanias do estádio. Ele me telefonou:

– Estive com a Cris, tio! Nos dois jogos da decisão! Foi a maior coincidência!

– Coincidência seria se ela torcesse pelo Vasco!

– Achei-a muito bacana. Ela nem me gozou pelos pênaltis perdidos!

Em 2008 outra decisão e lá estavam os torcedores de sempre, entre eles Alan e Cris, que voltaram a se encontrar graças ao empenho do meu sobrinho que foi procurá-la no meio da galera rubro-negra. Tinham tanta coisa para conversar (sobre o desempenho dos times durante o campeonato) que entraram no estádio com a partida iniciada. Combinaram de assistir ao segundo jogo juntos na zona neutra, mas – por sugestão de Cris – em trajes comuns, sem as camisas dos clubes.

– Estou me sentindo nu! – gemeu Alan contrariado

Ontem ao chegar de viagem liguei para o sobrinho querendo saber se era Cris quem estava com ele na foto de segunda-feira passada.

– Era a Pat, amiga da Cris que conheci numa dessas decisões, não me lembro qual... É uma rubro-negra fanática, mas que não me impede de vestir o manto do Fogão.

– Já decidiram onde vão ficar no jogo de amanhã (hoje)?

– Na torcida do Flamengo!

– E você vai com a camisa do Botafogo? – assustei-me.

– Qual o problema, tio? Esta é a sexta partida decisiva desde 2007. Já conheço todo mundo!

COISAS DA POLÍTICA

A Bolívia e os nossos deveres O bispo e seus filhos

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 26/04/09

Não podemos fazer de conta que a frustração do plano de assassinato do presidente Evo Morales tenha conjurado o perigo do atentado, nem que tenha eliminado a possibilidade de um golpe de Estado e de ação armada no território fronteiriço ao Brasil. Está claro que os estrangeiros que estavam em um hotel de Santa Cruz não se reuniram ali para uma partida de pôquer. As primeiras informações os identificam como mercenários. Um dos três mortos durante a operação policial, Rozsa-Flores, boliviano, e que tinha mais duas nacionalidades, a húngara e a croata, tinha dito, em entrevista a um jornalista da televisão de Budapeste, no ano passado, que fora contratado para defender a região oriental de um suposto ataque do governo de La Paz. Tinha se declarado separatista, e disposto a combater o governo de Evo Morales. Rozsa-Flores era um militante de extrema-direita, com vinculações antigas com a Opus Dei e os racistas bolivianos. Os outros dois mortos, Michael Martin, irlandês, e o romeno Magyarosi Arpak, também eram identificados com a extrema-direita. Dois dos integrantes do grupo, o húngaro Elot Toazo e o boliviano-croata Mario Tadik, foram presos.

Se não temos por que intervir nos assuntos internos de nossos vizinhos ocidentais, não podemos ficar indiferentes ao que se passa na Bolívia e no Paraguai. No caso da Bolívia, o movimento separatista da região cisandina pode evoluir para uma rebelião sangrenta, o que ameaçará a nossa segurança territorial. Os brancos que o controlam são, em sua maioria, de origem estrangeira. Chegaram ali há algumas décadas e compraram as terras férteis da região, até então muito baratas, e se dedicaram ao agronegócio. Sempre se entenderam bem com o governo central, ocupado pelos brancos descendentes dos espanhóis. Desde a eleição de Morales, o movimento tem crescido, e as razões são evidentes. O índio Evo propõe-se restaurar a dignidade de seu povo, depois de quase cinco séculos de dominação dos brancos. Como declarou Denis Racicot, representante da ONU em La Paz, encarregado de cuidar da defesa dos direitos humanos, o atentado que se planejava era também de natureza racista.

Por outro lado, a presença de empresários brasileiros que atravessaram a fronteira e se dedicam à agricultura e à pecuária nas terras baixas da Bolívia e no Paraguai, poderá nos trazer dificuldades com esses vizinhos. Há ainda os problemas crônicos, como os do narcotráfico e do contrabando, além da contrafação de produtos industriais de marcas brasileiras, produzidos nos dois países. Ainda agora se informa que os corpos de sete brasileiros foram encontrados em território boliviano, e não sabemos por que morreram, nem onde morreram.

É preciso reforçar a presença militar na fronteira e a ação diplomática em La Paz, para a defesa de nossos interesses permanentes. É necessário compreender que o nosso objetivo maior é o da união política sul-americana, a fim de que nos situemos no mundo dos grandes blocos que se formam hoje. Para que isso ocorra, é importante impedir que surjam conflitos no continente. A maioria da população boliviana é autóctone. Pela primeira vez, desde a Conquista, essa população conta com um governo que a representa de fato e de direito. Não interessa ao Brasil que haja ali nova perturbação do processo democrático. Devemos deixar essa posição muito clara, a fim de que não se equivoquem os que pensam contar com a nossa indiferença.

O presidente Lugo pediu perdão por ter gerado filhos quando ainda era bispo católico. Os religiosos brasileiros estão discutindo o problema do celibato. Dizia São Paulo, em uma de suas epístolas (Timóteo, 3,2): "Convém pois que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher...", e, adiante (3,5), "porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?".

