segunda-feira, setembro 26, 2011

Custou a chegar a já vai embora? REVISTA VEJA


Custou a chegar a já vai embora?
REVISTA VEJA

O valor do dólar dispara, e isso pode ser prenúncio de tempestade na economia brasileira, que se acostumara ao câmbio favorável a viagens e compras no exterior

Marcelo Satake e Ana Luiza Daltro
Os brasileiros que voltaram recentemente do exterior e aqueles que se preparam para a tradicional viagem de fim de ano tomaram um susto nos últimos dias. As empresas brasileiras que contraíram dívida em moeda estrangeira e que dependem da compra de insumos importados também viram o panorama financeiro àa sua frente mudar radicalmente. O dólar se valorizou 15% em relação ao real em apenas um mês, anulando um movimento na direção contrária que havia se prolongado por quinze meses. No fim de julho, a moeda americana tinha atingido seu menor valor no Brasil desde janeiro de 1999, sendo negociada a 1,53 real. Encerrou a semana passada a 1,84 real. Antes disso beliscou a cotação de 2 reais. Não há planejamento familiar ou empresarial que fique indiferente a tamanha oscilação em tão pouco tempo. Um brasileiro que tivesse viajado para os Estados Unidos e feito compras de 1 000 dólares usando o cartão de crédito teria de pagar 1 702 reais se a fatura vencesse no dia 23 de agosto (a conta já inclui o aumento do imposto que incide sobre o uso do cartão no exterior, anunciado pelo governo há seis meses). Na semana passada, ele seria obrigado a tirar do bolso 1 957 reais. O salto na cotação da moeda americana fez crescer em 13,7 bilhões de reais o endividamento somado de 240 empresas que são negociadas na Bovespa, segundo levantamento da consultaria Economática (esse montante, que não leva em conta eventual proteção contratada pelas companhias contra as variações no câmbio, equivale a 54% do lucro obtido no segundo trimestre deste ano). Até mesmo os exportadores, para quem a desvalorização do real é benéfica - porque seus produtos ficam com preços em dólar mais competitivos e eles embolsam mais reais pela mesma quantidade vendida lá fora -, são prejudicados pela incerteza cambial. O sobe e desce das corações dificulta o planejamento.

O Brasil é um dos países onde o dólar mais ganhou valor (veja o gráfico abaixo), mas o fenômeno é global e está intimamente ligado à percepção de que a crise econômica na Europa e nos Estados Unidos é mais grave do que se imaginava - e a questão é saber quando exatamente ela atingirá seu ápice e quais suas proporções. "Existe um movimento de aversão ao risco, causado especialmente pelo caos na Europa. Fugir de riscos significa sempre comprar dólar", disse a VEJA o economista Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia em Berkeley. As lideranças mundiais, reunidas nos Estados Unidos, afinaram o discurso de que estavam prontas para agir, na esperança de acalmar os investidores. Os mercados fizeram ouvidos de mercador. Há temor de uma "doença japonesa" global - referência ao crescimento nulo e prolongado do Japão na década de 90. Está em curso uma profunda crise de confiança na recuperação econômica, não importa que medidas sejam tomadas. Uma pesquisa do Fórum Econômico Mundial com 1 500 empresários, governantes, dirigentes de instituições e acadêmicos quantificou esse pessimismo: metade dos entrevistados revelou ter pouca confiança tanto na saúde da economia como na capacidade dos líderes mundiais de evitar uma catástrofe nos próximos doze meses. O temor da vez é o de um efeito dominó de calotes de governos europeus, começando pela Grécia, e que isso detone uma onda de quebra de bancos do continente. Mas, há dois meses, a ameaça de não pagar as contas vinha dos Estados Unidos. Tantas incertezas abalam a confiança de quem faz a economia girar. Para o consumidor, a falta de perspectiva no mercado de trabalho o torna o mais conservador possível nos gastos. Para as empresas, não importa que os juros estejam próximos de zero - isso representa custos baixíssimos para tomar crédito e investir -, porque a expectativa de retomada do consumo também é baixa. "O que as pesquisas de confiança sugerem é que as expectativas sobre a economia estão intimamente ligadas às histórias de endividamento excessivo e de perda de responsabilidade de governos e pessoas. E que isso rudo está fora de controle. É o tipo de perda de confiança que pode durar anos", disse o economista Roben Shiller, da Universidade Yale, em artigo sobre a crise.

