quarta-feira, abril 15, 2009

ELIO GASPARI

A PF insiste no autoesculacho

FOLHA DE SÃO PAULO - 15/04/09

O exibicionismo da turma da "Castelo de Areia" acabará beneficiando os malfeitores



DEVE-SE AO ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, o empenho pelo restabelecimento da ordem pública na esfera da Polícia Federal. Infelizmente, ainda falta muito para que se veja luz no fim do túnel. O ministro participava de uma cerimônia comemorativa de intenções enquanto circulava por Brasília a última peraltice dos agentes que conduziram a Operação Castelo de Areia. A ela:
Os federais revelaram ter apreendido nos arquivos da Camargo Corrêa um documento no qual o senador Valdir Raupp (PMDB-RO) pede um emprego para uma engenheira. Trata-se do ofício 139/2009, assinado por Raupp. Uma polícia incapaz de perceber que um documento desse tipo é exemplo de transparência e lisura não deveria investigar senadores nem empresas. É legítimo e até desejável que um parlamentar recomende a uma empresa os serviços de uma pessoa por meio de documento oficial, numerado, datado e assinado. Se o indicado for eficiente, a empresa deverá um favor a quem o recomendou. (Raupp foi um paladino da luta pela formação da bancada que permitiu a reeleição de FFHH e é também um baluarte do sigilo das contas dos senadores, mas essa é outra história.)
A Polícia Federal sabe que não deve vazar informações de inquéritos, muito menos documentos que não querem dizer nada. Admita-se que uma compulsão exibicionista estimule até mesmo fotografias de objetos de uso doméstico de diretores da Camargo Corrêa, como um horrível cortador de charutos. Daí a se transformar um documento oficial e legítimo em veículo de suspeita vai enorme distância. No caso da engenheira, ela não foi contratada.
Existe em Washington um Museu do Crime, onde acaba de ser inaugurada uma exposição sobre a dupla de assaltantes Bonnie e Clyde (Faye Dunaway e Warren Beatty, no filme). Do jeito que os federais esculacham algumas de suas investigações, poderia ser aberto em Brasília o Museu da Comédia Policial, reunindo apenas casos risíveis de desvario.
Além do ofício de Raupp, o Museu da Comédia apresentaria, logo na entrada, o áudio de uma gravação de 2005, feita com autorização judicial, no qual o deputado Paulo Maluf mantém um breve diálogo com a secretária eletrônica do então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos: "É Paulo, bom dia". (...) Clic.
Dois anos depois, a Polícia Federal produziu outra gloriosa peça de investigação. Autorizada pela Justiça, varejou a casa de Genival Inácio da Silva, irmão de Nosso Guia. Buscavam documentos capazes de comprovar suas traficâncias de influência. O que acharam não deve ter rendido muita coisa, pois faz tempo que não se ouve falar de Vavá, imortalizado pela frase "Ô, arruma dois pau pra eu". Entre os documentos apreendidos pela polícia estava uma carta com um pedido de emprego ao senador Aloizio Mercadante. Parece elementar que uma carta a Mercadante guardada na casa de Vavá contém um pedido que não foi encaminhado.
Esse museu poderia recuperar a história de Romero Lago, o diretor da censura de cinema, rádio e televisão ao tempo da ditadura, quando a tesoura ficava sob a jurisdição da Polícia Federal. O doutor zelava pelos bons costumes e era homem da confiança do general que comandava a instituição. Não se chamava Romero nem Lago. Era Hermenildo Ramires de Godoy, estelionatário foragido da Justiça.

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