Muitos dos graves problemas que a Igreja enfrenta hoje, e sobre os quais a caridade recomenda o silêncio, deixariam de existir se não houvesse essa exigência anacrônica e contra a natureza. A Igreja se queixa de que faltam vocações, e talvez se engane. Há, sim, reais vocações para o sacerdócio, mas elas são inibidas pela exigência do celibato. Como se pode pedir a um jovem que ame a humanidade quando lhe é negado o amor por uma mulher, ou a uma jovem freira o amor por um homem?

No caso do bispo Lugo, o que incomoda a seus opositores não é sua paternidade. É a sua posição política.

O BRASIL É O ALVO


EDITORIAL

O ESTADO DE S. PAULO - 26/4/2009

Mal regressou da 5ª Cúpula das Américas em Trinidad e Tobago, o presidente Lula gravou uma entrevista para o seu programa Café com o Presidente na qual externou um otimismo sem reservas sobre o evento de que participou com evidente disposição construtiva. Lula voltou do Caribe convencido de que "demarcamos uma nova história" nas relações entre a América Latina e os Estados Unidos. A seu ver, o presidente Obama "tem a compreensão" das medidas certas que deve tomar no tempo certo e os líderes regionais "têm a convicção" de que ele é uma novidade importante para transformar esse relacionamento numa parceria mais efetiva.

O tempo dirá o quanto há de realismo e o quanto de wishful thinking nos prognósticos de Lula sobre a compreensão que atribui a Obama. Já a convicção que ele diz ter visto, indistintamente, entre os seus colegas das redondezas deve ser recebida no mínimo com cautela. É bem verdade que o venezuelano Hugo Chávez enfiou no saco a viola com que pretendia azucrinar os ouvidos do novo presidente americano com a sua melopeia anti-imperialista. Mas o fez à falta de melhor, por mera "necessidade tática": Obama, ao anunciar "um novo começo" com Cuba, e a aparente prontidão do regime de Havana para o diálogo com os Estados Unidos tiraram, por ora, o fôlego do caudilho.

Antes disso, porém, na reunião da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), Chávez levou a um ponto caricatural o seu antiamericanismo. "Onde haverá mais democracia, nos Estados Unidos ou em Cuba?", perguntou retoricamente em dado momento. "Eu não tenho dúvidas", completou. "Em Cuba há mais democracia."

Além disso, como observa o venezuelano Moisés Naím, editor da revista Foreign Policy, a questão cubana ofuscou em Port of Spain "as profundas divergências que separam os latino-americanos". Ao que se pode acrescentar que o Brasil foi arrastado ao centro delas. A rigor, nem todos os países estendem as efusões de boa vontade que marcaram a Cúpula ao "gigante que não fala a nossa língua", como é possível ouvir, significativamente, nas sedes de seus governos. Isso emergiu com clareza meridiana às vésperas do evento, quando se reuniram na Venezuela os líderes dos seis membros da Alba, o bloco chavista da região, mais o seu convidado paraguaio Fernando Lugo.

Fiéis a seu mentor bolivariano, eles assinaram um documento que começa rebaixando o G-20 de foro representativo da comunidade internacional - como o considera Lula depois de ter trabalhado para que substituísse nesse papel o G-8 - a um "grupo exclusivo". O presidente brasileiro não foi obviamente citado no texto, mas a posição dos bolivarianos representou um nítido voto de desconfiança no seu empenho em ampliar o acesso dos países em desenvolvimento aos debates sobre a crise econômica. 

Em seguida, por iniciativa do boliviano Evo Morales, o manifesto da Alba investe contra o programa do etanol, menina dos olhos das políticas de Lula, por seus presumíveis "efeitos negativos sobre os preços dos alimentos e recursos naturais". Morales também queria que a menção ao etanol na declaração final da Cúpula viesse acompanhada de uma nota de rodapé sobre a sua alegada ameaça à segurança alimentar. E, para terminar, o documento da Alba emitiu um claro sinal de que se inclina a apoiar a pretensão paraguaia de renegociar com o Brasil o Tratado de Itaipu - o que o presidente Lugo rapidamente anunciou como manifestação de solidariedade. 

Na entrevista de despedida da Cúpula de Trinidad, Lula deu-lhes o troco. "O Brasil é grande", argumentou, depois de se referir a Lugo e Morales pelo nome. "Então as pessoas estão sempre achando que o Brasil é culpado por alguma coisa que acontece com eles." A verdade é que o Brasil já há algum tempo vem tomando o lugar dos Estados Unidos como o inimigo a ser combatido pela "revolução bolivariana". As concessões de Lula, mesmo em detrimento do interesse nacional, como nos casos dos contenciosos comerciais com a Argentina e a Bolívia, não bastaram para aplacar os governantes vizinhos que encontraram um novo "inimigo externo" para respaldar o seu populismo e disfarçar os seus fracassos. A última coisa que lhes ocorrerá é seguir o conselho do presidente brasileiro, separando "o que é ingerência externa e o que é subserviência e erro de nossa própria classe dirigente". 

