terça-feira, junho 18, 2019

Deveria haver uma lei para isso - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 18/06

Nas democracias ocidentais, a lei foi invadindo todos os aspectos da vida humana


Vive e aprende, João. Leio na revista Time que o Reino Unido decidiu banir propaganda publicitária que perpetue "estereótipos de gênero". O leitor conhece: imagens de homens lendo o jornal no sofá da sala enquanto a mulher limpa a casa.

Esses estereótipos, segundo a Advertising Standards Authority, promovem a desigualdade entre os sexos (ou entre os gêneros, sei lá) e podem afetar negativamente a autopercepção das pessoas.

O mesmo vale para publicidade com crianças: rapazes sonhando com uma carreira na engenharia ou meninas sonhando com uma carreira no balé são possibilidades interditas. Imagino que o inverso já não seja problemático.
Angelo Abu/Folhapress

À primeira vista, a minha reação instintiva seria escrever que a lei se vergou à demência. Um homem, ou uma mulher, que se sente atingido na sua dignidade por causa de uma campanha publicitária está a precisar de tratamento, não de chamar a polícia.

Mas é preciso olhar para este caso anedótico como expressão de uma tendência mais vasta: a forma como, nas democracias ocidentais, a lei foi invadindo todos os aspectos da vida humana, produzindo uma forma de tirania que, no limite, põe em risco a própria democracia liberal.

Já tinha pensado no assunto várias vezes, sobretudo em questões de liberdade de expressão. Mas Jonathan Sumption, juiz da Suprema Corte no Reino Unido, pensou melhor: proferiu as famosas Reith Lectures de 2019, que podem ser escutadas no canal 4 da BBC, e foi direto ao ponto.

Até o século 19, argumentou Lord Sumption, grande parte das interações sociais eram governadas pelo costume e pela convenção. A lei, para seguirmos a formulação de John Locke, ocupava-se dessa trilogia sagrada que dá pelo nome de "vida, liberdade e propriedade".

Sim, seria ingenuidade pensar que, atendendo à complexidade da vida moderna, a fúria legislativa ficasse por aí.

Mas havia pelo menos um entendimento básico de que a criminalização de algo implicava um consenso moral sobre certos comportamentos. A maioria era contrária ao estupro, ao roubo, ao homicídio. A lei era a expressão desse entendimento majoritário.

Hoje, o império da lei mete o nariz em tudo que mexe. E, quando não existe consenso para que a lei tome forma, ela própria cria e impõe esse consenso.

Para regressarmos ao episódio dos "estereótipos de gênero", nada autoriza que os mesmos sejam criminalizados. Não apenas porque isso representa um ataque à liberdade de expressão; mas porque esses estereótipos não são sentidos pela esmagadora maioria como um problema moral de primeira ordem, comparável ao estupro ou ao homicídio.

"Estereótipos de gênero", como qualquer estereótipo, podem ser uma questão de mau gosto, grosseria, estupidez. Mas exigir que a lei intervenha em questões de gosto ou educação tem consequências nefastas.

Duas, segundo Jonathan Sumption. Para começar, as nossas sociedades, que gostam de se imaginar muito pluralistas e tolerantes, estão a regredir moralmente no tempo: fazem lembrar as sociedades pré-modernas na sua demanda por absolutismos morais.

A busca desesperada, dir-se-ia até histérica, de soluções legais para todos os problemas, todos os dilemas, todas as discórdias que existem no espaço público está em perfeita sintonia com o "ethos" das sociedades arcaicas ou teocráticas. O horror à dissensão é o mesmo. A idolatria do dogma e do tabu também.

Por outro lado, essa busca de uma segurança legal ilimitada é um convite para que o espaço público invada todo o espaço privado.

As ditaduras eram ótimas nesse abuso. A "ditadura legalista" em curso cumpre o mesmo propósito ao silenciar os indivíduos em nome da coletividade. Isso pode ser útil em certos casos?

Jonathan Sumption, um herdeiro de John Stuart Mill (1806-1873), admite que sim. Mas são casos em que existe um perigo claro para terceiros --por exemplo, discursos que incitam à violência direta contra grupos ou pessoas específicos.

Meras opiniões, por mais indigestas ou ofensivas que sejam, não cumprem esses mínimos olímpicos.

As palestras de Jonathan Sumption são um prodígio de racionalidade, erudição e coragem.

E são sobretudo um aviso: quando pedimos ao Estado para fazer sempre mais e mais e mais —"deveria haver uma lei para isso", eis o tique mental do nosso tempo— é a liberdade dos cidadãos que recua mais um pouco.

Até o dia em que desaparece da paisagem.

João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Filhos de Bolsonaro nomearam presidente do BNDES. E a fala torta do general - REINALDO AZEVEDO

UOL - 18/06


O engenheiro Gustavo Montezano, de 37 anos, com mestrado em economia, foi nomeado presidente do BNDES. É um profissional de mercado financeiro respeitado por aqueles de sua geração na área de crédito. Tem a aprovação até de uma turma já mais madura. Mas apresenta currículo para presidir o BNDES, o maior banco de fomento do gênero no mundo? A resposta unânime é "não". Vai dar certo? Não sei. Chegou lá por maus propósitos. Vai abraçá-los? A ver.

Uma coisa é certa: ele aceita cumprir "missões" meramente políticas num cargo técnico. E uma das que lhe foram atribuídas é levar adiante a caça às bruxas em gestões passadas no banco, muito especialmente a petista. Mais ainda: há um fato que está sendo subestimado no noticiário: trata-se de uma indicação não de Salim Mattar, secretário de Desestatização, de quem era segundo. Também não é uma escolha de Paulo Guedes, ministro da Economia.

FALA TORTA DE RÊGO BARROS

Quem nomeou Montezano foram os filhos de Jair Bolsonaro. A amizade vem ali da pós-infância, da primeiríssima juventude. Ou por outra: teremos, sim, um BNDES com viés ideológico. Os filhos o escolheram para ser o segundo de Mattar, e dali ele pulou para o BNDES. É tecnicamente ruim? Depende para quê. Já chego lá. Atenho-me antes à fala do general Rêgo Barros, porta-voz de Bolsonaro. Prestem atenção:
"O presidente tem, por concepção pessoal, naturalmente, a percepção de que eventuais pessoas que tenham participado de governos que colocaram o Brasil nessa situação catastrófica em que se encontra não devem compartir conosco a possibilidade de promover a melhoria do Brasil. É nesse contexto que o presidente trabalha. Por outra vertente, a escolha das pessoas que hão de dirigir os vários órgãos do governo do presidente Bolsonaro é nitidamente, e vocês já perceberam isso, dentro de um caráter técnico. Então, sendo um caráter técnico, o próprio substituto do Joaquim Levy, agora se apresentando, Gustavo Montezano, corrobora essa percepção do senhor presidente."


