quarta-feira, maio 13, 2020

Vídeo de Bolsonaro parece uma confissão - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 13/05

Confirmados os fatos, inquérito precisa prosseguir para o bem das instituições republicanas


O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que, segundo o ex-ministro Sergio Moro, o presidente Bolsonaro confirmou que faria tudo para substituir Maurício Valeixo na diretoria-geral da Polícia Federal, inclusive demitir o ministro da Justiça e Segurança Pública, superior hierárquico de Valeixo, era a peça final de um quebra-cabeça já conhecido no seu conteúdo. O relato público que Moro fez no dia 24, dos motivos de sua saída, sem responder a perguntas da imprensa, já trazia o entendimento de que o presidente queria ter na Polícia Federal, na cúpula e/ou na superintendência do Rio de Janeiro, pessoas com as quais ele pudesse obter informações e relatórios de inteligência, o que não é função da PF, uma polícia que trabalha em inquéritos instaurados pela Justiça. Bolsonaro queria privatizar a PF.

A íntegra do vídeo, pedida pelo ministro do Supremo Celso de Mello, presidente do inquérito sobre as denúncias de Moro, conduzido pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, foi exibida ontem em Brasília para Moro e seus advogados, além de representantes da Advocacia-Geral da União (AGU), do lado do presidente, policiais e procuradores. A divulgação restrita — o vídeo continua sob sigilo — completou uma cena não surpreendente, mas o fez com um bônus. Segundo relatos, o presidente aparece, como afirmara Moro, dizendo que substituiria o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, a quem Moro resistia a afastar, e que poderia demitir o próprio ministro. O bônus veio na declaração de que ele queria defender sua família. Tudo ficou explícito, a se confirmar o conteúdo do vídeo.

A explicação também não é uma surpresa, mas tem grande impacto político e ético ao sair da boca de Bolsonaro. Soa como confissão. A preocupação do presidente com os filhos é conhecida. E motivos existem. Bolsonaro assumiu a Presidência quando Flávio, eleito senador pelo Rio, passara a ser investigado no escândalo da “rachadinha”, ocorrido na Alerj, em que Flávio e outros deputados foram apanhados num esquema de recolhimento de parte dos salários de assessores, segundo denúncia do Ministério Público. No caso do hoje senador, uma operação a cargo do desaparecido Fabrício Queiroz.

A PF não está neste caso. Mas atua em dois inquéritos que correm sob a presidência do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, que investigam esquemas de distribuição de fake news e de ameaças contra o Supremo e ministros da Corte; e ainda os esquemas de financiamento e organização das manifestações antidemocráticas, apoiadas pelo presidente e clã. Moraes se tornou um alvo ainda mais prioritário de milícias bolsonaristas por ser quem concedeu liminar pedida pelo PDT contra a posse do delegado Alexandre Ramagem no lugar de Valeixo, com o argumento de “desvio de finalidade”. Indiscutível, pois em nenhum momento Bolsonaro escondeu que teria no chefe de sua segurança durante a campanha alguém com quem pudesse “interagir”. Entenda-se, obter informações privilegiadas sobre adversários políticos, por exemplo. Esta é uma possibilidade a não ser descartada. A história de ditaduras latino-americanas ensina o que pode acontecer quando aparatos de segurança pública passam a servir a caudilhos, autoritários por definição.

Nesses dois inquéritos, os filhos “02”, o vereador Carlos, e “03”, o deputado Eduardo, poderiam estar citados. Além, é provável, de suas conexões com o “gabinete do ódio” que atuaria no Planalto, usina de articulação de ataques virtuais, e nem por isso menos criminosos. O presidente, já no final do dia de ontem, em um arremedo de entrevista dada do alto da rampa do Planalto, procurou afastar a família de qualquer investigação da PF.

Só o prosseguimento deste inquérito — se o procurador-geral, Augusto Aras, não arquivá-lo intempestivamente — poderá esclarecer. Independentemente da família presidencial, interessa averiguar esta tentativa de interferência política e pessoal em um aparato de segurança do Estado, para que as devidas punições impeçam que isso se repita e faça o Brasil retroceder no processo civilizatório.

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