Para os brasileiros, a valorização do dólar é a face mais visível de uma crise que até dois meses atrás não lhes parecia tão desfavorável. O quadro combinava crescimento anêmico dos países desenvolvidos com expansão ainda vigorosa no Brasil, e isso se traduzia na entrada de recursos estrangeiros, fortalecendo o real e aumentando, portanto, o poder de compra do brasileiro no exterior. Era um cenário traiçoeiro, como agora se percebe. A valorização súbita do dólar pode pressionar ainda mais a inflação, que já está acima da meta oficial. Vai encarecer produtos importados e aumentar os custos da indústria. Outra consequência indesejada do agravamento da crise é a queda nas cotações de matérias-primas negociadas nos mercados internacionais, as commodities, que representam mais de dois terços das exportações brasileiras e dependem da demanda global. O cenário só não é mais preocupante a curto prazo porque a desvalorização do real ajuda o exportador a absorver parte das perdas. O tom da reação das autoridades brasileiras subiu à medida que a crise revelou sua gravidade. Na semana passada, o Banco Central entrou no mercado cambial pela primeira vez em dois anos para vender dólares, com o objetivo de estancar a sua valorização. Especialistas consultados por VEJA (as opiniões deles podem ser conferidos na íntegra na versão para iPad e outros Tablets) acreditam que o real possa recuperar parte de seu valor nos próximos meses. Mas isso não significa que reagir ao vaivém dos mercados represente a melhor estratégia. "O câmbio não pode ser usado para mascarar nossas deficiências internas ou como ajuda definitiva aos exportadores. Momentos como este só reforçam a urgência de reformas que deem competitividade à economia e que já deveriam ter sido adoradas, como simplificar a tributação ou investir mais em infraestrutura", afirma Nathan Blanche, sócio da consultoria Tendências.

Com reportagem de Érico Oyama



Dilma e o fim das pirotecnias

Quando ouviu a pergunta sobre a disparada do dólar em relação ao real no dia em que a cotação saltara para 1,90, a presidente Dilma Rousseff cerrou os olhos e deu um sorriso de desalento. Em seguida, as palavras casaram com a linguagem corporal: "O nosso compromisso é com a estabilidade", disse, em sua entrevista coletiva à imprensa, concedida no 18° andar do hotel Waldorf Astoria. Poderia ter tentado faturar com a dança cambial, dizendo que a alta cotação do dólar beneficia os exportadores brasileiros, mas, em vez de espelhos e fumaça, Dilma preferiu uma avaliação serena e realista. Em sua passagem por Nova York e pela tribuna da ONU, onde foi a primeira mulher a abrir uma Assembleia-Geral, Dilma Rousseff deixou essa marca incomum nos périplos do seu antecessor: nada de pirotecnia ou prepotência. Na entrevista em que fez um balanço de sua viagem, a presidente disse que o Brasil está preparado para ajudar na superação da crise mundial, mas o fez sem arrogância. Disse ela: "Não temos receituário para o mundo. Queremos é participar das soluções". Em cinco dias na cidade, Dilma visitou o Metropolitan Museum e o Museu de Arte Moderna e elogiou a atuação vigilante da imprensa brasileira. Aqui também poderia ter garganteado, mas não o fez. Nessa sua primeira grande e significativa viagem internacional, Dilma preferiu a serenidade à exorbitância de dar lições ao resto do mundo.

André Petry, de Nova York

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