sábado, agosto 03, 2019

Bozo! Tá com piriri verborrágico! - JOSÉ SIMÃO

FOLHA DE SP - 03/08

Acho que ele comeu muito agrotóxico! Tem que dar um tiro de calmante nele


Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Piada Pronta: “Ginasta Flavinha cresce 12 cm no Peru”. Eu também! Rarará!

Agosto! O mês do Bozo Louco! O Bozo sabe até como o pai do presidente da OAB morreu na ditadura, mas não sabe onde tá o Queiroz! Rarará!

E o novo apelido do Deltan: cobra com cara de Nossa Senhora! Vai acabar lavando as capas dos veinhos do Supremo! E em 2020 vai ter mais índio no sambódromo que na Amazônia. “Corra Que o Garimpeiro Vem Aí, Parte 4!”

Semana puxada: o Bozo com piriri verborrágico! Acho que ele comeu muito agrotóxico! Em dois dias insultou o mundo! Tem que dar um tiro de calmante nele, aquele que bota elefante pra dormir na Nat Geo Wild! Rarará!

E o Moro vai ao psicanalista e vaza a conversa: “Conte-me tudo desde o início”. “No início, eu criei o céu e a terra.” E depois, a portaria 666! Rarará! Moro não pensa que é Deus, ele tem certeza. Rarará!

E o Witzel anuncia prender quem fumar maconha na praia. Já separou o Maracanã pra prender todo
mundo? Maconheiro não oferece perigo! Já viu maconheiro fã do Belo, do Biel e do Munhoz & Mariano? Rarará!

E eu tenho um amigo que todo dia me liga da França: “Qual foi a de hoje?”. A de hoje foi “Bolsonaro quer rever conceito de trabalho escravo”. Revogou a Lei Áurea. A princesa Isabel era petralha! Rarará!

E atenção! MEME DO FGTS! Do @memesesquerdopatas com o Véio da Havan gritando: “Pegue os seus R$ 500 e venha comprar uma mamadeira de piroca na Havan!”. Eu acrescentaria: “Venha sem susto! Na Havan a Terra é plana!”. Rarará!

“Parentes de Bolsonarao vão de helicóptero da FAB pro casamento do Eduardo.” Mamamacóptero! Problema ético e estético: como o primo vai pro casamento de terno preto, camisa vermelha e óculos escuros? Zero pro primo do Zero Três! E sabe como o primo chamou a família pra entrar no helicóptero? ”MARCHANDO.” Rarará!

Pan no Peru! A boa notícia é que ganhamos 20 medalhas de ouro. E a má notícia é que o Guedes vai confiscar o ouro todo! “Atleta brasileiro é tricampeão panamericano em levantamento de peso.” Levantou o Maia, o Alcolumbre e a Joice Hasselmann! Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

José Simão
Jornalista, precursor do humor jornalístico

O mito do 'pires na mão' - MARCOS MENDES

FOLHA DE SP - 03/08

'Mais Brasil, menos Brasília' poderia virar 'Menos despesa, mais eficiência'


Na coluna anterior, afirmei que existe uma lenda urbana segundo a qual as receitas tributárias são muito concentradas nas mãos da União. Os estados e os municípios ficariam sem recursos para cumprir suas obrigações. Daí a necessidade de "ir a Brasília de pires na mão".

A hipossuficiência financeira é usada como argumento em causas judiciais contra a União, em projetos de lei para aumentar transferências e para socorros em geral.

Os municípios já institucionalizaram o "ritual do pires na mão", ao criar a Marcha Anual dos Prefeitos a Brasília. Chegam aos milhares, com uma lista de pedidos debaixo do braço.

Os dados não confirmam a tese da centralização. Pelo contrário. A Federação brasileira é uma das que mais descentralizam receitas no mundo.

De acordo com comparativo internacional feito pela OCDE, com dados de 2013, em países federativos, como o Brasil, a média da participação dos governos subnacionais na arrecadação tributária total é de 49,5%. Nos países da mesma faixa de renda do Brasil (renda média-alta), 30,9%. No Brasil, muito mais alta: 56,4%.

Em termos de receita como proporção do PIB, nossa forte descentralização também sobressai. Nos países federativos, os governos subnacionais ficam com 17,4% do PIB. Nos de renda média-alta, 13%. No Brasil, 22%.

