domingo, março 04, 2012

Agora, é surfar no tsunami - ALBERTO TAMER


O Estado de S.Paulo - 04/03/12


O Banco Central Europeu (BCE) injetou mais 530 bilhões no sistema financeiro e todo mundo no Brasil se assustou. Os euros, convertidos em reais, serão aplicados aqui, onde juros elevados, equilíbrio fiscal e crescimento tornam os investimentos seguros e rentáveis. Há casos de aplicações rendendo 1,0% ou 1,5% lá fora - e aqui, 10,5% ao ano. Não há como resistir.

É o caso das grandes montadoras instaladas no País, por exemplo. O diretor financeiro da Coca-Cola disse nesta semana que 30% do caixa da empresa estão aplicados no Brasil, "onde os juros são bem altos".

Uma grande parte dos 530 bilhões, que 800 bancos europeus absorveram rapidamente, serão usados na recompra de títulos da dívida soberana. Afinal, elas ainda rendem mais de 5,0% ao ano e têm garantias novas. Mas muito desses euros acabarão vindo para o mercado brasileiro, mais seguro, líquido e rentável. Aliás, muitos já estavam aqui antes mesmo da nova ação do BCE.

Tsunami. Para a presidente Dilma Rousseff, é um "tsunami monetário", que nos prejudica porque valoriza ainda mais o real. O ministro da Fazenda, Guido Mantega transformou a "guerra comercial" em "guerra cambial", o que repercutiu na imprensa internacional. E anunciou novas medidas para conter a invasão de dólares com mais atenção aos investimentos diretos, que se transformam em financeiros, e às operações intercompanhias, que representam 28% da divida externa.

E o Banco Central Europeu está atrasado. Como disse o ministro Mantega, há mais de um ano, "quanto mais eles demorarem, maior será o custo para os europeus".

Mario Draghi, presidente do BCE, deve receber elogios e não críticas porque em pouco mais de 100 dias afastou uma crise que ameaçava o sistema financeiro internacional com um novo Lehman Brothers. O caso foi adiado.

Há um custo a pagar, sim. Parte dele recai sobre o Brasil, como afirma Dilma e é preciso enfrentá-lo.

Os que sofrem. Como? Defendendo sua moeda com medidas até mesmo heterodoxas, como sugere e aprova o novo Fundo Monetário Internacional de Christine Lagarde que não se cansa de elogiar Draghi. Ele criou um "tsunami monetário", mas apagou e reduziu a fagulhas, por enquanto, o incêndio florestal que só aumentava na zona do euro e ameaçava o sistema financeiro internacional. Um tsunami antigo provocou ondas fortes sim, nos países emergentes, mas não enchentes devastadoras.

Por quê? Simplesmente porque essas ondas de dinheiro já estavam vindo há algum tempo e o Brasil, como a China, havia se preparado para absorvê-las.

Chegaram aqui aos poucos, não como "marolas", mas ondas de porte médio onde o BC e o governo estão agora navegando, até mesmo "surfando" com medidas de defesa do real. Elas já estavam chegando antes sob a forma de captações de empresas brasileiras no exterior. Só nos dois primeiros meses do ano, mais de US$ 12 bilhões, a maior parte com prazos superiores a três anos, o que debilita o efeito do novo IOF, e a juros pela metade do existente no mercado interno. Muito é investimento financeiro - não produtivo - com a rara exceção da Petrobrás.

Manobras a enfrentar. A maior parte é de empréstimos intercompanhias. De acordo com o BC, do total da dívida externa brasileira em setembro do ano passado, de US$ 364 bilhões, 28% eram desse tipo e 40% venciam em até três anos. Banco Central, Tesouro e Fazenda estão agindo no caminho certo ao enfrentar a "guerra cambial" provocada pela liquidez internacional - que era necessária, estava atrasada e era inevitável para a economia mundial.

É preciso mais. Mas é apenas um atalho. Como lembra editorial do caderno de Economia de sexta-feira, "Medidas contra a guerra cambial são insuficientes". O que pesa ainda - e muito - é o diferencial entre os juros internos, de 10,5%, e externos, negativos nos Estados Unidos e na Europa. E mesmo que os juros internos recuem muito - digamos, para 9% -, ficando em 5,0% reais, ainda há grande margem para que as empresas brasileiras continuem captando no exterior. Mais ainda, os bancos centrais já deram sinais de que vão continuar injetando liquidez, emitindo dólares, euros, ienes, libras... Dinheiro que acabará vindo mesmo para o saudável, seguro e rentável mercado brasileiro, onde ao contrário dos outros países, a economia continua crescendo.

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