Há vários problemas na declaração de Rêgo Barros. Um deles é o próprio Régo Barros, um general de divisão da ativa. Quando ele usa a primeira pessoa do plural, como em "conosco", não se sabe se fala apenas do governo ou também das Forças Armadas. Em segundo lugar, mas não menos importante, cumpre destacar: Joaquim Levy já era Joaquim Levy quando foi escolhido para o comando do banco. Tinha servido à primeira gestão Lula como secretário do Tesouro (2002 a 2006) e ao primeiro governo Sérgio Cabral como secretário da Fazenda (2007-2010). Não colaborou com catástrofe nenhuma nem num caso nem noutro.

LEVY E O FUZILAMENTO DE FHC

No governo FHC, foi secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda; em 2001, economista-chefe do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Eram tempos em que Bolsonaro defendia o fuzilamento do então presidente em razão das privatizações. Quem, afinal, queria destruir o Brasil então? É professor de Economia, já trabalhou do FMI, no Baco Interamericano de Desenvolvimento e no Banco Mundial.

Meter Levy no saco de gatos pardos de pessoas que "participaram de governos que colocaram o Brasil numa situação catastrófica" é, antes de mais nada, uma mentira. Além de ser, obviamente, um desrespeito. Desrespeito que se estende a Marcos Barbosa Pinto, que havia sido escolhido por Levy para assumir a diretoria de Mercado de Capitais do banco.

ALGUNS "NOMES TÉCNICOS" DE BOLSONARO

A propósito, encaixam-se no critério de competência técnica, alardeado pelo porta-voz, os ministros Abraham Weintraub, da Educação; Ernesto Araújo, das Relações Exteriores; Damares Alves, das Mulheres, Família e Direitos Humanos; Ricardo Salles, do Meio Ambiente? Em todos esses casos, o chamado "viés ideológico" precede a competência e a experiência. Certamente a iniciativa privada de alta performance não os contrataria para um cargo de comando, não é mesmo?, como o Bradesco já contratou Levy. Então vamos com calma! Um pouco mais de respeito com a biografia alheia.

Tomara que Montezano se dê bem no cargo. O começo é torto. É visto pelo mercado como um bom analista de crédito. Talvez não haja quadro no BNDES com a sua expertise nessa área. Mas também há vozes graduadas que o consideram politicamente ingênuo. E aí sempre mora o perigo em área tão delicada. Certamente está calçando um sapato que, em princípio, é muito maior do que o seu pé. "Sapato não encolhe, e pé não cresce depois de certa idade, Reinaldo". Sim, é verdade. Estamos no terreno da metáfora, não é?, do simbolismo. Se assumir o cargo para ter um desempenho técnico, como promete o porta-voz, o pé pode expandir-se para a adequar-se ao sapato. Mas ele pode fazer o contrário, forçando o calçado a adaptar-se a seu tamanho. Aí os brasileiros é que vão pagar o pato pelas amizades dos filhos presidente de turno.


Gás natural mais barato - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S.Paulo - 18/06


Pouco depois de anunciar sua maior descoberta desde o pré-sal, em 2006, a Petrobrás já negocia com investidores privados a venda de participação na exploração dos seis campos de gás natural encontrados em Sergipe. Juntos, os campos de Barra, Cumbe, Farfan, Poço Verde, Muriú e Moita Bonita, a 80 km da costa de Aracaju, têm capacidade para produzir cerca de 20 milhões de m³ de gás natural por dia, o equivalente a um terço da produção nacional.

De acordo com estimativa da consultoria Gas Energy, a receita anual do negócio para a Petrobrás e seus sócios será de R$ 7 bilhões. Tanto a descoberta como os planos da empresa para a exploração do combustível na região são bastante alvissareiros. Para o Brasil, e para Sergipe e a Região Nordeste em particular, a grande produção de gás natural nos seis campos encontrados contribuirá muito para baratear o custo de energia e aquecer a atividade econômica. O mero anúncio da descoberta foi suficiente para provocar entusiasmo. “Virei um caixeiro viajante, batendo de porta em porta de indústrias, oferecendo as vantagens do gás natural a quem quiser se instalar em Sergipe”, disse José Augusto de Carvalho, secretário de Desenvolvimento Econômico do Estado.

O governo federal aposta que sairá de Sergipe “o gás mais barato do Brasil”, o que poderá concretizar uma promessa feita pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de aplicar um “choque de energia barata”, um ambicioso plano para reduzir em até 50% o custo do gás natural e, assim, “reindustrializar” o País. É compreensível a exultação com a recente descoberta e não há dúvida quanto ao peso que o custo da energia tem sobre as indústrias. Mas, dada a atual capacidade ociosa do setor, resta saber o que é a tal “reindustrialização” defendida pelo ministro Paulo Guedes.

A Petrobrás acerta ao manter-se fiel a seu planejamento estratégico, com foco na exploração do pré-sal na Região Sudeste, e negociar a venda de participação nos negócios em Sergipe. O alto investimento na exploração do gás natural poderia pôr em risco a saúde financeira da empresa, recuperada a duras penas após os arroubos irresponsáveis, não raro criminosos, que marcaram a gestão da Petrobrás durante os governos do PT.

Além disso, dada a alta complexidade geológica para a exploração do gás natural nos campos de Sergipe, somente empresas experientes, de grande porte, poderão se associar à Petrobrás. “A venda parcial desses ativos será muito boa para atrair parceiros com capacidade financeira e tecnológica e apetite para o gás. Vai acelerar os projetos”, avaliou o secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia, Márcio Felix.

Os campos de gás natural em Sergipe estão em uma área contida no plano de desinvestimento da Petrobrás, plano que foi comunicado ao mercado em maio do ano passado, por meio de “fato relevante”. Não se sabia, àquela época, a dimensão do potencial dos campos, o que só foi revelado há pouco, na divulgação do resultado financeiro do primeiro trimestre de 2019.

O anúncio gerou grande interesse em empresas do setor, “uma garantia de que o investimento vai sair. Quanto mais plural, menor o risco de os investimentos serem paralisados”, avaliou o presidente da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto. A participação de empresas privadas levará a uma saudável competição que só tem a beneficiar os consumidores de gás natural, principalmente as indústrias.

