segunda-feira, maio 25, 2020

Devagar, a democracia extrai o tumor autoritário - VINICIUS MOTA

FOLHA DE SP - 25/05

Reunião de 22 de abril foi drama psicótico de grupo reprimido pelas instituições


Diante da pornografia em que se converteu o exercício do poder presidencial sob Jair Bolsonaro, o que na pandemia custa vidas e empregos, dá para entender a ansiedade de quem preza a democracia e o bom governo pela solução rápida do impasse. Mas ela dificilmente virá.

Não deve vir porque uma das características das democracias é a prevalência da forma sobre a vontade.

Esse mecanismo é o mesmo que dificulta a intromissão do presidente da República nos órgãos policiais do Estado, impede a ministra rompedora dos Direitos Humanos de prender governadores e prefeitos e evita que o desmatador do Meio Ambiente vá passando a boiada por cima das regulamentações antimotosserra.

A pauta de fato da reunião de 22 de abril na sede da Presidência era imprecar contra esse sistema. Ali uma súcia de sádicos reprimidos sonhou acordada com adversários esmagados, sujos de excrementos e acometidos de dores lancinantes. O que as instituições vedam ao grupo foi por ele verbalizado no drama psicótico.

Autoritários são assim. Odeiam o que embota os seus desejos imediatos. Tomam atalhos para contornar a norma e jamais dispensam a força em benefício próprio. Que morra depressa quem tiver de morrer com o vírus para eu tocar o barco da economia. Que vão para a cadeia os juízes que me importunam. Que se evaporem o delegado que investiga minha família e o fiscal que me multou.

Democratas são feitos de outro tecido. Não admitem fulminar a cartilagem que os protege do despotismo nem quando ela também contribui, no presente, para postergar a depuração do regime das liberdades. Formam o partido da paciência cívica.

Daí vem a nota otimista destes dias. Quem cabeceia na fossa obscura dos apetites e das alucinações perdeu a perspectiva do tempo. Trava uma batalha de vida ou morte a cada minuto. Comemora não ter sido atingido pela “bala de prata”, mas não enxerga que afundou mais um pouco nem que a derrocada continua.

A democracia, com vagar sacramental, empurra o tumor para fora.

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