quinta-feira, setembro 24, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Abóboras na cúpula do G20

FOLHA DE SÃO PAULO - 24/09/09

A CRISE ainda flamejante em abril levou líderes de todo o mundo, unidos, à promessa de que "nenhum banco seria deixado para trás". Foi na reunião de cúpula do G20, em Londres. O dito foi um feito. A promessa de US$ 1 trilhão, embora irrealizada, deu certo, a quebradeira amainou. Mas o plano de "coordenação econômica" e "rerregulação" mundiais e blá-blá-blá, porém, também retrocederam como a crise. Um espectro desse plano de "coordenação mundial" ressurge agora, com a cúpula do G20 que começa hoje. Trata-se da ideia, mais ou menos americana, de "reequilibrar" a economia e o comércio mundiais.
Como se sugere que o "monitor" do equilíbrio seja o FMI, esse espectro tem mais é cara de espantalho ou de abóbora de Halloween.
O que seria esse crescimento econômico rebalanceado? O trio exportador mundial, China, Japão e Alemanha, deve consumir mais, em especial japoneses e chineses. Ou seja, devem poupar menos, investir menos (China) e comprar mais dos Estados Unidos, que devem poupar e exportar mais. Uma das interpretações das origens da crise foi que houve um excesso de capital "sobrante" no mundo. A poupança excessiva do trio em boa parte foi parar no mercado americano, ajudou a sustentar um período longo de juros baixos e de superendividamento e, no fim das contas, favoreceu e alimentou a maluquice financeira. Há versões e ênfases diferentes para cada ponto dessa narrativa, mas a história é mais ou menos essa.
A divertida, de tão doida, ideia de dar papel de "monitoramento" ao FMI não pode ser ingenuidade nem burrice, mas é difícil de entender. Decerto tem cara de pleito americano, mas pleito sem muito futuro.
Faz 20 anos que autoridades financeiras de países ricos pautam encontros sobre "coordenação monetária" que dão em quase nada (foi o destino das cúpulas de G5 e G7 de 1987 para cá). Faz quase uma década que autoridades financeiras americanas vão semestralmente à China jogar conversa fora sobre o yuan artificialmente desvalorizado, um dos fatores do excesso de superavit comercial chinês etc., e os chineses dizem "o.k., vai indo que eu não vou", e sentam sobre a sua moeda.
Considere-se, ainda, como um boi vê os homens, digamos: como a China deve ver o FMI. O Fundo ressuscitou da quase irrelevância e de sua falência moral, financeira e política devido a mais uma crise que não previu (pelo menos neste caso não pôde piorar as coisas, como de costume). Foi sempre um braço mais suave (sic) da política de relações internacionais econômicas dos EUA.
Ainda que "reformado", com mais peso de Brics e afins, ainda seria um consórcio mais ocidental do que chinês. Enfim, se a China assim o desejasse, e isso não causasse um revertério político mundial, poderia colocar o dinheiro do FMI no bolso e "resolver" crises pelo mundo com suas reservas. Mas a China está onde sempre esteve, pelo menos desde que ficou endinheirada: não está nem aí. Os "desequilíbrios" mundiais vão comovê-la apenas quando apertarem o seu calo. Se não parece evidente por si, basta ler o declaratório das autoridades chinesas na imprensa oficial do país, toda ela, e entrevistas de chineses importantes à mídia de impacto global.

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