domingo, novembro 22, 2009

CRISTIAN KLEIN

Ô minha filha e O filho do Brasil

JORNAL DO BRASIL - 22/11/09


DE UM LADO, LUZ, CÂMERA E AÇÃO. Do outro, blecaute, microfones e uma declaração. Infeliz, ríspida, antipática. Os últimos dias – de apagão nacional e da pré-estreia do filme sobre a história do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – puseram em contraste a trajetória e o estilo distintos de Dilma Rousseff, a pré-candidata do governo às eleições de 2010, e do seu fiador.

Muito se tem dito sobre as segundas intenções – eleitorais – do filme Lula, o filho do Brasil. O longa, de forte apelo emocional, será lançado em 1º de janeiro, em mais de 500 salas pelo país, e tem tudo para bater o recorde de bilheteria do cinema nacional. Levará milhões a acompanhar o retrato do presidente quando jovem. Da infância pobre no Nordeste, passando pela viagem de pau de arara para São Paulo, pela perda da primeira mulher e do bebê durante o parto, até a sua ascensão como um dirigente sindicalista carismático, capaz de empolgar multidões.

Numa sequência emblemática, Lula discursa num comício para milhares de trabalhadores. Sem poder contar com o sistema de som, suas palavras são repetidas pelos operários, como uma onda, até que os últimos, no fundo do estádio, as escutem. Poucas cenas ilustrariam tão bem o poder natural de liderança de um homem (ou de uma mulher). O filme, produzido pelo clã dos Barreto e apresentado no Festival de Cinema de Brasília, constrói essa imagem idealizada, heroica, quase sem defeitos, de Lula. Episódios mais constrangedores de sua biografia, como o pedido à ex-namorada Miriam Cordeiro para que abortasse – história que caiu como uma bomba na campanha de 1989 – ficaram de fora. Há algo de essencial, contudo. A persistência, a capacidade de comandar, negociar, o carisma inegável do personagem.

A oposição, inconformada, tem acusado o filme de ser uma poderosa peça de propaganda pró-governo. E tem razão. Não porque o longametragem tenha sido produzido com tal objetivo – há tempos a trajetória de Lula já deveria ter sido contada. Mas porque o lançamento se dará na abertura de um ano eleitoral. Obviamente, seu potencial de amealhar votos será aproveitado. Se o filme emocionou e já fez chorar até banqueiro, em sessões antecipadas para formadores de opinião, o que dirá quando chegar ao cidadão comum que se identificar com a vida pobre do nordestino e operário? Ocorre que não será Lula – impedido o terceiro mandato – o candidato do governo. E, sim, como tudo indica, sua ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Nada garante que a transferência de votos de Lula para Dilma se dará na mesma intensidade que a imaginada.

Lula chegou à Presidência da República por representar um determinado projeto de país e, em grande parte, pelo seu carisma pessoal.

É certo que nem tudo se resume à popularidade. Fernando Henrique Cardoso venceu facilmente duas eleições – e sobre este mesmo Lula, hoje em fase de mitificação – não pela capacidade, que nunca teve, de seduzir a massa. Mas porque criou o real, derrotou a hiperinflação e deu estabilidade econômica ao país. Política pública, enfim. Isso é o que mais importa – fosse o eleitor apenas um sujeito racional, guiado pela abstração das ideias, dos argumentos. Mas o voto também contém um elemento forte de emoção, de identificação com o escolhido, de empatia.

E é aí que Dilma Rousseff se distancia muito de seu padrinho político.

Se Lula é o carismático filho do Brasil, Dilma surge como a candidata do antipático vocativo “minha filha”. Foi assim que ela se referiu a uma repórter, ao explicar as razões do apagão nacional do dia 10. A pergunta era totalmente pertinente e previsível, pois menos de duas semanas antes a ministra afirmara que o Brasil estava livre de um novo apagão elétrico.

Irritada, Dilma respondeu: “Você está confundindo uma coisa, minha filha: uma coisa é blecaute. (...) Interrupções desse sistema ninguém promete que não vai ter”, disse. Conhecida pelo estilo durão, de gerentona, já virou folclore a bronca de Dilma que teria feito o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, chorar. O estilo fio desencapado soou o alarme e será um desafio para os marqueteiros do governo. Se em assuntos técnicos, nos quais é especialista, já há descontrole, imagina-se como Dilma, sem experiência prévia como candidata, reagirá às pressões de uma longa campanha presidencial. A persona “Dilminha paz e amor” precisa entrar em cena. Se não quiser queimar o filme.

“Dilminha paz e amor” precisa entrar em cena. Se não quiser queimar o filme

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