Brasil tem chance de baixar juro e fazer reforma antes que o tempo feche no mundo
Países ricos afrouxam taxas de juros e ajudam a acalmar finanças por aqui
A economia do Brasil continua entre a desordem e a estagnação, mas o mundo, vasto mundo, lá fora dá um rumo para a nossa bagunça, ao menos no que diz respeito às condições financeiras.
A decisão desta quarta-feira do Fed, o Banco Central dos EUA, nos ofereceu outra dose de ansiolítico monetário. A taxa básica de jurosdeles fica na mesma, mas já olhando para baixo. A nossa continua a olhar para os lados, pois o Banco Central do Brasil também nesta quarta decidiu manter a Selic já enferrujada em 6,5%, sublinhando e dizendo em negrito e maiúsculas que, tudo mais constante, vai se mexer apenas se vierem reformas.
Pelo terceiro ano consecutivo, é bem provável que este país em depressão tenha taxa de inflação abaixo da meta. Mas passemos. Por enquanto, convém observar como o barquinho brasileiro é arrastado pelas correntes mundiais. A gente é muito jeca e dada a olhar demais para o umbigo sujo.
Desde que os juros americanos começaram a rolar a ladeira no mercado, em meados de maio, deu-se o seguinte: 1) as taxas de juros brasileiras no atacadão de dinheiro pegaram carona na banguela; 2) o Ibovespa saiu do fundo do pocinho deste ano; 3) o dólar saiu das alturas de R$ 4,10, mesmo preço em que estivera durante as semanas quentes da campanha eleitoral, em agosto e setembro.
Dado o histórico nacional, podemos reagir a boas oportunidades nos dando um tiro no pé ou mesmo na cabeça. Entretanto, mesmo o tumulto político bolsonariano nos rende por ora apenas uns sorvetes na testa.
Tudo em paz? Nunca está. Donald Trump pode requentar a guerra comercial com a China ou fazer uma bobagem mortífera com o Irã, não convém subestimar o líder antiglobalista. Além do mais, os bancos centrais dos países importantes estão afrouxando a política monetária porque suas economias estão mais lentas.
Crescimento menor não costuma ser bom para ninguém. Neste caso, a desaceleração é paulatina e, nos Estados Unidos, pouco notável. No balanço dos problemas, uma alta de juros seria muito pior do que a calmaria monetária devida à freada por enquanto suave das economias centrais. Não é por causa da lerdeza lá fora que o Brasil não está crescendo nada, mas porque arruinou sua economia de modo extraordinário e está em tumulto político faz seis anos.
Ganhamos algum tempo para consertar os danos e até um motivo adicional para baixar as nossas taxas de juros. Como se tem escrito nestas colunas, os negociantes do dinheiro grosso, “o mercado”, já diminuíram as taxas de seus negócios, no atacadão de dinheiro. As expectativas de inflação de quem faz negócio na finança são menores do que as inertes previsões de seus pares dos departamentos de pesquisa macroeconômica, aquelas compiladas semanalmente pelo BC.
Nem é preciso dizer que o BC sabe disso muito bem e faz tempo. É também óbvio que um revertério na reforma da Previdência tende a enterrar nossas cabeças na lama que está pelos nossos narizes. Isto posto, assim que a reforma passar pelo mata-burro, o BC vai ser agressivo com os juros?
“Taxa de juros não resolve a crise brasileira”, diz a conversa mole. Não, nenhuma medida parcial resolve. De resto, estamos falando aqui de curto prazo, de minorar danos e de uma atitude razoável que não causará prejuízo algum para a suposta alternativa (reformas estruturais, aumento de produtividade). Não podemos abrir mão de impulso racional algum para empurrar esta carroça.
Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).