Outro ponto positivo que merece destaque é a possível retomada do setor de óleo e gás no País. A forte queda do preço desses insumos no mercado internacional combinada com a revelação do assalto à Petrobrás engendrado pelo PT, seus partidos aliados e grandes empreiteiras serviram para paralisar o setor. E isso pode ser só o começo. Felipe Kury, diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), vê o potencial da bacia de Sergipe como “muito promissor”. Ou seja, mais campos podem ser descobertos.


O poder sobe à cabeça - ELIANE CANTANHÊDE

FOLHA DE SP - 18/06

Como Trump, Bolsonaro demite subordinados até pela imprensa, mas Moro é Moro


O poder está subindo à cabeça de Jair Bolsonaro, que foi um militar atípico, polêmico, e um político apagado, inexpressivo, mas se torna um presidente cada vez mais audacioso, capaz de demitir três importantes quadros do governo pela imprensa. Essa é uma atitude arrogante e humilhante, ou “uma covardia sem precedentes”, segundo o deputado Rodrigo Maia.

Gustavo Bebianno, da linha de frente da campanha presidencial, quase foi ministro da Justiça, ganhou cargo e sala no Planalto e acabou virtualmente demitido por um tuíte do “02”, Carlos Bolsonaro.

Juarez de Paula, general da reserva, soube da sua demissão da presidência dos Correios após um café do presidente da República com jornalistas. Foi, aliás, um dos três generais demitidos numa única semana, na qual a principal vítima foi Santos Cruz, um dos oficiais de elite do Exército.

Joaquim Levy, economista escolhido pelo superministro Paulo Guedes para a presidência do BNDES, foi demitido com requintes de crueldade: em pleno sábado, numa rápida entrevista de Bolsonaro para jornalistas, com termos indelicados e uma menção desrespeitosa ao próprio Guedes, dizendo que nem consultaria o ministro para demitir o seu subordinado.

É um jeito atrapalhado de fazer as coisas. Ninguém nega o direito ao presidente de nomear ou demitir ministros e auxiliares, mas para tudo há regras, jeito, protocolo. Tal como seu ídolo Donald Trump, Bolsonaro está exagerando ao jogar homens ao mar.

Com uma curiosidade: antes de cair, eles se tornam zumbis. A demissão de Vélez Rodríguez demorou 12 dias para ser anunciada, a de Santos Cruz, mais de um mês, a de Levy, sabe-se lá quanto tempo, e a do general dos Correios, anunciada na sexta, ainda não tem data para ser formalizada. Ontem mesmo, ele falou aos funcionários dos Correios num tom pouco usual, na base do “daqui não saio, daqui ninguém me tira”. E deitou falação sobre a privatização da empresa, justamente o foco da crise com o presidente.

Por essas e outras, setores da opinião pública, do empresariado e do meio militar estão estranhando o estilo Bolsonaro. Antes, aplaudiam a “simplicidade” e o “jeitão descontraído” do presidente. Agora, desconfiam de que a simplicidade e o jeitão escamoteavam uma personalidade que reúne mandonismo, suscetibilidade a intrigas e ojeriza ao contraditório – o oposto do que se espera de um estadista.

Enquanto Bolsonaro apronta das suas, os postulantes de 2022 começam a se mexer. À frente deles, o afoito governador João Doria, homenageado, nada mais, nada menos, pelos mesmos anfitriões e na mesma casa que acolheu a campanha de Bolsonaro não faz muito tempo. A turma tem faro...

Quanto mais Bolsonaro surpreende (ou assusta), mais Doria ganha desenvoltura (e simpatizantes bolsonaristas). Aliás, um ataque especulativo semelhante pode estar ocorrendo contra o ministro Sérgio Moro, que entrou no alvo a partir de diálogos com os procuradores da Lava Jato divulgados pelo site The Intercept Brasil. A cada vez que Bolsonaro acena com um ministro evangélico para o Supremo, mais as ações de Moro caem nas bolsas de apostas, mais as do ainda juiz Marcelo Bretas sobem. Bretas é o Doria de Moro.

Bolsonaro não pode fazer com o ministro mais conhecido, mais admirado e mais amado do governo – o seu maior troféu – o que fez com Bebianno, Santos Cruz, Levy e Juarez de Paula, entre outros menos cotados e derrubados pelos seus filhos (como os presidentes da Apex). Mas, assim como ele não pode demitir Moro, Moro não tem para onde ir. Por ora, porque, depois, ninguém descarta a futura candidatura do ícone da Lava Jato à Presidência. É muito cedo, mas 2022 está começando.

Caça às bruxas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/06

Jair Bolsonaro força saída de Joaquim Levy do BNDES sem razões convincentes



Apenas por inexistência de palavra mais precisa chama-se de fritura o processo a que o presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem submetido auxiliares como Joaquim Levy, recém-saído da chefia do BNDES.

No jargão brasiliense, o termo descreve métodos menos explícitos de desgastar um subordinado e induzi-lo a deixar o cargo, em geral por meio de manifestações indiretas ou anônimas que se acumulam ao longo de dias ou semanas.

O que Bolsonaro fez com Levy foi um ataque público, grosseiro e espontâneo, dado que o tema nem sequer estava em pauta. O presidente informou ao país que o executivo estava “com a cabeça a prêmio”, alegadamente por pretender indicar um diretor com passagem pela administração petista.

Ao atacado não restava alternativa além de pedir as contas —mesmo porque o ministro Paulo Guedes, da Economia, tratou de endossar os vitupérios de Bolsonaro.

O que suscita inquietação no episódio não é a troca de nomes ou o futuro do BNDES. Espanta, isso sim, a futilidade dos motivos aventados para medida tão drástica.

Joaquim Levy ocupou a Fazenda no segundo mandato de Dilma Rousseff, numa tentativa atabalhoada de consertar estragos na economia e nas finanças públicas. Considerá-lo por isso um colaborador do PT —que na época sabotou-o o quanto pôde— constitui tolice das mais primárias.


O economista estaria resistindo, segundo outra tese, a “abrir a caixa-preta” do banco federal de fomento. Vale dizer, não havia revelado supostos procedimentos escandalosos nas operações da instituição durante os governos petistas.

Ora, não resta dúvida de que naquele período se promoveu uma expansão temerária dos desembolsos do BNDES, com escolha desastrada de empresas “campeãs nacionais” e subsídios desmedidos, de enorme custo orçamentário. Daí a ter havido dolo, entretanto, vai uma distância considerável.

Que se apurem as eventuais irregularidades, claro. Mas a missão de um dirigente de órgão estatal não pode ser uma caça às bruxas impulsionada por rancores ideológicos.