Lembremos, ainda, que parte significativa da receita da União é, na verdade, do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Esse dinheiro vai diretamente para pagar benefícios previdenciários e não fica disponível para o governo federal. Deduzindo a arrecadação do RGPS, a divisão da receita restante é 36% para a União, e 64%, para estados e municípios. Não há concentração na União.

Um indicador da abundância de receitas para estados e municípios é a sem-cerimônia com que eles abrem mão do poder de tributar: 35% dos municípios brasileiros arrecadam menos de R$ 10 per capita em IPTU. Os estados, ao conceder benefícios fiscais, abrem mão de algo como R$ 60 bilhões por ano em receitas do ICMS, tributo de maior poder arrecadatório do país.

Vale lembrar, ainda, que parte significativa dos serviços estaduais e municipais em saúde e educação é custeada por recursos federais. Em 2018, dos R$ 127 bilhões gastos pelo Ministério da Saúde, nada menos que R$ 78 bilhões (60% do total) foram transferidos a estados e municípios.

Na educação, do gasto federal total de R$ 143,6 bilhões, 25% foram entregues aos estados e municípios (R$ 36,4 bilhões).

Há muita receita ociosa nas mãos de municípios. Falta capacidade técnica para executar projetos financiados por transferências federais. Atualmente, são R$ 6 bilhões parados nessa situação.

Há quem argumente que o problema não está no nível de receita, e sim no fato de os estados e os municípios terem obrigações de despesa maiores que suas receitas. Mas, nesse caso, a União também está apertada. O governo federal registra seguidos déficits primários, mesmo depois de cortar fortemente investimentos e despesas não obrigatórias. Não há receita sobrando no governo federal. O que há é excesso de despesas nos três níveis de governo.

Fala-se, também, que a União tem que ajudar porque ela tem maior capacidade para se endividar e só ela é capaz de emitir moeda. Usar esse tipo de raciocínio é reconhecer que não há outro caminho para sustentar o crescimento dos gastos que não seja pelo aumento da já elevada dívida, ou pela inflação.

É evidente que o caminho correto não é esse, e sim adequar as despesas dos três níveis de governo às respectivas receitas. O lema "Mais Brasil, menos Brasília" poderia ser substituído por "Menos despesa, mais eficiência".

Marcos Mendes
Doutor em economia. Autor de "Por que o Brasil Cresce Pouco?"

Deixem o liberalismo fora disso - ELENA LANDAU

O Estado de S.Paulo - 03/08

Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal. Seu governo também não


Por mais absurdo que pareça, a polarização que marcou as eleições do ano passado fez de Bolsonaro símbolo da candidatura liberal em oposição a Fernando Haddad, que reafirmava o modelo estatizante. Era a opção para encerrar o ciclo PT.

Muitos, em total autoengano, optaram por ignorar seu passado intervencionista e embarcaram nessa fantasia. Os 200 dias de governo não trouxeram nenhuma surpresa. Bolsonaro tem sido fiel aos seus princípios. A toda hora desdenha dos que sofreram na ditadura, como revelam os comentários sobre a jornalista Miriam Leitão e agora em relação ao pai do presidente da OAB. Seu apreço por torturadores e ditadores é notório. É um governo marcado pela intolerância. A tentativa de deslegitimar dados do Inpe sobre desmatamento reflete a dominância do achismo sobre a ciência, que, infelizmente, rege boa parte das ações públicas dele e de seus mais próximos colaboradores.

A insistência em nomear o filho, sem nenhuma capacitação para o cargo, embaixador nos EUA é mais uma mostra do viés autoritário. Ele nem enrubesceu ao dizer: “Quero beneficiar meu filho”. Ameaçou “privatizar” a Ancine, uma agência reguladora, porque ela não impede a produção de filmes, segundo ele, impróprios. É o início de uma política cultural de Estado, típica de ditaduras. A negação de evidências empíricas na formulação de políticas públicas, que interferem desde a segurança no trânsito até a preservação ambiental, revela um retrocesso assustador e um Estado que parece pré-iluminista. Isso nada tem que ver com uma postura conservadora, é só obscurantismo mesmo.

