domingo, março 04, 2012

O barro do Banco Central - CELSO MING


O Estado de S.Paulo - 04/03/12



A política de juros do Banco Central mostra coerência, mas o corpo de justificativas usadas para fundamentá-la é um barro no meio do caminho que pega a forma de cada pisada.

Na atual fase, o corte dos juros começou em agosto. Na ocasião, o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, defendeu a derrubada dos juros como melhor maneira de defender a economia brasileira da catástrofe global que estaria próxima: seria o naufrágio de vários titanics bancários, com todos os destroços que viriam com ele.

Logo se viu que esse pior dos mundos não se confirmaria: mal ou bem, os dirigentes dos países ricos ganharam tempo e blindaram o patrimônio dos bancos contra quebras em dominó. Mas a derrubada interna dos juros tinha de prosseguir.

A nova explicação veio da desaceleração do crescimento do PIB. Mesmo com desemprego recorde e expansão da massa salarial, os motores da indústria vinham batendo pino. Assim, passou a ser preciso, avisava o Banco Central, continuar a calibragem dos juros a essa quebra futura de poder aquisitivo do consumidor. Portanto, mesmo não se confirmando o quadro imaginado, o Banco Central estava correto, como quem atirasse no que viu, mas acertasse no que não viu.

Mas o governo Dilma parece contrariar esses prognósticos. Aposta num avanço do PIB para este ano entre 4,5% e 5,0% e não no devagar-quase-parando sugerido pelos documentos do Banco Central. Foi preciso, então, buscar nova justificativa para a derrubada dos juros. A ata da última reunião do Copom avisou que os juros neutros (ou seja, o nível dos juros que não provocam inflação) caiu substancialmente nos últimos anos, graças aos avanços de qualidade da economia. Não foi um argumento convincente e o próprio mercado passou a discordar abertamente do Banco Central.

Desse modo, o Copom passou a procurar outras justificativas. As últimas manifestações de Tombini sobre o crescimento abaixo do potencial parecem ter esse objetivo. Também vai nessa direção a indignação da presidente Dilma Rousseff: Há um tsunami de moeda estrangeira invadindo o câmbio do Brasil, adverte ela, não só porque melhorou a percepção global sobre a qualidade da economia, mas, também, porque as atuais condições favorecem a entrada de capitais destinados a especular com a diferença de juros.

Não é nada, o Banco Central Europeu acaba de despejar 1 trilhão de euros nos bancos, em empréstimos de pai pra filho por três anos, a juros de apenas 1% ao ano. Para eles, a generosa acolhida do Brasil, que paga juros reais (descontada a inflação) de 4,0% a 4,5% ao ano, é sopa no mel.

Conclui-se pelo discurso presidencial que vivemos momento atípico, de forte canibalismo monetário. A melhor defesa do Brasil desse jogo é manter ou até acentuar a atual trajetória de derrubada dos juros. A hora é de dançar no salão a música que está sendo orquestrada pelos grandes bancos centrais - e injetar mais dinheiro na economia. O combate à inflação, se ela aparecer, fica para mais à frente.

Mas, afinal, estão certos ou errados o governo Dilma e o Banco Central, quando desenvolvem essa estratégia de política monetária? Podem até estar certos. Mas as explicações mudam a cada pisada dos acontecimentos.

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