quarta-feira, março 28, 2012

Mais encenação dos Brics - EDITORIAL O ESTADÃO


O ESTADÃO - 28/03/12
Haverá muito mais encenação do que substância na reunião de cúpula dos Brics - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul - hoje e amanhã, em Nova Délhi. Um documento com muita retórica será divulgado, como de costume, no fim da conferência. A lista de assuntos incluirá a crise econômica mundial, a necessidade de reformas das grandes instituições financeiras multilaterais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), e os conflitos no Oriente Médio e no Norte da África. Como de costume, haverá apelos a favor da paz e condenação da violência, mas os comentários serão - também como sempre - muito seletivos, quando se tratar de questões de interesse geopolítico.
A palavra Bric, inventada em 2001 pelo economista Jim O"Neill, do banco de investimentos Goldman Sachs, nunca foi muito mais que uma sigla sem real significado político. Continua, com0 naquele tempo, servindo principalmente para designar um conjunto de grandes emergentes com potencial para afetar a relação de forças nos mercados globais. Mas esse conjunto continua sendo um grupo de países com interesses comuns limitados, embora o governo brasileiro tenha alimentado - e ainda pareça alimentar - a fantasia de uma coalizão estratégica.

Essa fantasia se desfaz muito facilmente quando se verifica, por exemplo, a oposição entre China e Brasil no campo da política de câmbio. O governo brasileiro defendeu, com muito empenho, a abertura de um debate sobre a questão cambial na Organização Mundial do Comércio (OMC). A discussão foi iniciada, mas a diplomacia chinesa, aliada à americana e à alta burocracia da instituição, procurou mantê-la fechada e sem repercussão.

China, Índia e outros países emergentes e em desenvolvimento juntaram- se por algum tempo, durante a Rodada Doha de negociações comerciais, para cobrar mudanças da política agrícola dos Estados Unidos e da União Europeia. Mas distanciaram-se do Brasil, quando se tratou de negociar a abertura dos mercados agrícolas dos mesmos países emergentes e em desenvolvimento. Além disso, Brasil e Índia tinham e têm interesses diferentes quanto à liberalização dos mercados de bens industriais e de serviços.

No dia a dia, o comércio entre Brasil e Rússia tem sido marcado por barreiras a produtos da agropecuária brasileira.

Quando se trata de conceder facilidades a fornecedores, o governo russo tem dado prioridade aos Estados Unidos e à Europa, sem levar em conta a parceria estratégica criada pela fantasia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil tem-se batido muito mais que os demais Brics pela reforma do sistema de cotas e pela redistribuição de poder. A China acompanha a batalha de longe. É o país com maior peso individual no conjunto dos votos e tem pouco interesse em gastar esforço e capital político nessa disputa. Rússia e Índia mantêm-se igualmente discretas e deixam ao ministro Guido Mantega o papel de arauto e porta-bandeira da causa.

A conversão do Bric em Brics, com a inclusão da África do Sul, pouco afetou esse quadro. Agora são cinco países com limitados interesses comuns e grandes diferenças em objetivos estratégicos - descontada, naturalmente, a fantasia brasileira das grandes parcerias contra a opressão das velhas potências imperialistas. Mas China e Rússia parecem continuar muito à vontade na companhia de três dessas potências - Estados Unidos, Reino Unido e França - no Conselho de Segurança da ONU. O Brasil pouco pode esperar dos Brics em sua campanha por um assento permanente no conselho.

Basta um mínimo de realismo para desaconselhar a participação num banco de desenvolvimento para os Brics. É inútil discutir se a China terá, como se receia, posição preponderante na instituição. Melhor mesmo é enterrar a ideia e trabalhar pelo fortalecimento do Banco Mundial e dos bancos regionais de desenvolvimento.

De resto, é bom cuidar de interesses mais prosaicos e tentar assumir, em relação aos parceiros, um papel mais importante que o de mero fornecedor de matérias-primas. Como compradoras de manufaturados, as velhas potências imperialistas são muito mais "rentáveis" do que nossos parceiros no Brics.

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