Não adianta apelar para a agenda econômica para descobrir um presidente liberal, como queriam alguns eleitores, que ainda hoje se agarram nessa esperança para manter seu apoio a este governo. Bolsonaro sempre votou contra reformas que buscavam diminuir o peso do Estado, do Plano Real à privatização. O confronto com o Congresso e a intervenção de última hora a favor dos policiais puseram a reforma da Previdência em risco. Foram necessárias a habilidade e a persistência de Rodrigo Maia para salvar o governo de si próprio.

A frustração na economia é grande. Na campanha era como se existissem dois candidatos. Bolsonaro nunca teve aptidão nem gosto pelas questões econômicas. Delegou o assunto a Paulo Guedes. O apelido Posto Ipiranga não vingou por acaso. Hoje as previsíveis dificuldades de levar adiante mudanças profundas sem o envolvimento direto do presidente da República são evidentes. Além da interferência atrapalhada na reforma da Previdência, Bolsonaro desidratou o programa de privatização, que se resume à venda de subsidiárias e ao avanço no campo das concessões. Nenhuma grande estatal está na agenda, além da Eletrobrás.

Há uma promessa de que após a aprovação em segundo turno da reforma na seguridade, um amplo programa econômico seja anunciado. Mas por enquanto só se anunciaram a volta da CPMF e os incentivos para a atividade econômica no curto prazo, com a liberação do FGTS, que não configuram um plano de reformas modernizantes. O fim do monopólio da Petrobrás, imposto pelo Cade, é uma excelente notícia, mas seus efeitos para a atividade econômica não serão percebidos no curto prazo.

Esse quadro não significa que o liberalismo fracassou, já que ele nem sequer foi tentado. No governo FHC foi implementada uma agenda econômica liberal para dar sustentabilidade ao Real. Não havia preocupação com a classificação ideológica, como hoje. A oposição apelidou o grupo de economistas de “neoliberais”, de forma depreciativa, para caracterizar as mudanças expressivas que ocorreram na economia: nova contabilidade fiscal, amplo programa de privatização, abertura comercial, tripé macroeconômico, inovação nas políticas assistenciais e financiamento da educação – medidas que permitiram a comemoração de 25 anos de estabilidade monetária em 1.º de julho.

O ciclo do PT no governo provocou uma guinada no modelo econômico, com grande viés estatizante. O sucesso do partido em experiências sociais, como o Bolsa Família, criou um discurso de que os partidos de esquerda são progressistas e os de direita, liberais na economia, separando a pauta de direitos da pauta econômica. O liberalismo não é nem um nem outro, mas os dois. A definição de Vargas Llosa é primorosa: “O liberalismo não é uma receita econômica, mas uma atitude fundada na tolerância, na vontade de coexistir com o outro e numa firme defesa da liberdade”.

Natural que diante do fracasso do modelo intervencionista, e da herança negativa deixada se enfatize a importância do funcionamento livre do mercado. Mas a saída para o Estado obeso e ineficiente não é a sua negação.

Num país onde metade da população não tem acesso ao saneamento e crianças saem da escola sem aprender o básico de Português e Matemática, a agenda da liberdade precisa ser mais abrangente do que o mantra “o mercado resolve tudo”. É fundamental incorporar iniciativas que criem igualdade de oportunidades e ajudem a mobilidade social.

Acredito que a indignação da maior parte da sociedade com os retrocessos da agenda Bolsonaro – a negação da ciência, o conservadorismo absurdo nos costumes, o obscurantismo das ideias de seus auxiliares mais próximos, o desrespeito ao meio ambiente e a tendência a querer governar por decretos inconstitucionais – esteja abrindo os olhos dos brasileiros para a importância das ideias liberais.

Neste século, o liberalismo é o contraponto perfeito à tendência mundial de crescimento do populismo nacionalista. Esta nova forma de autoritarismo se reflete na tentativa de imposição de ideias homogêneas, sem abertura para debate e controvérsias. Mas a intolerância é o avesso do liberalismo. Bolsonaro nunca foi nem nunca será um liberal. Seu governo também não. Melhor deixar o liberalismo fora disso.

