segunda-feira, outubro 19, 2009

ALBERTO TAMER

O problema não é o dólar


O Estado de S. Paulo - 18/10/2009

Em meio a tantas notícias desencontradas que surgem todos os dias, um fato vem sendo deixado em segundo plano: a economia vai bem, muito bem, bem até demais. Há riscos, sim, já apontamos alguns, mas ainda estão distantes e podem ser evitados, se o governo quiser.

Está surgindo em Brasília uma nova discordância entre o presidente e a equipe econômica. Lula e o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, querem continuar mantendo os incentivos ao consumo. A Fazenda, não: já custaram R$ 25 bilhões, R$ 400 milhões só na linha branca.

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o do Planejamento, Paulo Bernardo, temem pelo equilíbrio fiscal. Afinal, os cofres do governo estão vazios e o caixa do Tesouro não é a "casa da Maria Joana" de onde só sai mais e entra menos dinheiro.

Mas Lula insiste. Podem repor o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI) dos carros, mas linha branca e outras medidas voltadas para as famílias de baixa e média renda, não. Aí, não se mexe. Afinal, não foram as classes C e D que sustentaram o aumento do consumo e, de certa forma, a economia quando o mundo todo desabava, pergunta ele. Deixem elas em paz.

É coisa de "economia elementar"? Até pode ser, mas não é isso mesmo que Barack Obama está fazendo nos EUA, ainda sem muito resultado? Não deu cheques, dinheiro vivo, devolveu imposto às famílias que ganham menos, para que consumissem mais? Só que, como deviam muito, elas preferiram pagar a consumir ou guardar em vez de gastar.

E O DÓLAR?

Lá vem ele de novo. Está derretendo? Não, só desmilinguindo, afogado pela avalanche de investimentos estrangeiros. Os gringos chegaram e estão vindo com tudo. Até os fundos das velhinhas americanas aposentadas estão aplicando no Brasil!

É tanto dinheiro e entusiasmo com a gente que o ministro da Fazenda está perdendo o sono...

CAUSA, NÃO EFEITO

Mas a desvalorização do dólar não é causa, é consequência do crescimento brasileiro, que contrasta com o desânimo geral nos países mais ricos, aqueles do G-7 que está virando agora não se sabe que "G". A causa está na boa performance do sistema financeiro e da economia, no equilíbrio das contas públicas, mesmo que ainda relativo. A casa está em ordem. Eles estão vindo porque confiam em nós mais do que nos países chamados de "desenvolvidos".

É SERIO? ATÉ QUANDO?

A pergunta se repete diariamente nas manchetes dos jornais e nos noticiários da TV. Até aonde o real pode continuar se valorizando? Affonso Celso Pastore e Maria Cristina Pinotti analisam com cuidado essa questão, em artigo de sexta-feira no no Valor. Vão às causas não ao efeito. E a causa principal não é o ganho obtido com a diferença de juros no Brasil e no mercado internacional. É no crescimento e na estabilidade da economia brasileira nos últimos anos. Eles assinalam um fato pouco lembrado pelos analistas e a imprensa: "Os investimentos estrangeiros líquidos no Brasil nos últimos 12 meses acumularam US$ 35 bilhões, superando a cifra bruta do auge do programa de privatizações no governo FHC, crescendo durante a crise".

ANTES ERA SÓ CRISE CAMBIAL

"O Brasil sai da crise internacional com o sistema bancário intacto, com a capacidade de reagir (à crise) usando medidas contracíclicas e pronto para aumentar o consumo, que já vem crescendo", afirmam os economistas.

Nas últimas décadas, quando a economia não inspirava confiança, e a moeda local desvalorizava, os investimentos não só não entravam, como saiam em roldões, havia desvalorização da moeda local e crises cambiais. Agora, não. Os investimentos externos entram sem parar com as nossas empresas, e até o governo, indo buscar lá fora dinheiro que para outros escasseiam. Resultado, o déficit em conta corrente é inevitável. E lá vai o dólar ladeira a baixo até que tudo se reequilibre novamente. Dificilmente voltará aos níveis anteriores à crise.

E DAÍ?

Daí, que o perigo não está só na desvalorização do dólar, por mais que seja dolorosa para os exportadores. E qual é o perigo? Crescer de forma inconsistente, baseado principalmente em incentivos à demanda; é crescer além da capacidade de produzir e manter por muito tempo estímulos fiscais dispensáveis. Eles foram oportunos para superar a recessão, mas podem provocar um aquecimento excessivo da economia.

MAS CADÊ O EQUILÍBRIO?

O governo tem de encontrar um certo equilíbrio entre demanda, produção, contas públicas, entre outros fatores, que quase sempre afetam os juros. Este, sim, é o papel do Estado e não criar empresas para produzir mal o que o setor privado pode produzir bem.

O presidente e a equipe econômica se encontram exatamente nesse ponto. Quando parar a política anticíclica ou recuar? Lula quer mais, Mantega e Paulo Bernardo, menos. Quem sabe eles chegam a um acordo de desativar aos poucos o mecanismo de combate à crise. Mas até agora, parece que não... E daí? Daí, meu caro leitor, que por enquanto nada disso é grave demais a ponto de tirar o nosso sono.

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