Ainda no sexto mês de governo, faltam elementos para avaliar de fora a atuação de Levy. Se Guedes arrependeu-se tão cedo de sua escolha, deveria ao menos ter zelado por uma substituição menos traumática —tarefa difícil, reconheça-se, sendo o presidente quem é.

Neófito no setor público, o ministro ainda está por demonstrar capacidade de formulação e execução. Para avançar além das bravatas costumeiras, dependerá da lealdade de servidores experientes.

O novo BNDES e a crise da Odebrecht - MÍRIAM LEITÃO

O GLOBO - 18/06


Um dos dois nomes que o ministro Paulo Guedes sugeriu para Joaquim Levy nomear para a diretoria foi exatamente o de Gustavo Montezano. Levy não quis nomeá-lo e agora é ele que vai assumir a presidência. A expectativa na área econômica é que o futuro presidente do banco, por estar integrado à equipe desde a época da campanha, possa acelerar o programa de privatização e de venda de ativos. Montezano assumirá um banco em crise, que teve quatro presidentes em três anos e seu nome foi anunciado no dia da recuperação judicial da Odebrecht, a maior da história do país e um dos mamúticos problemas a enfrentar.

Só a Atvos deve ao BNDES R$ 4 bilhões. Na Odebrecht são outros R$ 7 bilhões, com poucas garantias. Além de R$ 3 bilhões que estão fora da recuperação judicial, na chamada dívida extraconcursal. O pedido atinge a holding, mas não a Braskem, nem a construtora. O BNDES é o maior credor da Odebrecht. Montezano, que já foi do BTG, terá também que superar o ambiente de crise interna no banco provocado pela maneira grosseira como o presidente Jair Bolsonaro detonou o processo que afastou Levy.

O caso Odebrecht mostra as diversas crises do Brasil dos últimos anos. A corrupção, e a perda da reputação provocada por ela, a diversificação sem controle da empresa estimulada por empréstimos do governo, as frustrações com a queda de consumo pela recessão brasileira. Tudo junto levou a Odebrecht a vergar sob o peso dos R$ 80 bilhões de dívida. Na recuperação judicial estão R$ 51 bilhões. Os maiores credores são bancos públicos: BNDES, Caixa e Banco do Brasil.

A história do dia de ontem, em que a holding da Odebrecht pediu recuperação judicial, começou há muito tempo. A maior empreiteira do Brasil se afundou num lamaçal sem fim, financiando políticos de diversos partidos, principalmente do PT, que estava no poder. O grupo, já na terceira geração da família, decidiu escalar a corrupção criando até um bizarro departamento de propinas. Os crimes foram investigados, confessados e punidos na Operação Lava-Jato.

Além disso, o grupo fez algumas apostas que pareciam certas para quem acreditava que o Brasil continuaria a crescer. De 2010 a 2015, investiu fortemente no setor de etanol. Houve cinco anos de congelamento dos preços da gasolina, abatendo as empresas do setor. Comprou o aeroporto do Galeão, pagando um enorme prêmio, e o número de passageiros caiu. Investiu em concessão de estradas, e deu errado. Investiu em estaleiro para sondas para a Sete Brasil e fracassou. Nos últimos anos ela fez um enorme esforço para se ajustar, reduziu de 180 mil para 48 mil o número de funcionários. Mudou a conduta e as formas de controle. É a única empresa, das envolvidas na Lava-Jato, que aceitou ser auditada por procuradores americanos durante três anos. Tentava organizar suas dívidas, mas a Caixa a executou, depois que a LyondellBasell decidiu não comprar mais a Braskem. Ficou sem saída e ontem ajuizou o pedido de proteção judicial. No comunicado ao mercado, ela culpa a crise econômica que frustrou investimentos, e o “impacto reputacional dos erros cometidos”.

Num país em crise, com uma empresa dessa dimensão entrando em recuperação judicial, o BNDES, seu maior credor, passa a ter um novo e jovem presidente. Esse é apenas um dos muitos desafios que aguardam Gustavo Montezano. Na época da campanha, ele se ofereceu para trabalhar na preparação do programa. Depois de não ter sido aceito por Levy para a diretoria de privatização, foi trabalhar com o secretário de Desestatização Salim Mattar. Outro indicado por Paulo Guedes para Levy foi Fábio Abrão, para a diretoria de infraestrutura. Levy não quis, ficou com Mattar. Mas nada aconteceu na Secretaria de Desestatização. No governo, culpa-se a falta de integração do BNDES no processo, porque sem o banco a secretaria estaria sem a ferramenta mais importante. No BNDES, a informação é que não há lentidão, mas sim prudência, e que tudo tem sido preparado em negociação com o TCU. Na equipe econômica, o que se diz é que o BNDES não caminhava no ritmo adequado, e que agora tudo será acelerado. Na economia brasileira não há dia sem emoção.

Bolsonaro usa estatais de olho na reeleição - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 18/06

Justificou sua ingerência com razões político-eleitorais


Nos últimos dois meses Jair Bolsonaro fez intervenções em quatro das maiores empresas estatais. Em todos os casos, justificou sua ingerência com razões político-eleitorais.

Mudou a política de preços do diesel da Petrobras para atender eleitores: “Estou preocupado com os caminhoneiros; queremos preço justo”.

Interferiu no Banco do Brasil porque achou uma propaganda questionável aos olhos do seu eleitorado conservador: “A linha mudou, a massa quer respeito à família”.

Anunciou a demissão do chefe dos Correios porque “agiu como sindicalista” e se deixou fotografar com deputados do PT e do PSOL.

Demitiu o presidente do BNDES por contratar um técnico que trabalhara em gestão do PT: “Governo é assim, não pode ter gente suspeita”.

Bolsonaro criticava o uso do governo como palanque. Agora, por razões eleitoreiras se arrisca na ingerência indevida e no abuso de poder, atropelando a Lei das Estatais (nº 13.303) e a das Sociedades Anônimas (6.404).

No Planalto reafirma distância do ideário liberal contra o intervencionismo e o dirigismo na economia, assim como fazem seus adversários.

A “aliança em torno de valores”, lapidada pelo ministro Paulo Guedes, continua a ser miragem para os liberais no governo. O presidente segue coerente com o deputado Bolsonaro que, entre 1999 e 2010, se alinhou ao PT na Câmara na defesa de corporações e na concessão de benesses ao setor privado (incentivos, anistias etc.). Essa dobradinha já foi exumada pelo pesquisador Bruno Carazza.

Já houve dias em que Bolsonaro foi à Câmara para proclamar: “Confesso que votei no Lula.” Chamava-o de “companheiro” e o aconselhava a só escolher ministros depois de consultar “quadros do PT, do PCdoB e de outros partidos.” Em dezembro de 2002, discursou para Lula, enigmático: “Não quero ser oposição. Não serei situação pela situação.”