Economista e advogada

Um freio em Bolsonaro - JOÃO DOMINGOS

O Estado de S. Paulo - 03/08

Supremo não precisaria ter julgado medida provisória das terras indígenas


A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que, pela unanimidade dos 10 ministros presentes à sessão de quinta-feira, manteve a demarcação de terras indígenas com a Funai, foi uma forma de a Corte mostrar ao presidente Jair Bolsonaro que ele precisa cumprir o que determinam a Constituição e as leis.

A rigor, o Supremo nem precisaria ter julgado se Bolsonaro poderia ou não ter editado a medida provisória que transferiu da Funai para o Ministério da Agricultura a demarcação das terras indígenas. No dia 25 de junho, depois de ouvir líderes partidários, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), devolveu ao Palácio do Planalto a parte da MP que tratava da demarcação.

Argumentou que Bolsonaro não poderia assinar tal medida, pois dias antes o Congresso decidira, ao votar a medida provisória que fez a reforma administrativa e deu uma nova cara à Esplanada dos Ministérios, que demarcação de terras indígenas era com a Funai. E que a Funai deveria ficar no Ministério da Justiça, assim como o Coaf deveria sair da Justiça e voltar para o Ministério da Fazenda, agora transformado no Ministério da Economia.

Legalmente, portanto, a parte da medida provisória que se refere à demarcação das terras indígenas não existia mais. É prerrogativa do presidente do Senado devolver medida provisória que considera inconstitucional ou contrária ao que determina a Constituição. Do governo de José Sarney (1985/1990) para cá há vários casos de devolução. Em 2015, embora aliado de Dilma Rousseff, o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), devolveu uma MP que tratava da desoneração da folha de pagamento das empresas.

Tanto a parte da MP sobre as terras indígenas já não existia mais que na quarta-feira, dia anterior ao julgamento, havia dúvidas no STF se o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, que concedera uma liminar para suspender os efeitos da medida provisória, a levaria ao plenário. Como Barroso optou por manter o tema na pauta, o plenário então decidiu que Bolsonaro não poderia ter editado a medida. O ministro Celso de Mello, o mais antigo do STF, disse no voto que a iniciativa de Bolsonaro “traduz uma clara, inaceitável, inadmissível e perigosa transgressão” às normas constitucionais. Afirmou ainda que ela deforma o princípio da separação dos Poderes.

O STF também não estava obrigado a julgar logo no primeiro dia de retorno das atividades do Judiciário a ação contra a MP, apresentada por PT, PDT e Rede. Mas a forma como Bolsonaro agiu durante o recesso, tanto do Legislativo quanto do Judiciário, fazendo declarações que negam fatos históricos e documentos oficiais, levou o STF a decidir-se por botar um freio no presidente. Entre as declarações polêmicas dele está uma em que contesta decisão da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos a respeito do sumiço, na ditadura militar, do estudante Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

Há no STF uma preocupação com as ameaças praticamente diárias do que se convencionou chamar de “ameaça de disruptura” da sociedade democrática. Essa ameaça partiria, principalmente, de movimentos que usam as redes sociais para fazer ataques aos pilares do estado democrático de direito. Entre eles, os alvos principais são o Congresso e o STF e seus representantes. Declarações como as que Bolsonaro tem dado contribuiriam para manter vivos esses movimentos todas as vezes em que atingem as instituições. Assim, a decisão do STF não visou apenas a MP da demarcação das terras indígenas, mas o contexto de todo um movimento que se sustenta, em parte, no que o presidente faz ou declara.

O espelho não mente - DEMÉTRIO MAGNOLI

Folha de S. Paulo - 03/08

Bolsonaro, como antes dele o PT, abomina o pluralismo e o suprimiria, se pudesse



Jair Bolsonaro e o PT desnudaram-se, quase simultaneamente, em fiéis autorretratos. No Brasil, o presidente asqueroso festejou uma ditadura do passado, comemorando o assassinato de Estado de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB. Horas antes, em Caracas, na reunião do Foro de São Paulo, representantes do partido de Lula festejaram uma ditadura do presente que já tem, em Fernando Albán e no capitão Rafael Acosta, seus próprios Santa Cruz. Tão diferentes, tão iguais: quando se olham no espelho, cada um vê, refletida, a imagem do outro.

