sábado, janeiro 09, 2010

PAUL KRUGMAN

Bolhas e bancos

O ESTADO DE SÃO PAULO - 09/01/10


A reforma do sistema de saúde está quase (bata na madeira) acertada. O que vem agora é a reforma do sistema financeiro. Nas próximas semanas, terei muita coisa para escrever sobre a reforma da regulamentação do sistema financeiro. Para começar, uma pergunta fundamental: qual deve ser o objetivo dos reformadores? O debate público tem abordado a questão da proteção dos credores. E, de fato, a criação de uma nova Consumer Financial Protection Agency (Agência de Proteção Financeira dos Consumidores) para tentar acabar com práticas fraudulentas de empréstimo é uma excelente ideia.

Uma maior proteção dos consumidores poderia ter limitado as dimensões da bolha da habitação.

Contudo, esse esquema de proteção, embora talvez bloqueasse muitos empréstimos podres, não teria impedido a enorme taxa de inadimplência das hipotecas convencionais, que os americanos chamam de hipotecas "plain-vanilla". E com certeza não teria impedido a monstruosa expansão seguida de crise do setor imobiliário comercial.

Em outras palavras, uma reforma provavelmente não impeça nem os empréstimos podres nem as bolhas, mas poderá contribuir consideravelmente para impedir o colapso do setor financeiro com o eventual estouro das bolhas.

É preciso ter em mente que a implosão da bolha acionária, na década de 90, embora terrível - os consumidores perderam US$ 5 trilhões - não provocou uma crise financeira. Portanto, o que teve de diferente a bolha da habitação que se seguiu? Resumidamente, a diferença está no fato de que, embora a bolha acionária tenha criado um risco enorme, esse risco estava amplamente distribuído por toda a economia. Agora, ao contrário, os riscos criados pela bolha da habitação se concentravam fortemente no setor financeiro.

Consequentemente, o colapso da bolha ameaçou afundar os bancos da nação. Ora, os bancos desempenham uma função especial na economia.

Quando não podem funcionar, as engrenagens do comércio como um todo param.

Por que motivo os banqueiros assumiram tamanho risco? Porque tinham todo o interesse em fazer isso. Aumentando a alavancagem - ou seja, fazendo investimentos arriscados com dinheiro emprestado -, os bancos podiam aumentar seus lucros no curto prazo. E esses lucros no curto prazo, por sua vez, se refletiam em imensas bonificações pessoais. Se a concentração do risco no setor bancário aumentava o perigo de uma crise financeira em todo o sistema, bem, o problema não era dos banqueiros.

Evidentemente, esse conflito de interesses é a razão da existência de uma regulamentação para os bancos. Mas, nos anos que antecederam a crise, as normas foram relaxadas - e, o que é mais importante, as autoridades reguladoras não expandiram as normas de modo a cobrir o crescente sistema bancário "fantasma", formado por instituições como o Lehman Brothers que realizavam funções próprias dos bancos, embora não operassem com depósitos bancários convencionais.

O resultado foi um setor financeiro enormemente lucrativo enquanto os preços das habitações subiam - o setor financeiro proporcionou mais de um terço do total dos lucros nos Estados Unidos enquanto a bolha inflava-, mas a bolha estourou, arrastando o setor até a beira do colapso. Foi necessária a ajuda do governo numa escala enorme, e a promessa de uma ajuda suplementar se necessário, para impedir que o setor precipitasse no abismo.

Ocorre o seguinte: como a ajuda foi concedida sem muitas condições - particularmente, nenhum dos grandes bancos foi estatizado, embora alguns evidentemente não tivessem sobrevivido sem a intervenção governamental -, os banqueiros agora se sentem confortavelmente motivados a repetir a façanha. Afinal, agora está claro que eles vivem num mundo em que eles ganham ou os contribuintes perdem.

Portanto, o teste da reforma consiste em saber se, daqui em diante, reduzirá os incentivos dos banqueiros e sua capacidade de concentrar os riscos.

A transparência é parte da resposta. Antes da crise, ninguém podia imaginar até que ponto os bancos se arriscavam. É claro que a obrigação de fornecer informações mais amplas, principalmente no que se refere aos complexos derivativos financeiros, é de grande ajuda.

Além disso, um aspecto importante seria a aprovação de novas normas que limitassem a alavancagem dos bancos. Futuramente, analisarei em minha coluna as leis propostas, mas o que posso dizer sobre o projeto de lei da reforma da regulamentação financeira aprovada pela Câmara - com nenhum voto republicano - no mês passado, é que os limites previstos para a alavancagem parecem razoáveis, não grandes, mas razoáveis. Entretanto, será muito fácil enfraquecer essas normas a ponto de inutilizá-las. Com algumas modificações nas letrinhas do texto, os bancos teriam toda a liberdade para voltar a fazer o mesmo jogo.

A reforma deveria se preocupar, na realidade, com as práticas de remuneração do setor. Se o Congresso não pode legislar de forma a eliminar o sistema de compensações financeiras pelo risco excessivo, pelo menos pode tentar taxá-las.

Concluirei com uma nota política. A principal razão da reforma é servir à nação. Se não conseguirmos uma significativa reforma financeira agora, estaremos lançando os alicerces da próxima crise. Mas há também uma razão política.

Fermenta neste país uma grande raiva popular, e o tratamento com luvas de pelica dispensado pelo presidente Barack Obama aos banqueiros fez com que os democratas se colocassem do lado errado dessa raiva. Se nos próximos meses os democratas do Congresso não endurecerem sua postura com os bancos, pagarão um preço muito grande em novembro.

*Paul Krugman é Nobel de Economia

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