quarta-feira, junho 24, 2009

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Uma história do saque do Senado


Folha de S. Paulo - 24/06/2009

Oligarcas da miséria, antigos e arrivistas, chantageiam os governos federais e estão na base da crise parlamentar


É UM CLICHÊ barato dizer que a política brasileira é lambuzada de patrimonialismo (isto é, grosso modo, o costume de tornar indistintos os bens públicos e privados). O termo vinha servindo mais como metáfora do que descrição exata. Mas no Senado (aliás, no Parlamento todo) a definição serve exatamente, como um verbete de dicionário, nos seus casos mais aberrantes e caricatos, como as despesas da casa de senhores senatoriais pagas pelo público. Se fosse apenas este, o problema seria ainda limitado, porém. As "casas" de que se trata aqui são os domínios dos oligarcas dos lugares mais atrasados do país. Trata-se da "Casa de Sarney", da "Casa de Renan" etc. "Casa" no sentido de "domínio", de linhagem, sentido obviamente temperado de sarcasmo.
Por um lado, há os oligarcas mais ou menos tradicionais do Nordeste, que em geral sobraram no PFL-DEM. De outro, há a nova oligarquia que emergiu nos anos 80, com as vitórias do PMDB, as quais levaram ao poder figuras da pequena classe média (e daí para baixo), que acabaram por fazer carreira e fortuna na política: Quércias, Barbalhos, Rorizes, Rezendes, Geddeis, ao que se somaram Renans e similares, eles mesmos senadores ou "donos" de bancadas.
O poder de vários desses "quadros" dominantes foi reforçado com as doações de rádios e TVs, intensificada quando José Sarney presidia a República. Além do mais, a fragmentação partidária reforça o poder do PMDB, esse partido dito sem rosto mas que reúne a parte mais pujante do empreendedorismo político nacional, digamos. Antes do PT, o PMDB foi um grande instrumento político de ascensão social.
As "casas" da oligarquia, nova ou velha, dominam seus Estados distribuindo favores na máquina política local. Transferindo benefícios federais que recebem na troca fisiológica com o governo federal. Dominando meios de comunicação regionais e o dinheiro dos "fundos de desenvolvimento" (e outros), com os quais levantam seus negócios de fato (lembrem-se de Sudam e Sudene), quando não recebem ajudas diretas (caso de usineiros nordestinos). Tratar o Senado como parte de sua "casa" é um meio de sustentar seu poder.
Vindos na maioria dos Estados mais miseráveis (Maranhão de José Sarney, Alagoas de Renan Calheiros, entre outros) ou quase em estado de natureza (os ex-territórios, caso de Romero Jucá), tais senhores detêm alguns oligopólios políticos. Têm razoável controle sobre o eleitorado local, dependente do Estado. A rarefeita esfera pública, a baixa instrução e a escassa diferenciação social e econômica nesses rincões favorece o domínio das "casas", que só recentemente começou a ser contestado, pela ascensão do PT (Piauí, Paraíba e Bahia). As "casas" controlam ainda os votos da maioria no Congresso. Trocam favores com o presidente e com os candidatos a presidente da República do "Sul" rico. Não é por outro motivo que Lula, mas também todos os presidentes pós-ditadura, os tolera ou mesmo os defende.
É claro que a perversão política brasileira vai muito além de oligarquias e que no Sul "rico" há bandalha similar (vide a Câmara dos Deputados ou Assembleia e a Câmara de São Paulo). Mas a situação de fato do Senado é de domínio de oligarcas da miséria, muitos deles no PMDB.

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