“O presidente da OAB declarou guerra à gestão Bolsonaro, protegendo criminosos contra o governo. Assim como os terroristas comunistas haviam declarado guerra aos governos militares. E não há guerra sem que haja efeitos colaterais.” Na carta raivosa de um bolsonarista, emergem os signos de uma lógica compartilhada: a política como guerra permanente, o impulso do extermínio físico do “inimigo”.

Troque as senhas ocas de um discurso ritual —“terroristas comunistas” por “agentes do imperialismo”, “governos militares” por “poder bolivariano”— e, mágica!, agora quem fala é Mônica Valente, a representante oficial petista no ato de solidariedade a Nicolás Maduro. Quando Bolsonaro ergue um brinde aos torturadores do DOI-Codi, como ignorar o brinde petista aos seviciadores do Sebin? Almas gêmeas: Bolsonaro inveja a tortura que, por um acidente da história, não infligiu; o PT inveja a tortura que, por um acaso da geografia, não aplicou.

A guerra pode ser interpretada como continuação da política (Clausewitz), mas o inverso só é verdadeiro nas ditaduras. Nas democracias, o pluralismo assenta-se na crença de que ninguém —nenhuma corrente política— possui o monopólio da verdade ou da virtude. Daí, as convicções democráticas de que a oposição cumpre papel positivo, apontando alternativas às ações do governo, e de que a crítica veiculada pela imprensa ajuda a limitar o exercício excessivo do poder pelas autoridades. Bolsonaro, como antes dele o PT, abomina o pluralismo —e o suprimiria, se pudesse.

Os populismos nascem no chão da democracia, pelo voto popular, mas desencadeiam insurreições autoritárias que almejam destruí-la. “Nós” contra “eles”: o “inimigo do povo”, na narrativa do PT, converte-se no “inimigo da pátria”, na versão de Bolsonaro. Quem não recordou, ao ouvir Bolsonaro sobre Glenn Greenwald, as palavras de Lula sobre Larry Rohter? De uma pulsão exterminista à outra, giramos em círculos sem sair do lugar.

Pepe Mujica descobriu que o regime de Maduro “é uma ditadura, nada além disso”. O raio esclarecedor tocou-o, finalmente, com a publicação do relatório da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, alta comissária da ONU para direitos humanos, que descreve as prisões arbitrárias, as torturas e os assassinatos extrajudiciais cometidos sistematicamente na Venezuela. Mas, para interditar a hipótese de repúdio diplomático uruguaio à tirania chavista, o líder da facção dos ex-tupamaros na aliança governista acrescentou que ela, a ditadura, “pertence a eles”, os venezuelanos.

À luz da democracia, o adendo tático de Mujica está errado. As ditaduras, inclusive as “estrangeiras” e as “do passado”, pertencem a todos nós. Isso é o que está escrito nas leis nacionais e nos tratados internacionais de direitos humanos. Os corpos mortos, mutilados, de Albán e do capitão Acosta, assim como o cadáver desaparecido de Fernando Santa Cruz e de tantos outros, são parte de nós, da aventura humana no mundo. Hoje, no Brasil, são algo mais: pertencem ao presente e demarcam uma encruzilhada civilizatória.

As celebrações paralelas do terror de Estado —a do PT, em Caracas; a de Bolsonaro, em Brasília— explicitam projetos políticos simétricos. Inimigos-irmãos, eles se merecem. Nós os merecemos?

Demétrio Magnoli, sociólogo, autor de “Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial”. É doutor em geografia humana pela USP.

Reconhecer vínculo trabalhista entre motorista e Uber é equívoco - BRUNO GOMES DA SILVA

Gazeta do Povo - PR - 03/08

A lei trabalhista prevê que, para que exista vínculo de emprego, devem ser preenchidos, de forma concomitante, alguns requisitos: habitualidade, onerosidade, pessoalidade e subordinação. Quando preenchidos simultaneamente estes requisitos, estará configurado o vínculo de emprego.

No entanto, algumas decisões de juízes e Tribunais Regionais do Trabalho estão decidindo de outra forma em relação ao reconhecimento de vínculo, causando certa curiosidade e, principalmente, insegurança jurídica. É o caso do Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região, com sede em Minas Gerais, que neste último mês de julho reconheceu o vínculo de emprego entre um motorista e a Uber.