No palanque do Planalto, Bolsonaro aplaina caminho às urnas de 2022 — embora tenha prometido acabar com “a reeleição, o que no caso começa comigo”. Nunca mais tocou no assunto. Talvez seja caso de amnésia por conveniência política.

A guerra dos Brasis - FERNÃO LARA RESENDE

O Estado de S.Paulo - 18/06

No ‘apartheid’ nacional, o País Real continua à margem da lei, que é feita pelo País Oficial



Sob os repiniques da bateria em torno dos grampos do Joesley desta véspera de votação da reforma da Previdência (escrevo na quinta-feira 13/6), agora a cargo dos arrombadores a soldo de um certo The Intercept, uma das marcas-fantasia de PSOL, PT e cia., está consumado o tombo do costume na última tentativa do País Real de abolir a escravatura.

Com os Benefícios de Prestação Continuada de abre-alas, o velho bloco do Me Engana Que Eu Gosto passou batidos os “jabutis” que realmente lhe interessavam: o regime de capitalização, que mataria para todo o sempre o comércio de privilégios previdenciários, a mais produtiva mina de ouro de quem tem o poder de vendê-los, e a manutenção da constitucionalidade das normas da Previdência, a garantia vitalícia pela qual cobram caríssimo esses comerciantes. A reforma da Previdência já entra na avenida castrada, conforme o prometido, portanto, e com o favelão nacional com todos os “acessos” espetados nas suas veias mantidos para que o País Oficial possa continuar servindo-se na medida da satisfação dos seus luxos.

O apartheid brasileiro tem raízes profundas. O Brasil Real, o Brasil que deu certo, o Brasil que se fez sozinho escondido do outro, este Brasil continua, como sempre esteve, à margem da lei. A lei foi feita pelo País Oficial, o antiamericano, o que sempre viveu das “derramas”, o que enforcou Tiradentes, o que invadiu o Rio de Janeiro em 1808, de modo a não poder ser cumprida jamais. É a continuação do Brasil dos traficantes de escravos que compravam pedaços do Estado (feudos) e “títulos de nobreza” ao rei. São as deles as tais instituições que “estão funcionando”.

Só dois pontos destes dois Brasis sempre estiveram conectados: as mãos de um e os bolsos do outro. No mais, são antípodas em tudo. Na educação, bola da vez, há os nédios professores das universidades públicas que comem o grosso da verba nacional, aposentam-se na flor da idade e dão aulas nos enclaves privatizados do território brasileiro onde polícia não entra (Coafs e tribunais de contas, menos ainda) e se formam, “de graça” e sem lei, os quadros da elite do País Oficial. E há as professorinhas miseráveis, que não se aposentam nunca, das escolas básicas varejadas de balas perdidas, caindo aos pedaços, creches de quase adultos que vão lá para comer da mão do País Oficial o pão que a “educação” que ele lhes serve não consegue comprar.

O sindicato desses diferentes professores é, no entanto, o mesmo. Com estrutura nacional, vem a ser o núcleo duro da defesa da privilegiatura. Escudados na miséria das professorinhas, são os professorões que organizam aquela rede que sai em passeatas milimetricamente cronometradas com as pautas em tramitação no Congresso Nacional e nas redações que empregam seus parentes, amigos e correligionários, para “provar” a “impopularidade” de acabar com os salários e as aposentadorias 100 vezes, 50 vezes, 30 vezes na média nacional maiores que as do favelão que paga a conta.

Mas não foi a derrota desse Brasil que saiu nas manchetes. Já não é mais nem “o governo” que “perde” ou “ganha” as batalhas entre os dois Brasis. Agora é só “o presidente Jair Bolsonaro” que “sofre derrotas no Legislativo e no Judiciário”, seja na batalha para o favelão nunca mais ter de pagar lagostas e vinhos tetracampeões aos STFs de sempre, seja para que o Estado conceda à plebe a graça de não ser enjaulada quando recusar-se a deixar-se mansamente matar e insistir em defender a própria vida contra quem resolver atentar contra ela.

As redações congregam os últimos brasileiros que ainda não entenderam com quem estão lidando. A bandidagem mata 65 mil. A bandidocracia mata milhões por ano. O conluio entre as duas é aberto a quem interessar possa, do grande tráfico de entorpecentes, hoje privilégio de governos praticantes do tipo de “excesso de democracia” que o lulopetismo prega, para baixo. Mas a imprensa tem mais medo do povo obediente à lei, da polícia, dos promotores e dos juízes que realmente apitam faltas do que deles. Nem a “epidemia de ansiedade” que acomete o povo brasileiro como a nenhum outro do planeta é associada ao que quer que seja de especial. É mais uma daquelas notícias que os âncoras de TV leem com cara de paisagem. Uma doença sem causa. Nada a ver com os 40 milhões de desempregados e subempregados nem com a montanha de assassinados.

Para a unanimidade da imprensa brasileira essa carnificina só tem a ver com o “acesso a armas” que – advertem – ou nega-se terminantemente à subraça tupiniquim ou ela sairá matando desbragadamente por aí. É como se esse acesso já não estivesse drasticamente proibido há 14 anos, contra a vontade expressa em voto pela população, e não estivesse sendo provada 65 mil vezes por ano, 5.342 vezes por mês, 178 vezes por dia a mentira de associar desarmamento com segurança pública.

No quesito segurança, aliás, o esforço concentrado da ala mais “progressista” do nosso jornalismo é para discriminar cadáveres. Depois de todo o resto a desigualdade em nome da igualdade chega, finalmente, aos necrotérios. Cadáver de mulher vale mais – e dá pena mais pesada – que cadáver de homem e menos que cadáver de homossexual ou de transgênero. E, em todas essas subcategorias, ganham “peso 2” os que acumulam a qualidade de não brancos.

Tudo isso tem precedência, no jornalismo pátrio, sobre a guerra aberta entre os dois Brasis cuja existência ele nem sequer reconhece. Ele permanece surdo ao País Real, mas sempre pronto a disparar sem pensar uma vez e meia todo e qualquer petardo que a bandidocracia houver por bem enfiar-lhes nas culatras “de acesso”, e a invocar a lei escrita pela bandidocracia para manter eternamente intactas as leis escritas pela bandidocracia, para julgar todo mundo que ousar tratar de alterá-las.

Se o Brasil “é uma democracia”, como parecem crer 9 entre 10 dos nossos jornalistas, qualquer alteração no status quo será “antidemocrática”. O.k., então. E para onde vamos na sequência da aceitação dessa premissa?

