quinta-feira, abril 30, 2020

Presidente desrespeita famílias dos mais de 5 mil mortos pela Covid-19 - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 30/04

Bolsonaro também tem responsabilidade no combate à pandemia do novo coronavírus


Na terça-feira, quando o Brasil registrou 474 mortes em 24 horas e ultrapassou a China em número de baixas pela Covid-19 (5.017 contra 4.643), o presidente Jair Bolsonaro não só se eximiu de responsabilidades como ainda desdenhou das mortes. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”.

Ontem, Bolsonaro culpou governadores e prefeitos. Afirmou que, por decisão do STF, estados e prefeituras têm autonomia para determinar medidas de contenção. “Questão de mortes, a gente lamenta as mortes profundamente. Sabia que ia acontecer. Agora, quem tomou todas as medidas restritivas foram governadores e prefeitos”.

Além do inconcebível desrespeito com as famílias de mais de 5 mil brasileiros que perderam suas vidas pelo novo coronavírus — muitos deles sem sequer receber atendimento —, Bolsonaro cometeu equívocos em seus argumentos. Evidentemente, governadores e prefeitos têm responsabilidade. Mas ela é compartilhada com a União.

O que fez Bolsonaro desde que os primeiros casos de Covid-19 foram registrados no país, levando governadores e prefeitos a decretarem o isolamento? Criticou a quarentena, a que já se referiu várias vezes como exagero. Está preocupado com o impacto na economia, que pode afetar seu projeto de reeleição. Sua ação mais visível foi a imprudente troca de Luiz Henrique Mandetta por Nelson Teich, na Saúde, em plena fase de aceleração da epidemia.

O presidente se equivoca também ao culpar as medidas de restrição pelas mortes. O isolamento não é uma invenção brasileira. Foi adotado em praticamente todos os países, em alguns de forma bem mais rigorosa. Não há outra maneira de conter a doença. Se não está dando melhores resultados é devido ao discurso dúbio num país em que governadores e prefeitos falam uma coisa e o presidente diz outra, incentivando a quebra das quarentenas.

Numa fase crítica da epidemia, o ministro Nelson Teich passa a ideia de imobilidade. Precisa apresentar logo o seu plano e resultados, mesmo que prévios, inclusive de medidas em curso, como o rastreamento da doença em todo o país. A sensação de inércia que as entrevistas do Ministério — acertadamente mantidas — têm passado não ajuda a população, e nem o ministro.

Enquanto Bolsonaro prega incessantemente o fim do isolamento, em São Paulo a prefeitura faz bloqueios educativos no trânsito. Caminha-se, de forma correta, para um lockdown. Nada muito diferente de outras metrópoles.

Ainda que Bolsonaro os rejeite, os números contundentes da Covid-19 no Brasil serão inexoravelmente colocados também em sua conta. Não por governadores, prefeitos ou pela imprensa, como diz. Mas pela História.

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