Sabemos que o aplicativo Uber se estabeleceu no Brasil em 2014, sendo uma plataforma americana prestadora de serviços eletrônicos na área do transporte privado urbano, e mais conhecido popularmente como “carona remunerada”. O Brasil é o segundo maior mercado da Uber, perdendo apenas para os Estados Unidos.


Reconhecer o vínculo de emprego entre motorista e a plataforma de transporte privado é decisão desconexa com a realidade tecnológica atual

Em um país em que tem cerca de 13 milhões de desempregados, o aplicativo veio para auxiliar pessoas a terem uma renda extra, ou mesmo como alternativa de trabalho para aqueles que estão desempregados. Afinal, quem deseja ser motorista do Uber tem a liberdade de utilizar o aplicativo quando necessário, sem qualquer tipo de cobrança de horário a ser cumprido ou subordinação. Portanto, o motorista pode ter uma atividade principal, não necessariamente de motorista, e durante seu período de folga pode utilizar a atividade de motorista de Uber para um complemento de renda.

Em nosso entendimento, a decisão do Tribunal do Trabalho de Minas Gerais é equivocada, não podendo ser reconhecido o vínculo de emprego entre motorista e a empresa Uber, pois não se acham presentes de forma concomitante os requisitos do artigo 2.º da CLT. Não há pessoalidade, pois não há a exigência de que seja o próprio usuário que esteja conduzindo o veículo. Qualquer pessoa pode se fazer representar pelo usuário, basta apenas que o celular esteja no carro com o aplicativo ligado para realizar as corridas. Não há onerosidade, pois não existe uma remuneração para os condutores. Eles ganham de acordo com sua quantidade de corridas realizadas. Quanto mais corridas realizadas, maior será seu ganho, mas não há exigência de um mínimo de corridas diárias. Não há subordinação, já que o aplicativo do Uber pode ser utilizado como bem entender o motorista. Ele pode trabalhar o dia que quiser e aceitar ou não a corrida ofertada pelo aplicativo. E, por fim, não há habitualidade, pois o motorista utiliza o aplicativo toda vez que entende necessário. Portanto, pode optar por trabalhar uma hora, dez horas, um dia, uma semana etc.

Portanto, como se pode perceber, não estão preenchidos os requisitos necessários para que seja reconhecido o vínculo de emprego. Ainda que supostamente se consiga preencher um ou outro requisito, isso não basta para o reconhecimento do vínculo, eis que todos devem ser preenchidos de maneira concomitante.

Reconhecer o vínculo de emprego entre motorista e a plataforma de transporte privado é decisão desconexa com a realidade tecnológica atual. Afinal, se for reconhecido o vínculo nestes casos, as empresas seriam praticamente obrigadas a se retirar do Brasil, o que ocasionaria um prejuízo grande à população, sem falar no aumento do número de desempregados sem qualquer renda. Afora isso, os encargos e obrigações trabalhistas no Brasil são muito exagerados para o empregador, em comparação com o que ocorre no restante do mundo. A persistir mais este entendimento equivocado, a Justiça apenas ajudará a agravar a imagem já existente, de que no Brasil não é fácil ser empresário, com certeza afugentando muitos investimentos estrangeiros no país.

Bruno Gomes da Silva é advogado trabalhista.

Desenvolvimento econômico e intervenção estatal (Parte II) - MARCUS PESTANA

O Tempo (MG) - 03/08

Papel social do governo e importância de sociedade e mercado

Fica claro que o papel do Estado é uma questão em aberto e que não há receitas prontas e exatas. A realidade sepultou os sonhos daqueles que advogavam um Estado máximo, onde o planejamento centralizado substituísse os mecanismos de mercado.

A questão passa a ser a calibragem ideal entre o livre jogo das forças de mercado e a intervenção regulatória e de política econômica do aparato governamental. Mas as crises cíclicas, os desequilíbrios e as desigualdades impõem algum grau de intervenção e arbitragem do Estado. Esta não é uma questão abstrata e depende das circunstâncias históricas concretas.

O Brasil faz parte do bloco dos países de industrialização tardia. Até a década de 1930, tínhamos a dinâmica de acumulação capitalista liderada pelo setor agroexportador herdado de nossas raízes coloniais e escravistas.