A insaciável máquina do desperdício de dinheiro - CELSO TRACCO

GAZETA DO POVO - PR - 18/06

Já é consenso geral que a máquina pública brasileira é insustentável em relação ao que o país arrecada. Os gastos com salários, aposentadorias, pensões, verbas de gabinete, contratação de assessores, privilégios, mordomias, festas etc. são um escandaloso e abjeto desperdício de dinheiro do contribuinte que, em contrapartida, não tem segurança, escola, hospitais, creches, estradas decentes, infraestrutura. Não tem direito a uma vida digna e nem esperança de um futuro melhor. Por máquina pública entendemos os três poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário, nos três níveis de governo: federal, estadual e municipal. Perto de 80% da arrecadação de impostos vai para alimentar essa monstruosidade que, aliás, só cresce. Um escândalo sem tamanho, um peso insuportável que a população carrega e que só será eliminado com uma mudança do sistema político brasileiro.


O atual sistema político brasileiro é, na essência, um inimigo da nação

Vejamos alguns dados dos municípios brasileiros, onde a vida dos contribuintes acontece. O Brasil tem 5.570 municípios e, destes, cerca de 1,4 mil têm até 5 mil habitantes; 1,3 mil têm entre 5.001 e 10 mil habitantes; outros 1,4 mil têm de 10.001 a 20 mil habitantes. Por lei, esses 4,1 mil municípios precisam ter, no mínimo, nove vereadores.

O que um vereador pode fazer, politicamente, em uma cidade de 10 mil habitantes? E por que ela precisa de nove vereadores? Isso significa praticamente um vereador para cada mil habitantes. Será que essa proporção se repete em profissões essenciais? Será que é essa a proporção de professores qualificados nessas pequenas cidades? Além do óbvio custo para a população, certamente esses vereadores vão criar leis para justificar seu salário, leis que provavelmente não trarão nenhum benefício para a população.

Mas nem por isso devemos pedir para extinguir as Câmaras de Vereadores. Devemos é lutar para que esses nobres políticos sejam realmente servidores públicos, ou seja, que cidades até 20 mil habitantes não remunerem seus vereadores. Que seja um serviço voluntário, pois certamente eles não precisam doar todo o seu tempo para a cidade. Seria uma espécie de conselho de cidadãos e cidadãs que se reuniriam uma vez por semana durante, talvez, três horas. Creio que o farmacêutico, o padre, o delegado de polícia, o dono do posto de gasolina devem conhecer a maioria dos munícipes e suas necessidades. Não precisam deixar suas atividades normais para exercer um serviço público. Além disso, a enorme maioria dessas cidades não gera receita para pagar seu funcionalismo, vivendo de repasses (favores) dos governos estadual e federal.

O que nos leva a outra discussão: por que esses municípios existem, se não geram renda para se manter? A máquina de desperdício de dinheiro em causas inúteis gera ignorância, desnutrição e morte, pois deixa desassistida a população necessitada. O atual sistema político brasileiro é, na essência, um inimigo da nação.

Celso Tracco é escritor, palestrante e consultor.

Joaquim Levy: um estudo de caso - GUSTAVO NOGY

GAZETA DO POVO - PR - 18/06

A demissão de Joaquim Levy deveria servir como estudo de caso para quem de fato se preocupa com as randômicas motivações de Jair Bolsonaro. Não servirá àqueles que preferem aplaudir a analisar. Em tempos de irracionalismo, ignorância voluntária dá ibope. Não julgo; constato.

O ex-presidente do BNDES era um dos ótimos quadros do governo, parte importante do festejado dream team econômico. De perfil técnico, avesso a embates ideológicos e a fofocas políticas, discreto num meio de indiscretos, Levy foi decapitado à luz do dia pelo mitológico presidente.

Tudo feito num tom acima, com ares de escândalo, como se Levy tivesse traído o país em tempos de guerra. O presidente disse que já estava “por aqui” com o economista, e que sua “cabeça estava a prêmio há algum tempo”. À maneira dos carteis mexicanos, quis expor o cadáver para servir de exemplo aos recalcitrantes.

Líder nato.

Pouco importa se o desavisado pivô do entrevero, Marcos Barbosa Pinto, é competente, técnico e desinteressado de ideologias. Bastou ter tido contato com o PT para ser petista, como se petismo fosse doença contagiosa.

Ou, pensando bem, bastou qualquer coisa que tenha bastado: “caixa-preta”, “comunismo”, “casamento”, “beijo hétero” – o glossário da nova era não é dos mais vastos, mas é bastante adaptável às variações de humor de quem dele faz uso.

Nas últimas horas começaram a pulular outras, aspas, explicações: Levy não cumpria o combinado; Levy não era o preferido de Bolsonaro, que o aceitou por respeito a Guedes; Levy não abria a tal da caixa-preta. Em suma: a competência está sujeita à afabilidade política e à subserviência hierárquica.

De um jeito ou de outro, a demissão de Joaquim Levy também compromete – e redefine – o prestígio do próprio Paulo Guedes. É mais uma das eloquentes manifestações de um presidente que confessa não entender nada de economia, mas não economiza oportunidades de se meter nela.

E o ministro, ao participar servilmente da fritura pública de um indicado seu, sai menor do episódio – reduzido a assistente de cozinha do chef que não sabe cozinhar. O recado que fica: nem o mais técnico dos ministros técnicos tem de fato autonomia funcional.

Outro nome do mercado será escolhido, garantias serão feitas, elogios serão abundantes, mas tudo dependerá da adequação do profissional – não ao governo, o que seria óbvio, mas às maquinações ideológicas de improviso, que teimam em se intrometer nos altos escalões da burocracia.

Mas fiquemos sossegados, pois esse é um governo técnico, que faz indicações técnicas, monta ministérios técnicos e só toma decisões técnicas para o bem de um país técnico. E quem resmunga é acusado de, tecnicamente, torcer contra o país.

Já estou por aqui com ele."

A reforma da Previdência e os rompantes desnecessários - EDITORIAL GAZETA DO POVO

Gazeta do Povo - PR - 18/06
O padrão de vida médio de um povo depende do quanto a nação produz em relação ao tamanho da população. Em um país pobre, a única possibilidade de superação da pobreza e elevação do padrão de bem-estar social é pelo aumento da produção nacional acima do aumento da população. Não há meio de sair da pobreza sem crescimento econômico, e este, por sua vez, depende das expectativas, da crença no futuro e na capacidade do país em solucionar seus problemas. As expectativas exercem um papel na mente das pessoas; suas decisões e ações são estimuladas ou inibidas conforme as expectativas e a confiança no país.

