domingo, abril 12, 2020

Ilhas desertas - RUY CASTRO

Folha de S. Paulo

Hora de levar para elas os seus livros, discos e filmes favoritos


Está fora de moda há anos, mas, no passado, os jornais adoravam perguntar aos artistas e intelectuais que livros, discos e filmes eles levariam para uma ilha deserta. E todos adoravam responder. Minha resposta favorita é a do jornalista José Lino Grünewald, que, ao escolher seus livros indispensáveis, incluiu —rindo, mas a sério— o “Philosophie der Symbolischen Formen”, de Ernst Cassirer, em três volumes. A dita ilha, ainda que provida de uísque, poltrona e luz elétrica, era só uma metáfora, claro, para as tradicionais listas de dez melhores livros, discos ou filmes de cada um.

De repente, com a quarentena imposta pela Covid-19, a ilha deserta deixou de ser metáfora. Tornou-se, para tantos de nós, dura realidade e por tempo não sabido. Agora, sim, é hora de fazer as tais listas. Por isso, resolvi produzir as minhas. Como esta, só de discos de música brasileira, torcendo para que, como meu equipamento é antigo, a ilha ainda não tenha sido corrompida pela tomada de três pinos.

Eu levaria os três discos instrumentais gravados por Tom Jobim nos EUA em fins dos anos 60: “Wave”, “Tide” e “Stone Flower”. Levaria também duas obras-primas do samba-jazz daquela década, “Edison Machado É Samba Novo”, com o próprio, e “Embalo”, com o pianista Tenório Jr. E todos os discos de Lucio Alves, Sylvinha Telles e João Gilberto que pudesse enfiar no saco. Para as noites de fog na ilha, levaria o que pudesse de Dolores Duran, Tito Madi e Doris Monteiro. Para as tardes de sol, o máximo de Francisco Alves e Mario Reis, juntos e separados. A caixa de três CDs de Orlando Silva, lançada pela BMG, e a de cinco CDs de Carmen Miranda, pela EMI. Avulsos de Sylvio Caldas, Aracy de Almeida, Cyro Monteiro. E com isso já teria estourado o peso, acho.

Esta é apenas a minha lista. Você terá a sua, e deve fazê-la. A melhor ilha é a cercada de música por todos os lados.

Ruy Castro, jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

Nenhum comentário:

Postar um comentário