quarta-feira, junho 17, 2020

Liberdade de expressão tem limite? - HÉLIO SCHWARTSMAN

Folha de S. Paulo - 17/06

A democracia aceita críticas, mas não admite ações concretas com o objetivo de subjugá-la



Qual o limite da liberdade de expressão? Vale defender intervenção militar, fechamento do Congresso e prisão dos ministros do STF? E ideias racistas, antissemitas ou homofóbicas? Questões como essas, que em tempos normais teriam interesse primordialmente acadêmico, ganham gravidade na estranha conjuntura em que vivemos.

Como não poderia deixar de ser, defendo uma interpretação robusta do alcance da liberdade de expressão. Se alguém está convencido de que uma ditadura é o melhor caminho para o Brasil ou de que negros, judeus e homossexuais são intrinsecamente inferiores, deve ser livre para dizê-lo. De um modo geral, o ridículo dessas ideias e a inexistência de bons argumentos para apoiá-las já funcionam como antídoto à sua disseminação.

Então vale tudo? No que diz respeito à simples divulgação de ideias, sim. Isso significa que a democracia não pode se defender de ataques? Não.

O assaltante que aponta seu revólver para a vítima e proclama “a bolsa ou a vida” não pode defender-se com o argumento de que só exerceu sua liberdade de expressão. Os termos usados pelo bandido, que seriam perfeitamente legítimos em outros contextos (eu mesmo acabei de empregá-los), se somam neste exemplo a outras circunstâncias, como a posse da arma e o cenário de ameaça, para configurar um crime que não se confunde com os chamados delitos de opinião.

O que as autoridades precisam investigar no caso desses grupos que atacam a democracia é se estão instrumentalizando a liberdade de expressão para cometer ilícitos como calúnia, ameaça, associação criminosa e, ironicamente, se violam dispositivos da famigerada Lei de Segurança Nacional.

Basicamente, a democracia aceita quaisquer críticas, em quaisquer termos, mas não admite ações concretas com o objetivo de subjugá-la. Definir quando as primeiras se convertem nas segundas nem sempre é trivial, mas tampouco é impossível.

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