quarta-feira, maio 27, 2020

Suspeitas voltam com operação da PF contra Witzel - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 27/05

Há sólidas evidências de corrupção na área da saúde, mas vazamento da operação causa preocupações


No encadeamento de crises que caracteriza o governo, a vertente da Polícia Federal e sua vinculação ao Planalto é um foco que volta a chamar a atenção desde o final da madrugada de ontem, quando viaturas da Polícia Federal entraram nos jardins do Palácio Laranjeiras, residência oficial do governador do Rio de Janeiro, cargo ocupado por Wilson Witzel, adversário político do presidente Bolsonaro. Em um momento de normalidade política, seria mais uma demonstração de seriedade e independência da PF, como aconteceu nestes últimos anos no ciclo de combate à corrupção.

Mas o presidente acabou de substituir o ministro da Justiça Sergio Moro por André Mendonça, que, com o aval de Bolsonaro, colocou Rolando Alexandre de Souza na direção-geral da PF, o que faz supor que os clamores do presidente para ter gente na polícia com quem possa “interagir” foram atendidos. Por “interagir” pode-se entender tudo, considerando-se o estilo pessoal do presidente e seu perfil centralizador e autoritário. Porém, não se tem dúvida de que o mandado de busca e apreensão concedido pelo ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cumprido no Laranjeiras, e não só nele, esteja bem fundamentado.

Mas a conjugação das mudanças na pasta da Justiça e Segurança Pública, e por decorrência na PF, com a deflagração da Operação Placebo contra Witzel, chamado de “estrume” por Bolsonaro na reunião ministerial do vídeo, é preocupante, porque pode ser o sinal de que a PF começa a se converter em braço armado do poderoso de turno, como acontece em republiquetas.

Para reforçar o temor de que a PF passa mesmo à órbita de Bolsonaro, um presidente que se preocupa em proteger família e amigos, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), próxima do presidente, frequentadora do Planalto e do Alvorada, com fácil trânsito na PF, adiantara à Rádio Gaúcha que a Polícia investigava governadores. Arriscou um nome para a operação: “Covidão”. Nisso errou. Este caso tem vários aspectos, e todos parecem verdadeiros. Não se discutem fartas evidências de grossa corrupção nos gastos do governo do estado em hospitais de campanha e na compra de equipamentos para aparelhá-los, a fim de acolher vítimas da Covid-19. Há negócios escusos com organizações sociais. Por R$ 180 milhões, por exemplo, compraram-se mil ventiladores pulmonares junto a empresas inidôneas; foram entregues 52, mas não serviram. E desapareceram quase integralmente R$ 36 milhões.

O ex-secretário de Saúde, Edmar Santos e o seu sub, Gabriell Neves, são processados, e este foi preso. Antes, em outra operação, terminou encarcerado o empresário Mário Peixoto, deste ramo de negócios com governos. A primeira dama do estado, a advogada Helena Witzel, também é citada nas investigações. Se tudo for provado, depois de Sérgio Cabral e Adriana Ancelmo será o segundo casal a passar pelo Laranjeiras que cairá nas redes da Justiça, em mais um estágio na degradação ética da política carioca e fluminense. Mas nada justifica a PF ser de governos.

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