Nesse sentido, nada é mais importante no Brasil de hoje do que a demonstração de que a nação – sociedade e governo – é capaz de resolver os graves problemas existentes, como o desequilíbrio das contas do setor estatal, os déficits públicos crônicos, a falência estrutural da Previdência Social tanto dos trabalhadores privados quanto dos funcionários públicos, a gigantesca taxa de corrupção, o baixo nível educacional e a eterna instabilidade política.


Executivo e Legislativo estão juntos no esforço para aprovar a Nova Previdência. Isso exige níveis excepcionais de lealdade, cooperação e maturidade

É nesse contexto que entram os últimos acontecimentos ligados ao projeto de reforma da Previdência que o governo de Jair Bolsonaro enviou para o Congresso Nacional. Com a divulgação do relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), trazendo mudanças que reduziram a economia prevista para menos de R$ 1 trilhão em dez anos, com uma redistribuição de recursos para compensar parte das perdas causadas pelas alterações, o ministro da Economia, Paulo Guedes, fez duras críticas aos deputados na sexta-feira passada, dia 14. Como Guedes fez questão de tornar pública a sua insatisfação, demonstrando aquela falta de traquejo político que o próprio ministro já admitiu no passado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também se pronunciou publicamente, dizendo que estava protegendo a reforma da "usina de crises" do governo; nesta segunda-feira, dia 17, Maia acrescentou que as críticas de Guedes uniram o Legislativo em torno da proposta, e atacou o ministro de forma mais incisiva por outro motivo, a demissão de Joaquim Levy do cargo de presidente do BNDES.

A legislação confere aos presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados um grande poder: sozinhos, eles têm a capacidade de definir o que o parlamento vai votar e o que não vai. Decidem o que pôr e o que tirar da pauta das duas casas legislativas, de forma que acabam sendo os únicos a definir que problemas serão enfrentados e quais serão deixados de lado. Um poder que pode ser fatal para o país se usado para atrasar a tramitação de projetos essenciais para a nação, mas que pode vir para o bem quando seu detentor se compromete com as pautas fundamentais para a retomada do crescimento.

Maia, é verdade, já esteve em rota de colisão frontal com o governo federal. No fim de março, após cobranças do ministro Sergio Moro relativas ao pacote anticrime e críticas do sempre verborrágico vereador Carlos Bolsonaro nas mídias sociais, o presidente da Câmara insinuou que deixaria a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, chegando a dizer que “o governo é um deserto de ideias” e que estava “cansado de apanhar”. Em maio, o presidente da Câmara foi apontado como mentor de uma articulação do Centrão para propor um projeto alternativo à reforma de Bolsonaro e Paulo Guedes.

Mais recentemente, no entanto, Maia tem demonstrado um comprometimento notável com a aprovação da reforma da Previdência. O “projeto alternativo” foi abandonado; logo depois das manifestações do dia 26 de maio, Maia se encontrou com Bolsonaro e os presidentes do Senado e do STF, resultando no anúncio de um pacto para a retomada do crescimento no país. Com a possibilidade de as festas juninas atrapalharem a votação do parecer de Moreira na Comissão Especial, Maia vem articulando com líderes partidários para evitar o esvaziamento da Câmara – qualquer novo atraso na tramitação dará menos tempo ao plenário para que aprove a reforma antes do recesso de julho.

A sociedade já entendeu que a reforma é necessária, sob pena de lançar o país num buraco financeiro com consequências trágicas para as contas públicas e para as futuras gerações. Mudanças de humor, tuítes desastrados e ataques públicos totalmente evitáveis já fizeram o mercado e os agentes econômicos balançarem para um lado e para o outro por muitos meses. É hora de pensar no Brasil e trabalhar em favor das soluções tão necessárias. Os principais personagens precisam compreender que Executivo e Legislativo estão juntos no esforço para aprovar a Nova Previdência. Isso exige níveis excepcionais de lealdade, cooperação e maturidade para resolver divergências, expondo-as primeiro diretamente ao interlocutor; e, se for necessário levar algum tema a público, fazê-lo de forma respeitosa com aqueles que comungam dos mesmos objetivos. Debater o mérito das medidas e sugerir alterações é atitude legítima, mas sem se deixar levar por rompantes de indignação sempre tornados públicos – especialmente agora, quando as perspectivas de aprovação nunca foram tão positivas."

Uma ameaça à democracia - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 18/06


Não há projeto político maduro de governo, mas uma incontinência verbal de Bolsonaro que, não raras vezes, é incongruente. Como zagueiro que dá caneladas, na metáfora futebolística a seu gosto, às vezes Bolsonaro se arrepende, mas não perde a viagem. Fala o que lhe passa na cabeça, sem filtros, e, pior, escreve no twitter o que pensa, ampliando um ambiente de insegurança política.

A gravidade de suas palavras, como a de todo presidente da República, parece ser desconhecida por ele. Ou, como já disse o general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), faz tudo de modo pensado, como uma estratégia política. Nesse caso, seria mais grave do que simplesmente dizer besteiras.

Besteiras, a ex-presidente Dilma Rousseff também dizia. O perigo é executar as besteiras, como ela fez e perdeu o cargo. De tantas besteiras, a mais grave foi dita no sábado à noite em Santa Maria, interior do Rio Grande do Sul.

Durante evento em memória ao marechal Emilio Mallet, o patrono da Artilharia, Bolsonaro voltou a defender a ditadura militar, mas, desta vez, foi mais longe, e ligou a atuação dos militares na ocasião ao armamento dos cidadãos que propõe hoje.

Para defender a ampliação das licenças para porte de arma, que a Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) vetou, Bolsonaro disse: “(...) Além das Forças Armadas, defendo o armamento individual para nosso povo, para que tentações não passem na cabeça de governantes para assumir o poder de forma absoluta”.

São frases claramente ameaçadoras da democracia e, ditas pelo presidente da República, mais graves do que, por exemplo, a do presidente da CUT falar em “pegar em armas” para defender Dilma dentro do Palácio do Planalto.

Embora a então presidente não tenha desautorizado o líder sindical, as palavras não saíram de sua boca. Mais grave até que a frase de Lula, que falou na sede da Associação Brasileira de Imprensa em 2017: “Também sabemos brigar. Sobretudo quando o Stédile colocar o exército dele nas ruas”.

Lula já era ex-presidente, embora seu partido estivesse no poder e ele fosse, inegavelmente, seu líder maior.

Além da gravidade em si, a fala de Bolsonaro é incongruente, pois ele defende o governo militar fruto de um golpe para dizer que quer armar o povo para impedir golpes.

