quarta-feira, abril 15, 2009

FERNANDO RODRIGUES

Ninguém é freira

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/04/09

BRASÍLIA - Ontem surgiu mais um desvio de conduta no Congresso. O deputado Fábio Faria (PMN-RN) pagou com dinheiro público passagens aéreas para amigos e para sua ex-namorada, a apresentadora Adriane Galisteu. Michel Temer reagiu assim ao episódio: "Não é um padrão normal". É verdade. Mas, como sempre, nada acontecerá -nem Fábio Faria será admoestado.
A maior consequência dessa onda de escândalos é o enfraquecimento talvez inédito do Poder Legislativo. Até mesmo durante a última ditadura (1964-1985), os militares fechavam o Congresso quando queriam aprovar algo -e a maioria era da Arena, partido do governo.
Agora, basta baixar uma medida provisória e estamos conversados. De maneira involuntária, o presidente Lula fez nesta semana uma declaração com duplo sentido que expressa à perfeição o momento pelo qual passam as instituições.
Tendo ao seu lado os presidentes do STF, Gilmar Mendes, da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e do Senado, José Sarney (PMDB-AP), o petista soltou a boutade: "Ninguém aqui é freira e santa, e não estamos em um convento".
A suposta intenção de Lula, no contexto de sua fala, era dizer que às vezes não há harmonia entre os três Poderes. Mas o outro recado também estava lá: em Brasília, ninguém é freira ou santa. Não ocorreu a nenhum dos outros presentes, mesmo de maneira educada, fazer um reparo: "Presidente, fale por si próprio". O silêncio funcionou como confissão -apesar da ambivalência do discurso presidencial.
Assim, a avalanche de indecências vai criando uma indiferença crescente. "Não é um padrão normal", mas tudo é vendido como legal. Ontem, um deputado flagrado em um delito recente constatava: "Só recebi cinco e-mails de protesto". Eis aí uma razão para a degradação ter chegado ao ponto atual.

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