domingo, julho 26, 2009

ELIO GASPARI

De AntonioGallotti@edu para D.Rousseff@gov

O GLOBO - 26/07/09




Já começou o processo de sucateamento de concessionárias de serviços públicos e ele termina em estatização



PREZADA ministra Dilma Rousseff,
Mensagens como esta devem obedecer às normas da concepção dos biquínis, curtos para aguçar o interesse e suficientemente longos para cobrirem o objeto. Quero pedir-lhe que baixe o seu santo sobre as agências reguladoras das concessões de serviços públicos. Se a senhora começar hoje, o país ficará lhe devendo a conjuração de um desastre. Faça-o sabendo que ninguém lhe dará o crédito. Não o faça e dirão que foi cúmplice do sucateamento e da posterior estatização de operadoras de telefonia, distribuição de energia e de parte dos serviços de transporte urbano.
Escrevo com a autoridade de quem presidiu a Light e seu conselho de 1955 a 1978. Não essa Light de hoje. A minha controlava a energia, os telefones e os bondes do Rio e de São Paulo. Algo como a Light mais a Eletropaulo, a Telefônica, parte da Telemar e os metrôs das duas cidades. Nós fizemos muito pelo progresso material e político do país. Até hoje o Getúlio Vargas me agradece o socorro que a Light lhe deu em 1935. Nosso gerente, Alfred Hutt, era o homem do Serviço Secreto inglês no Brasil. Ele controlava um dos agentes do Comintern que veio ajudar o Luís Carlos Prestes a fazer a revolução bolchevique e contava tudo ao Palácio do Catete. O marechal Castello Branco nunca deixa de lembrar a ajuda que demos na conspiração contra o João Goulart.
A partir dos anos 60 eu ajudei a estatizar nossas operações e depois participei de alguns entendimentos para privatizá-las. (A senhora não imagina o trabalho que tive para adequar as normas de contabilidade dos acionistas estrangeiros aos costumes patrimoniais de algumas autoridades brasileiras.) No espaço de um século transformamos concessionárias em estatais e, depois, novamente em empresas privadas. Grosso modo, o pacote trocou de dono a cada 30 anos.
Veja o que a senhora tem em volta. O serviço de banda larga da Telefônica de São Paulo capotou. O ministro das Comunicações e a Anatel não se entendem e vossas tarifas para celulares estão entre as mais altas do mundo. Diversas ferrovias operam abaixo das metas contratadas. Os trens da Central do Brasil e as barcas do Rio estão à espera de quem os compre. Há geradoras de energia que não cumprem os planos de expansão. A Eletropaulo desmanda-se em apagões que incentivam um mercado paralelo de geradores a gás para condomínios de gente endinheirada. O Tancredo Neves, que é um desconfiado, diz que eu estou por trás da anarquia que é a Agência Nacional de Energia Elétrica. Finge desconhecer que não podemos mexer nas coisas daí. Estou ciente disso desde 1986, quando cheguei aqui.
Em todos os casos, as agências reguladoras queixam-se da falta de investimentos dos concessionários que, por sua vez, reclamam da burocracia. Eu já vi esse filme no cinematógrafo sem som e em technicolor. Iniciou-se o processo de sucateamento de algumas dessas companhias. Coisa incipiente, porém estratégica. Posso lhe dizer: a partir de um certo ponto, o sucateamento interessa ao concessionário, pois ele sabe que, no limite, o Estado terá que ficar com a companhia.
Entre 2015 e 2025 caducarão quase todas as concessões de serviços públicos e o Estado escolherá entre renová-las ou deixar que caduquem. Essa solução é a pior, até porque antes de se chegar a tal ponto os serviços estarão inevitavelmente degradados. Nesse negócio, dez anos equivalem a dez minutos do nosso cotidiano. Se a senhora apertar dolorosamente os parafusos a partir de amanhã, a briga será civilizada. Se deixar para depois, será dolorosa, selvagem e inútil.
Apiedo-me ao acompanhar seu trabalho de supervisão sobre o Ministério de Minas e Energia e lastimo que a senhora tenha tolerado alguns preenchimentos de cargos nas agências reguladoras atendendo a critérios rudimentares. Esse mal está feito, mas nem tudo está perdido. A vida ensina que os incapazes temem o ronco do palácio.
Torcendo pela senhora e pela sua candidatura, despeço-me,
Antonio Gallotti

SARNEY PRESIDENTE
A saúde de José Alencar produziu um cenário estapafúrdio. A partir de abril do ano que vem, se Lula fizer uma viagem ao exterior e se o vice estiver impossibilitado de assumir a Presidência, o lugar será de José Sarney. Isso porque o sucessor imediato seria o presidente da Câmara, Michel Temer, que não poderá assumir, sob pena de perder o direito de se candidatar à reeleição para a Câmara. Nas últimas semanas, com Lula no exterior e Alencar no centro cirúrgico, o Brasil já ficou cerca de nove horas sem presidente, o que não teve muita importância.

BOA ESPERA
Se tudo der certo, até o fim do ano o professor Ildo Sauer termina um livro sobre energia e petróleo. Por enquanto o título é "Metamorfoses". Sauer foi um dos principais conselheiros de Lula em matéria de energia. Em 2003 ele foi nomeado para uma diretoria da Petrobras. Dilma Rousseff trabalhou pelo seu defenestramento por mais de três anos, até que prevaleceu, em 2007. Sauer fez questão de ser demitido, para não copatrocinar teatrinhos e despediu-se com uma carta na qual disse que o governo cedeu às pressões do mercado, criando uma situação que custará R$ 10 bilhões de reais às empresas estatais e aos pequenos e médios consumidores. Se quiser, tem o que contar.

JOGO BRUTO
Nosso Guia quer Ciro Gomes disputando a eleição paulista para colocar José Serra diante da dupla do policial bonzinho e do malvado. Dilma Rousseff seria a boazinha.

PÓS-LULA
De um sábio:
"Seu eu fosse a Dilma Rousseff, caso vencesse a eleição, entregava ao Lula a administração dos recursos do pré-sal."

BOLSA IPI
Está em curso uma rodada de fogo de negociações entre a turma que defende a criação da Bolsa IPI e os caciques da Câmara dos Deputados. No interesse dos exportadores, o Senado enfiou um contrabando na medida provisória que cuida do programa Minha Casa, Minha Vida e criou um crédito tributário que poderá custar à Viúva algo entre R$ 56 bilhões e R$ 220 bilhões. Dinheiro suficiente para construir pelo menos 370 mil casas. A MP onde enfiaram contrabando quase foi aprovada antes do recesso da Câmara. A oposição (repetindo, oposição) fez força para isso, mas a base do governo atrapalhou o jogo. Como os interessados disseram que negociaram a ciranda com o Ministério da Fazenda e viram-se desmentidos numa nota oficial, é provável que o governo se empenhe para derrubar a emenda contrabandeada. Os interessados na Bolsa IPI têm até dia 13 de agosto para concluir as negociações na Câmara. Depois disso o truque vira pó.

COISA DE AMADOR
Há poucas semanas o embaixador americano Clifford Sobel convidou um grupo de parlamentares do primeiro time para um almoço de despedida. Como Sobel fez boa fama, teve mesa cheia. Terminado o ágape, ele pediu licença aos convidados para que um diretor da Boeing fizesse uma rápida exposição das virtudes dos caças F-18 que sua empresa quer vender à FAB. Um contrato de R$ 4 bilhões. Falha técnica. As boas maneiras da diplomacia dizem que isso não se faz sem aviso prévio aos convidados.

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