quarta-feira, novembro 25, 2009

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Primário, primária...


Folha de S. Paulo - 25/11/2009


Em vasta medida, o tal processo de "primarização" da pauta de exportações do país é uma peça de ficção


A QUEDA das exportações de bens manufaturados, bem mais expressiva que a observada no caso dos produtos primários, tem gerado frêmitos em setores que temem o retorno do país à condição de exportador de matérias-primas de baixo valor agregado e pouca intensidade tecnológica. Obviamente se trata de analistas cuja compreensão do conteúdo tecnológico do agronegócio, por exemplo, varia do zero ao nada, mas não é esse o assunto que quero examinar hoje.
O tema, como ocorre com alarmante frequência, é o divórcio entre o que nossos keynesianos de quermesse pensam que sabem e o que revela a realidade dos números, só não superado pela diferença entre o que imaginam ser o valor de suas análises e o que estas de fato valem.
A começar porque o tal processo de "primarização" da pauta de exportações é, em vasta medida, uma peça de ficção. Convido os 17 leitores a um exame do gráfico que acompanha este artigo. A mera inspeção das séries já revela que -à parte o período mais agudo da crise internacional, entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo trimestre deste ano- a exportação de produtos manufaturados experimentou processo de crescimento persistente, saindo de US$ 3 bilhões/mês para mais de US$ 8 bilhões/mês entre o início de 2003 e o terceiro trimestre de 2008, correspondendo a expansão média pouco inferior a 20% ao ano.
E, em que pese a queda abrupta observada entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo de 2009, é fato que, desde maio, as exportações de manufaturados retomaram tendência de expansão, superando novamente as exportações de primários, que, diga-se, agora crescem a taxas bem inferiores às das manufaturas.
Notável também que, a despeito da choradeira sobre como a taxa de câmbio abaixo de R$ 2,30 inviabilizaria as exportações de manufaturados, o crescimento insiste em ocorrer sob um câmbio médio bastante inferior a esse número mágico.
Não se trata de milagre, mas do desempenho das importações norte e latino-americanas. Em 2008, os cinco maiores importadores latino-americanos (Argentina, Chile, Colômbia, México e Venezuela), somados aos EUA, absorveram mais de 54% das exportações brasileiras de manufaturas, fração que caiu a 48% em setembro deste ano.
Essa queda está diretamente associada ao colapso das importações desses países entre o quarto trimestre de 2008 e o segundo de 2009, 35% em ambos os casos. De maio a setembro, contudo, as importações dessas economias subiram de 10% (EUA) a 11% (América Latina), valores não muito distintos da expansão da exportação de manufaturas.
Em outras palavras, a menos que alguém se aventure por terrenos esotéricos com uma explicação de como a política cambial brasileira afeta as importações desses parceiros (US$ 1,6 trilhão no caso dos EUA e US$ 397 bilhões no que tange à AL), a conclusão é que nossas exportações de manufaturas dependem muito mais do desempenho daquelas economias do que do câmbio.
Primária não é a pauta, mas a análise que insiste em teorizar sem olhar os dados básicos sobre o a
ssunto.

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