A industrialização por substituição de importações se deu com alta participação e indução estatal. Até a organização do mercado de trabalho partiu do Estado com a CLT. No período getulista, no Plano de Metas de JK e no Segundo PND de Geisel, mecanismos de incentivos e proteção cambiais, creditícios, fiscais foram usados a esmo de forma heterodoxa em nome do objetivo central da industrialização do país. Sem falar na intervenção direta do Estado-empresário em setores como petróleo, mineração, siderurgia, energia e telecomunicações. O resultado foi um país de razoável nível de complexidade industrial, um agronegócio moderno e competitivo e os maiores índices mundiais de crescimento entre o pós-guerra e 1980.

Mas a atual crise expõe a necessidade de mudanças radicais. A crise fiscal aguda impede qualquer sonho de reprodução do protagonismo do Estado. A economia contemporânea exige descentralização, inovação, flexibilidade. As respostas virão dos investimentos privados. E é preciso criar o ambiente de negócios adequado.

As características do desenvolvimento capitalista nos legaram disseminadas na sociedade e nas instituições uma cultura anticapitalista, uma visão paternalista da ação do Estado e um baixo espírito empreendedor e inovador.

É evidente que temos que ter políticas públicas para garantir a equidade social e ações muito bem calibradas do governo para regular e combater desequilíbrios e distorções de mercado. Mas temos que deslocar o protagonismo para a sociedade e para os empresários e a ação do Estado para a órbita exclusiva do social e historicamente necessário.

O anacronismo ideológico tenta impregnar o debate político com visões atrasadas e preconceituosas em relação à dinâmica capitalista. Pergunto: qual foi o mal causado pelas privatizações dos setores de mineração, siderurgia, telecomunicações e aeronáutico? E a quebra do monopólio estatal da PETROBRAS? Ao contrário, os resultados positivos são visíveis. Para que insistir em tabelamentos e controles excessivos de preços ou no paternalismo excessivo nas relações trabalhistas quebrado com a recente reforma trabalhista? Qual foi o resultado da última onda intervencionista da chamada Nova Matriz Econômica da era Dilma, com a desorganização do setor elétrico, do açúcar e álcool, “campeões nacionais” e voluntarismo fiscal? Um desastre!

Portanto, precisamos de menos retórica ideológica e mais pragmatismo e competência. Menos Estado e mais sociedade e mercado. Mais Brasil e menos Brasília.

Deltan deve ir para a cadeia? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 03/08

É bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas tenha se tornado público


Não há muita dúvida que é bom para a sociedade que o conteúdo das conversas hackeadas do pessoal da Lava Jato tenha se tornado público. Pudemos entender melhor como funcionam as entranhas da Justiça e ampliar nosso conhecimento sobre a natureza humana.

As consequências políticas da divulgação são inevitáveis. Sergio Moro e Deltan Dallagnol saem menores do episódio. Poderão ter dificuldades em dar seguimento ao que planejavam para suas carreiras. O caráter messiânico da Lava Jato também sai arranhado, o que não é mau desde que não se sacrifique toda a operação. Parece-me complicado, entretanto, usar as interceptações, que são um caso claro de prova ilícita, para condenar juridicamente quem quer que seja.

A questão das provas ilícitas é complicada, e a doutrina não é unânime, mas, de um modo geral, entende-se que elas não apenas não podem ser usadas no processo penal como ainda contaminam outras provas com que entrem em contato. Há, contudo, exceções. Elas podem, por exemplo, inocentar um réu.

Imaginemos um sujeito que foi condenado à morte, mas aparece uma gravação, obtida ilegalmente, em que outra pessoa admite ter cometido o homicídio. Seria obviamente uma loucura seguir com a execução, ainda que a prova seja ilegal e não sirva para condenar o real assassino.

Não é exatamente a mesma coisa, mas acho que, por derivação, dá para sustentar que as interceptações, ao revelar que Moro agiu com parcialidade em certos processos, podem levar à sua suspeição e possivelmente à anulação de algumas decisões. Usar essas provas para condenar Moro ou Dallagnol por algum crime que possam ter cometido, contudo, já me parece avançar demais.

O irônico aqui é que dupla fez um forte lobby para que o Congresso aprovasse uma legislação que flexibilizaria a vedação do uso de prova ilícitas. Eles perderam. Não acredito em deuses, mas admito que eles têm um profundo senso de ironia.

Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…"