sexta-feira, novembro 27, 2009

CLAUDIA SAFATLE

Déficit em conta corrente deve superar 3% do PIB

VALOR ECONÔMICO - 27/11/09



A aceleração do crescimento - a taxa anualizada já está na faixa de 8% - vai empurrar o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos novamente para a casa dos 3,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, patamar abandonado desde 2003.

Esse é o padrão de déficit compatível com uma taxa de crescimento econômico de 5% ao ano, na avaliação de economistas do governo, e ele será impulsionado pelo aumento das importações, necessárias ao abastecimento da demanda do mercado interno, e pelo déficit nas contas de serviços e rendas. Estas últimas, movimentadas principalmente pelas remessas de juros, lucros e dividendos para o exterior.

Em outubro, já refletindo a retomada da economia, houve o maior déficit mensal deste ano nas contas correntes do país: US$ 2,9 bilhões. O superávit comercial de US$ 22,6 bilhões e os US$ 2,6 bilhões de receitas em transferências unilaterais nos dez meses do ano foram insuficientes para cobrir o déficit da conta de serviços e as rendas remetidas ao exterior, de US$ 40 bilhões, resultando em um saldo negativo nas transações correntes, até outubro, de US$ 14,79 bilhões (1,26% do PIB, ainda aquém dos 1,83% do PIB de déficit em igual período de 2008).

Embora uma corrente de economistas alimente o temor de que esteja ocorrendo um processo de reconstrução das vulnerabilidades externas que tanto custaram ao Brasil nas décadas passadas, os profissionais da área econômica do governo não enxergam riscos de o país voltar a ter problemas graves nessa área. Os primeiros comungam de uma visão muito próxima da do governador de São Paulo, José Serra, eventual candidato à presidência da República em 2010. Eles acreditam que os equívocos da política monetária - juros altos demais - estão na raiz da apreciação da taxa de câmbio e esta vai, já no próximo ano, causar desequilíbrio nas contas do balanço de pagamentos. O receio desses analistas é de que o desajuste externo, associado a visível deterioração fiscal, caia como uma bomba no colo do próximo governo.

O argumento das fontes oficiais, porém, é que não ocorrerá um "buraco" de difícil financiamento nas contas externas porque a própria taxa de câmbio flutuante se encarregará de ajustá-las no momento adequado. Hoje, assinalam, os investimentos diretos estrangeiros, capitais de excelente qualidade, mais do que cobrem o déficit.

Neste ano, até outubro, o ingresso líquido de investimentos diretos foi de US$ 19,25 bilhões. Desses, US$ 14,3 bilhões se destinaram a aquisições ou reforços de participações societárias no país e US$ 4,898 bilhões foram empréstimos intercompanhias (das matrizes estrangeiras para suas filiais no Brasil). Para novembro, dados até o dia 18 indicavam ingresso de mais US$ 800 milhões, segundo o Banco Central.

Como prova de que não há risco de ruptura nas contas externas e que o próprio câmbio, ao flutuar, produz a solução, os economistas do governo citam o que ocorreu logo após o início do "crash" de 2008. Em outubro do ano passado o déficit em transações correntes em 12 meses representava 1,68% do PIB. Com a crise global e a escassez de moeda estrangeira (até os créditos às exportações desapareceram), a taxa de câmbio, que em julho havia chegado ao piso de R$ 1,56, no fim do ano já estava em R$ 2,33 e em R$ 2,37 no início deste ano.

A desvalorização do real então ocorrida produziu uma redução substancial do déficit em conta corrente. Este caiu de US$ 28,2 bilhões em dezembro de 2008 para US$ 18,8 bilhões em outubro passado. No passado, quando a dívida externa era elevada e as despesas com juros eram pesadas e rígidas, o balanço de pagamentos demorava a reagir às medidas de correção de rumos. Hoje as contas externas, analisam as fontes do governo, são muito suscetíveis à atividade econômica e reagem com rapidez ao crescimento ou à recessão.

O que não está apaziguado no governo é a pressão da retomada acelerada do crescimento sobre os índices de preços no próximo ano. O crescimento voltou aos níveis registrados antes da crise global de setembro de 2008 e os índices apontam para uma inflação acima das expectativas. Em resposta ao temor inflacionário e à eventualidade do Copom ter que voltar a aumentar a taxa Selic nos primeiros meses de 2010, ano da sucessão presidencial, os juros futuros subiram.

Diante desse cenário e da completa ausência de sentido econômico, sobra atribuir um caráter político eleitoral às medidas de estímulo fiscal concedidas pelo governo nos últimos dias. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou incentivos fiscais para o setor automobilístico, móveis e materiais de construção. Numa ação agora pró-cíclica, o governo pode estar jogando gasolina na fogueira do PIB.

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