domingo, abril 26, 2020

Bola com o Supremo - VERA MAGALHÃES

ESTADÃO - 26/04

Como no mensalão, Judiciário assume o protagonismo da crise política


Sairá do Supremo Tribunal Federal o caminho para que Jair Bolsonaro enfrente o terceiro processo de impeachment de um presidente eleito em 28 anos. A bola, mais do que nunca nos últimos anos, está com os 11 ministros da principal corte do País. E olha que desde o mensalão o protagonismo do STF tem sido grande. Mas a conjuntura leva a que, desta vez, algumas coisas sejam diferentes.

O primeiro componente inédito é a vigência, há um ano, de um inquérito sigiloso, sem prazo e com abrangência grande e escopo para investigar fake news contra ministros do próprio tribunal. É ele, como escrevi na quarta-feira, que dará o fio da meada para que se trace uma cadeia de comando na rede de destruição de reputações que grassa nas mídias sociais e alimenta o bolsonarismo.

Graças a ele Bolsonaro perdeu as estribeiras em plena crise do novo coronavírus e decidiu demitir o diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, assumindo inclusive o risco de perder Sérgio Moro e ganhar seu mais competitivo rival em 2022. O desespero com o inquérito foi maior que o medo de perder Moro.

Pouco ou nada vai adiantar Bolsonaro ter alguém “seu” no comando da PF para tentar esvaziar o inquérito-bomba: as provas coletadas até aqui estão em poder do ministro Alexandre de Moraes, seu relator, e ele também já se precaveu e também assegurou que os policiais e delegados designados para comandar a investigação não sejam trocados.

O segundo ineditismo do papel do Supremo nessa crise é que são muitas, e de diferentes magistrados, as decisões que tolheram os arreganhos autoritários de Bolsonaro nos últimos meses. O presidente viu caírem desde as tentativas de ditar a estratégia de combate à pandemia do novo coronavírus até as investidas para reduzir acesso da sociedade a informações públicas.

Não é obra do acaso. Que integrantes de blocos até ontem conflitantes dentro do STF passem a atuar de forma coesa na contenção do presidente é um divisor de águas político e pode ser determinante para que as investigações em curso – duas delas com Alexandre de Moraes e uma com Celso de Mello – deem ao Congresso, ali do outro lado da Praça dos Três Poderes, o caminho jurídico do impeachment.

E aqui entra o terceiro fator inédito, a saideira do decano. Celso de Mello deixa o Supremo em novembro, depois de 31 anos. Dono de posições que foram paradigmáticas para a Corte em julgamentos como o do mensalão, desde o ano passado ele tem pontuado com ênfase os riscos à democracia representados por ações e palavras de Bolsonaro.

É dele a relatoria de um mandado de segurança questionando a demora da Câmara em analisar pedidos de impeachment e, desde sexta-feira, também está com ele o novo inquérito para apurar as denúncias de Sérgio Moro.

Candidato à sua cadeira em novembro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, tentou dar uma no cravo e outra na ferradura ao colocar Moro na situação de co-investigado. Acabará por fazer do ex-ministro e ex-juiz da Lava Jato, ao lado do decano, peça fundamental de abrir a picada para o embasamento jurídico do processo de impeachment.

Não é por acaso o silêncio de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Os dois sabem que o enredo, agora, se desenrola no Judiciário. É de lá que sairá o roteiro para que a Câmara, e depois o Senado ajam. Até lá, há fatores políticos a alinhar. O principal é a definição de se o Centrão vai embarcar no governo ou fazer o que fez no impeachment de Dilma: leiloar seu preço com os dois lados até a undécima hora.

Os prazos são exíguos: Mello pendura a toga em novembro, e Maia deixa a cadeira em fevereiro do ano que vem. Por isso, e porque há um vírus a combater e uma economia em frangalhos para tentar recuperar, o ritmo será intenso.

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