DORA KRAMER

Banzé No Centro-Oeste


O ESTADO DE SÃO PAULO - 26/04/09


O empurra-empurra verbal entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o ministro Joaquim Barbosa não foi edificante nem inédito. Mas foi a primeira evasão de temperamentos, entre as várias recentemente ocorridas naquela corte, a ser enquadrada na categoria “crise institucional” em algumas interpretações da cena.

Isso não acontece à toa nem por acaso. Há motivos certamente. Eles podem refletir desconhecimento sobre o verdadeiro significado de uma ruptura nas instituições, perda da noção do que seja crise, falta de discernimento na análise de episódios distintos ou, o que é mais provável, uma confusão completa na mente do espectador, tantos são os espetáculos em cartaz na República.

Uma coisa é um magistrado repreender o outro em plena sessão de julgamento no STF – Nelson Jobim, quando presidente do tribunal, era useiro e vezeiro em desqualificar em público a tese alheia – quando o ambiente é de razoável normalidade.

Outra coisa é isso acontecer, nos termos em que aconteceu, com acusações pesadas, enquanto se assiste à exposição das feias entranhas do Congresso. A tendência, claro, é de se amplificar a impressão de bagunça.

Isso não quer dizer que, por serem agora habituais, os bate-bocas entre ministros do Supremo sejam normais ou aceitáveis. Não são. Entre outros e óbvios motivos, porque se a prática vira regra termina por contaminar o conteúdo dos julgamentos. Sem falar do péssimo exemplo de que o exercício da divergência dispense a presença da civilidade.

Tampouco, como disse o presidente Luiz Inácio da Silva, ajudam “a sociedade e a democracia”. Muito menos, conforme o entendimento de Lula, podem ser comparados a “brigas em campo de futebol”.

O presidente quis colaborar com água fria na administração do episódio. Intencionalmente não iria depreciar o valor da liberdade de expressão, da transparência nos atos de poder e, sobretudo, da dimensão do STF e seus integrantes. Mas acabou depreciando, com uma metáfora que não facilita a compreensão do fato. Antes, subtrai cerimônia das instituições já tão carentes de solenidade e empanturradas de informalidades.

Há determinadas situações em que a simplificação complica. Dá margem ao maniqueísmo que tem se mostrado cada vez mais ativo e disseminado na separação dos fatos e das pessoas entre representantes do “bem” e delegados do “mal”.

Exemplo bem recente e nítido ocorreu a partir da Operação Satiagraha, seus desdobramentos e a repercussão na CPI dos Grampos. O delegado Protógenes Queiroz tornou-se o santo guerreiro combatente do dragão da maldade incorporado na figura do banqueiro Daniel Dantas. A partir daí, estabeleceu-se um esquema segundo o qual quem critica as ilegalidades cometidas pelo delegado na investigação em nome do “bem” é aliado do satã, identificado em toda e qualquer pessoa que tome decisões – ainda que sustentadas na legalidade – formalmente favoráveis a Dantas.

Isso apesar de as irregularidades detectadas no inquérito contra o banqueiro terem fornecido bons, senão definitivos, argumentos à defesa de Daniel Dantas.

Entre os satanizados, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes. E por quê? Porque concedeu habeas corpus ao banqueiro, porque reagiu a uma ofensiva de desmoralizar o Judiciário que levou o ex-ministro Sepúlveda Pertence – de temperamento diferente – a refugiar-se no abatimento, porque denunciou a existência (comprovada) de um esquema paralelo no aparato de segurança do Estado.

Por causa da exorbitância nos métodos, pagou o preço do carimbo de defensor dos poderosos. Basta pensar dois segundos para perceber que a ação de grampeadores clandestinos não atende exatamente às causas dos fracos e oprimidos.

E o que tem a ver o reducionismo da imagem de Gilmar Mendes a uma caricatura “maligna” com a briga no Supremo e a confusão geral de percepções? Tem a ver com a boa imagem do ministro Joaquim Barbosa, justamente construída em sua atuação na relatoria do processo do mensalão, sua identificação com o presidente “operário” que o indicou (em contraposição à nomeação de Gilmar pelo intelectual Fernando Henrique Cardoso) e o fato de ser o primeiro, e único, ministro negro do STF.

Nada disso guarda relação direta e objetiva com esse e outros atritos protagonizados por ele no Supremo. Mas, para efeito de opinião pública, Barbosa começa encarnar a representação do “bem” no tribunal em oposição a Gilmar Mendes.

Como se um firmasse fileira com Protógenes, outro lutasse na trincheira de Daniel Dantas e ambos desfilassem seus atributos para gáudio das respectivas torcidas. Nada mais artificial, nada mais pernicioso, nada mais maniqueísta e prejudicial a uma sociedade que se pretende autônoma em sua capacidade de decidir seu destino que a tutela da patrulha imbecilizante, infantil e passadista que condena ou absolve sem julgar por preguiça de pensar.