domingo, fevereiro 15, 2009

AUGUSTO NUNES

Sete Dias

Jornal do Brasil - 15/02/09

Guerra em duas frentes – Além de bombardear o idioma, Lula agora ataca também a estatística

Há mais de 30 anos no comando da guerra contra o idioma, o presidente Lula animou a pajelança dos prefeitos, primeiras-damas e parentes a serviço do interiorzão brasileiro com o improviso que anunciou a abertura de uma segunda frente de combate. Sem abrandar a ofensiva planejada para consumar o extermínio do plural, a capitulação da gramática e a rendição da linguagem culta ao português de quem sabe o que é sifu na vida, Lula chamou para a briga a estatística, a matemática, a porcentagem e a arte de calcular.

Cabelos em desalinho, o rosto colorido por diferentes matizes de vermelho que denunciam almoços que matam a sede, a camisa e a calça inundadas pela catarata de suor, o Terror das Vogais e das Consoantes guardou a declaração de guerra para o trecho do discurso ocupado pelo relatório sobre o analfabetismo concluído recentemente por especialistas do Ministério da Educação. De repente, Lula interrompeu a procissão de cifras e dedicou alguns segundos de silêncio à surpresa causada por alguma descoberta.

Recuperada a voz, caprichou na cara de espanto e soltou a notícia simultaneamente boa (para o orador e seus devotos) e ruim (para o governador José Serra, o prefeito Gilberto Kassab, logo ali ao lado, e os oposicionistas em geral). "Pasmem, caiam de costas, Kassab, porque você não sabia e eu não sabia", tentou Lula disfarçar a alegria.

O primeiro tiro avisou que quem puxou o gatilho do trabuco na mão esquerda foi o Flagelo das Concordâncias Verbais. "No Estado de São Paulo", mandou bala na estatística o tresoitão disparado pela mão direita, "nós ainda temos 10% de analfabetos, o estado mais rico da Federação". Simulando tristeza, o pistoleiro ambidestro consolou os feridos com outro plural tão sincero quanto vereador em campanha: "Nós erramos em alguma coisa". Nós? "Na primeira do singular! Na primeira do singular!", teria berrado algum prefeito se não estivessem todos interessados só em saber quando vai chegar o dinheiro do PAC. Nós estamos fora dessa. Quem errou foi o improvisador.

Por não ler nem legenda de filme, Lula sabe ler porcentagens. Por não fazer contas sequer no canhoto do talão de cheques, o maior governante desde as caravelas não sabe calcular. Por não dar atenção a sugestões, lembretes e conselhos murmurados por assessores, ninguém se atreveu a avisar a tempo que é de 4,6% a taxa de analfabetismo registrada em São Paulo. Como o estado concentra 22% do total da população, o índice representa 10% do total de analfabetos espalhados pelo Brasil.

Se falasse menos e pensasse mais, se viajasse menos e estudasse mais, se tratasse com mais compaixão as letras, os números e os brasileiros que nunca se renderão à Era da Mediocridade, Lula se pouparia de maluquices, equívocos e confusões bisonhas como as berradas na terça-feira. "A imprensa parece achar que todos os prefeitos são ladrões", imaginou um trecho do que pareceu um samba-enredo composto por repentistas. "E trata cada um de vocês como se fosse marionete". Muito pior é ser tratado como cretino pelo presidente da República.

A dupla esqueceu de unificar a letra

A estridência abaritonada do advogado e vocalista Luiz Eduardo Greenhalgh combina com o timbre de tenor que credencia o ministro Tarso Genro a segunda voz. Falta agora uniformizar a letra da cantoria que chora os sofrimentos impostos ao terrorista na reserva Cesare Battisti. Os versos berrados por Greenhalgh juram que o cliente italiano não cometeu nenhum crime depois de deixar a vida de assaltante para converter-se num dos Proletários Armados pelo Comunismo. A letra decorada por Tarso Genro informa que os crimes cometidos pelo afilhado foram de "natureza política". A plateia continua sem saber se Battisti é inocente como bebê de colo, como canta o advogado, ou se matou dois ou três a serviço da pátria em perigo.

Segundo Greenhalgh, o freguês foi condenado à prisão perpétua em consequência da trama urdida por delatores vingativos, juízes desalmados e tiranos cruéis. Embora não tenha participado de nenhum dos quatro assassinatos que lhe custaram a pena medonha, o calvário continua. Se acredita no que diz, Greenhalgh está pedindo pouco: além da libertação, deve exigir a canonização em vida do fortíssimo candidato a santo padroeiro dos presidiários. Segundo o ministro, são heróis à espera de estátua tanto os que morrem tentando defender a democracia como os que vivem tentando assassiná-la. Se acredita no que diz, o que Tarso espera para convidar o companheiro Osama bin Laden a descansar no País do Carnaval?

O filho começou a imitar a mãe

No começo da década de 90, o governo paulista conseguiu no exterior um empréstimo de R$ 1,8 bilhão e aplicou o dinheiro na expansão do metrô da capital. Como exige a lei, o negócio teve como intermediário o BNDES, que não desembolsou um centavo. Durante o desfile das proezas do PAC promovido pela ministra Dilma Rousseff na pajelança dos prefeitos, para embalar o repouso dos exaustos e distrair os insones, o empréstimo reapareceu fantasiado de "verba federal para o metrô de São Paulo". Que tal a mãe usar o bisturi do BNDES para melhorar ainda mais a cara do filho com o metrô de Caracas e a hidrelétrica no Equador?

A caminho do recorde mundial

O presidente Lula é tão ruim em estatística que há menos de dois anos, depois de avisar que votaria no candidato a governador a seu lado no palanque, lembrou que isso faria o companheiro subir 1% na pesquisa eleitoral. Deveria fazer um cursinho intensivo no Sensus, que sabe tudo de estatística. Para descobrir o que acham do presidente os mais de 130 milhões de eleitores, por exemplo, o instituto só precisou entrevistar 2 mil brasileiros em 136 municípios de 24 estados. Se não atendeu ao critério da proporcionalidade, foram 83 eleitores por estado, 15 por município. Caso contrário, o mundão de cidades pequenas valeu meia dúzia de formulários e um ou dois pesquisadores. Para o Sensus, o que parece pouco é suficiente.

Feitas as contas, os craques do instituto comunicaram à nação que Lula estabeleceu outro recorde de popularidade: 84% dos brasileiros acham bom ou ótimo o desempenho do presidente. Mais duas denúncias, um escândalo, três improvisos delirantes, 5 mil demissões e o campeão chegará à marca para sempre insuperável: 100% de popularidade. Ou 103%, se a margem de erro de 3% (quase 5 milhões de eleitores) fizer a gentileza de oscilar inteirinha para cima. Como os eternos insatisfeitos não passam de 5%, está provado que estão felizes da vida, gratos a Deus e a Lula, também os desempregados, os inadimplentes, os depenados por agiotas, os sem-teto, os ricos, os miseráveis e, por que não?, os flagelados de Santa Catarina.

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