domingo, abril 26, 2009

NAS ENTRELINHAS

Unidade dos contrários

CORREIO BRAZILIENSE - 26/04/09

Lula acredita que a doença não atrapalhará a ministra-chefe da Casa Civil, cuja candidatura até pode se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta a situação

Há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões de carreira, diria o mais gozador dos gaúchos, Apparício Torelly, o Barão de Itararé (parafraseando o genial dramaturgo inglês William Shakespeare). Enquanto o Congresso chafurda nas mordomias e tropeça nas próprias pernas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva constrói o que considera o cenário ideal para a sucessão presidencial de 2010. Em sua estratégia eleitoral, o adversário ideal é aquele que hoje aparece como favorito na disputa, o governador paulista José Serra (PSDB). A ministra Dilma Rousseff (PT) seria candidata única da base governista, com o apoio do PMDB, do bloco de esquerda (PSB, PDT e PCdoB) e dos partidos do “centrinho” (PTB, PR, PP e PSC). Para quem quiser ouvir, Lula aposta o outro mindinho que Dilma derrotará o tucano se essa for a polarização da disputa. Para o presidente da República, Serra seria um freguês de carteirinha.

Por gravidade

O PMDB saiu das urnas com vontade de comer caviar no segundo mandato de Lula, mas corre o risco de terminar o banquete arrotando mortadela. A cúpula da legenda conquistou com grande habilidade as presidências do Senado e da Câmara e parecia disposta a tutelar o governo. Mas, desde que assumiram o comando das duas Casas, o senador José Sarney (PMDB-AP) e o deputado Michel Temer (PMDB-SP) foram levados às cordas. Porta voz da opinião pública, toda a mídia nacional, inclusive o Correio, cobra a renovação dos costumes parlamentares. Há que se destacar que o site Congresso em Foco, que há anos acompanha diariamente sessões plenárias, comissões e bastidores da Câmara e do Senado, repetiu o feito de seu congênere Contas Abertas em relação ao Executivo e devassou, de forma avassaladora, os gastos com viagens ao exterior de deputados federais, parentes e agregados.

No turbilhão da crise, a potencial candidatura de Temer a vice-presidente da República, na chapa de Dilma, está sendo volatilizada. Lula assiste de camarote o naufrágio peemedebista e se prepara para recolher os sobreviventes. Devido ao rumo dos acontecimentos, acredita que o apoio da legenda à candidatura de Dilma virá por gravidade. Essa é a propensão natural de governadores e prefeitos da legenda. A única alternativa para o PMDB recuperar a iniciativa na sucessão seria a candidatura própria, mas o partido perdeu o rumo, não tem projeto próprio nem unidade para atrair o governador de Minas, Aécio Neves para a legenda. Se o PMDB indicar o vice de Dilma, será aquele que Lula escolher. Mesmo assim, antes terá que disputar a vaga com o bloquinho de esquerda.

O imprevisto

O ex-ministro da Integração Nacional e cacique político cearense Ciro Gomes, candidato do bloquinho, é um fio desencapado no jogo sucessório. Na avaliação do Palácio do Planalto, o destempero verbal já vitimou Ciro em duas eleições presidenciais e está se encarregando de jogar por terra a tese que tanto defende: duas candidaturas da base do governo na sucessão de 2010. Lula nunca descartou a possibilidade de Ciro ser vice de Dilma, contentando o PMDB com o apoio do PT à reeleição de seus governadores, mas essa alternativa começa a ser vista como um risco na campanha eleitoral por causa do temperamento explosivo de Ciro. Ele é uma espécie de terceiro vértice no triângulo de fogo de uma campanha eleitoral (oxigênio, combustível e temperatura de ignição). O mesmo raciocínio começa a ganhar corpo na cúpula do PSB, partido de Ciro, que prefere reeleger o governador Eduardo Campos em Pernambuco, com apoio do PT. Ou seja, a candidatura de Ciro está morrendo na praia.

Curiosamente, Lula aposta que Aécio será o vice de José Serra no PSDB, contra todas as declarações em contrário. Esse é o sonho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, mesmo assim, Lula seca a candidatura do governador mineiro a presidente da República, sufocando-a como pode, num jogo tacitamente combinado com o governador paulista José Serra. Essa estranha dialética de unidade dos contrários, porém, enfrenta um grave imprevisto: o linfoma de Dilma, que começou delicada quimioterapia. Lula acredita que a doença não atrapalhará a ministra-chefe da Casa Civil, cuja candidatura até pode se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta a situação. O câncer foi diagnosticado em estágio inicial e, segundo seus médicos, tem cura.

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