domingo, abril 26, 2009

COISAS DA POLÍTICA

A Bolívia e os nossos deveres O bispo e seus filhos

Mauro Santayana

JORNAL DO BRASIL - 26/04/09

Não podemos fazer de conta que a frustração do plano de assassinato do presidente Evo Morales tenha conjurado o perigo do atentado, nem que tenha eliminado a possibilidade de um golpe de Estado e de ação armada no território fronteiriço ao Brasil. Está claro que os estrangeiros que estavam em um hotel de Santa Cruz não se reuniram ali para uma partida de pôquer. As primeiras informações os identificam como mercenários. Um dos três mortos durante a operação policial, Rozsa-Flores, boliviano, e que tinha mais duas nacionalidades, a húngara e a croata, tinha dito, em entrevista a um jornalista da televisão de Budapeste, no ano passado, que fora contratado para defender a região oriental de um suposto ataque do governo de La Paz. Tinha se declarado separatista, e disposto a combater o governo de Evo Morales. Rozsa-Flores era um militante de extrema-direita, com vinculações antigas com a Opus Dei e os racistas bolivianos. Os outros dois mortos, Michael Martin, irlandês, e o romeno Magyarosi Arpak, também eram identificados com a extrema-direita. Dois dos integrantes do grupo, o húngaro Elot Toazo e o boliviano-croata Mario Tadik, foram presos.

Se não temos por que intervir nos assuntos internos de nossos vizinhos ocidentais, não podemos ficar indiferentes ao que se passa na Bolívia e no Paraguai. No caso da Bolívia, o movimento separatista da região cisandina pode evoluir para uma rebelião sangrenta, o que ameaçará a nossa segurança territorial. Os brancos que o controlam são, em sua maioria, de origem estrangeira. Chegaram ali há algumas décadas e compraram as terras férteis da região, até então muito baratas, e se dedicaram ao agronegócio. Sempre se entenderam bem com o governo central, ocupado pelos brancos descendentes dos espanhóis. Desde a eleição de Morales, o movimento tem crescido, e as razões são evidentes. O índio Evo propõe-se restaurar a dignidade de seu povo, depois de quase cinco séculos de dominação dos brancos. Como declarou Denis Racicot, representante da ONU em La Paz, encarregado de cuidar da defesa dos direitos humanos, o atentado que se planejava era também de natureza racista.

Por outro lado, a presença de empresários brasileiros que atravessaram a fronteira e se dedicam à agricultura e à pecuária nas terras baixas da Bolívia e no Paraguai, poderá nos trazer dificuldades com esses vizinhos. Há ainda os problemas crônicos, como os do narcotráfico e do contrabando, além da contrafação de produtos industriais de marcas brasileiras, produzidos nos dois países. Ainda agora se informa que os corpos de sete brasileiros foram encontrados em território boliviano, e não sabemos por que morreram, nem onde morreram.

É preciso reforçar a presença militar na fronteira e a ação diplomática em La Paz, para a defesa de nossos interesses permanentes. É necessário compreender que o nosso objetivo maior é o da união política sul-americana, a fim de que nos situemos no mundo dos grandes blocos que se formam hoje. Para que isso ocorra, é importante impedir que surjam conflitos no continente. A maioria da população boliviana é autóctone. Pela primeira vez, desde a Conquista, essa população conta com um governo que a representa de fato e de direito. Não interessa ao Brasil que haja ali nova perturbação do processo democrático. Devemos deixar essa posição muito clara, a fim de que não se equivoquem os que pensam contar com a nossa indiferença.

O presidente Lugo pediu perdão por ter gerado filhos quando ainda era bispo católico. Os religiosos brasileiros estão discutindo o problema do celibato. Dizia São Paulo, em uma de suas epístolas (Timóteo, 3,2): "Convém pois que o bispo seja irrepreensível, marido de uma mulher...", e, adiante (3,5), "porque, se alguém não sabe governar a sua própria casa, como cuidará da igreja de Deus?".

Muitos dos graves problemas que a Igreja enfrenta hoje, e sobre os quais a caridade recomenda o silêncio, deixariam de existir se não houvesse essa exigência anacrônica e contra a natureza. A Igreja se queixa de que faltam vocações, e talvez se engane. Há, sim, reais vocações para o sacerdócio, mas elas são inibidas pela exigência do celibato. Como se pode pedir a um jovem que ame a humanidade quando lhe é negado o amor por uma mulher, ou a uma jovem freira o amor por um homem?

No caso do bispo Lugo, o que incomoda a seus opositores não é sua paternidade. É a sua posição política.

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