Quem quer impedir pelas armas que um governante qualquer tenha a tentação de dar um golpe, pode também ceder à tentação de dar um autogolpe, em nome da maioria armada da população.

É conclamar a uma guerra civil, pois nem todos os cidadãos armados serão a favor de um governo Bolsonaro sem as peias institucionais que tanto o desagradam. A ponto de ele, nesse mesmo discurso, falar que precisa mais do povo a seu lado do que do Parlamento.

A disputa constante entre Parlamento e governo, aliás, vai continuar – eles estão em confronto, e nenhuma das partes dá sinais de querer trégua.

O ministro Paulo Guedes criticou muito o Congresso que, por sua vez, assume cada vez mais o protagonismo político, tentando limitar os poderes do Executivo.

Bolsonaro insiste em desmoralizar o Congresso, e o ministro da Economia afirma que deputados sucumbiram ao lobby dos servidores públicos. Mas Rodrigo Maia está conseguindo convencer os deputados que aprovar a reforma da Previdência é bom para a imagem da Câmara, e para tirar de Bolsonaro e Guedes a primazia dela.

Esclarecimento

Recebi do presidente da Comissão de Direito Penal do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Marcio Barandier o seguinte esclarecimento a respeito de comentário meu na coluna intitulada Juiz das Garantias: “O IAB se posicionou contrariamente ao uso da denominação “juiz de garantias” em lei. Primeiro, porque se trata de um pleonasmo, afinal, todo e qualquer juiz tem necessariamente o compromisso de zelar pelas garantias constitucionais e processuais; segundo, porque o PLS continha perigosa ambiguidade sobre o tema, na sua exposição de motivos, ao dizer que o objetivo seria tutelar as liberdades individuais e, ao mesmo tempo, fortalecer as funções de investigação, o que configuraria, neste último caso, um desvio de função, na medida em que juiz não investiga. No entanto, o IAB posicionou-se sim pela separação entre o juiz que pratica determinados atos decisórios durante a fase investigatória e o juiz que atua na fase judicial (ação penal).

Bolsonaro segue assolando o seu próprio governo - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO

Valor Econômico - 18/06

O presidente Jair Bolsonaro acelerou o trabalho de desmontagem do próprio governo. Na semana em que o deputado Samuel Moreira (PSDB) apresentou seu relatório sobre a crucial reforma da previdência, Bolsonaro estava preocupado com outras coisas. Por exemplo, demitir, um dia sim e o outro também, desafetos. O primeiro da semana foi o ministro da Secretaria de Governo, general Carlos Santos Cruz, o presidente dos Correios, general Juarez Cunha, e o presidente do BNDES, Joaquim Levy - os dois últimos pela imprensa. O presidente disse no sábado que estava farto de Levy e ordenou que ele demitisse Marcos Barbosa Pinto, nomeado para a diretoria de Mercado de Capitais do banco, caso contrário seria também mandado embora. Levy pediu demissão no domingo, no início da manhã.

Por motivos nunca claros, membros do primeiro escalão do governo e das estatais ascendem e são derrubados ao sabor das idiossincrasias de Bolsonaro e de seus filhos internautas, Carlos e Eduardo, de onde quase sempre parte a balbúrdia no governo. Santos Cruz trombou com a dupla e o pseudo-filósofo, Olavo de Carvalho, e, no episódio da intromissão indevida do presidente em um comercial do Banco do Brasil, lembrou a ele que não poderia mandar na propaganda das estatais pois existem leis sobre isso. Dono do cofre da Comunicação, regulou recursos da propaganda e chocou-se com os interesses do secretário da Secom, Fabio Wajngarten, indicado pelos filhos de Bolsonaro.

As demais demissões saíram da cabeça do presidente, que age por impulsos aparentemente incontroláveis. Acostumado a ver petistas por todos os lados, Bolsonaro enxergou tons explícitos de "sindicalismo" no presidente do Correios, Juarez Paula Cunha, que disse ser contrário à privatização da estatal. Foi demitido em entrevista coletiva, mas mantinha-se no cargo na segunda-feira à tarde.

Joaquim Levy entrou como alvo de delírios persecutórios do presidente. Bolsonaro não gostou da indicação de Marcos Barbosa Pinto, advogado, ex-chefe de gabinete da Presidência do BNDES na gestão de Demian Fiocca (2005-2006) e ex-sócio da Gávea Investimentos, do ex-presidente do Banco Central, Arminio Fraga. Barbosa ajudou a formatar o Prouni e sua carreira em governos petistas levou Bolsonaro a julgá-lo um deles - algo distante da verdade.

O próprio Levy fora secretário do Tesouro do primeiro governo de Lula e breve ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. Diretor do Banco Mundial, foi convidado por Paulo Guedes para o cargo, depois que o ministro da Economia esmerou-se em obter aprovação de Bolsonaro, que seguiu desconfiado do currículo de Levy. Guedes lavou as mãos sobre a demissão e também o criticou. "O grande problema é que ele não resolveu o passado nem encaminhou solução para o futuro", disse o ministro ao G1. Do passado assombra os presidentes do BNDES a insistência de Bolsonaro em abrir a "caixa preta" do banco, uma missão que pode se revelar infrutífera, apesar dos esforços.

Como se o governo fosse dotado de uma linha de ação clara e transparente, com passos definidos e metas claras, a solução para o futuro cobrada de Levy não é algo que se tira do bolso do paletó. O BNDES foi o único fornecedor - com menos dinheiro, ainda é - de crédito de longo prazo no Brasil. O banco seguiu os desígnios de governos eleitos, petistas, e sua política ruiu junto com a desastrosa política econômica de Dilma Rousseff. Como ministro de Dilma, Levy pretendia que o banco iniciasse a devolução de R$ 487 bilhões ao Tesouro.

A devolução desse dinheiro foi agora uma pedra na garganta de Levy. Paulo Guedes definiu que a fatia do banco no ano é de R$ 126 bilhões. O presidente do BNDES fez o certo: devolveu R$ 30 bilhões e ficou de examinar o restante, até porque não se trata de decisão simples. O Tribunal de Contas exigiu procedimentos para evitar que a volta dos recursos ao Tesouro seja considerada pedalada fiscal ilegal. Levy estava pesando, o que não é trivial, se parte do dinheiro
seria ou não necessária para atender a demanda por empréstimos. Cautela e relutância parecem ser sinônimos no irado governo Bolsonaro.

A carteira de crédito líquida do banco despencou de mais de 10% do PIB para algo em torno de 7% e os desembolsos caíram a menos da metade. Com Levy, o banco ajustava o foco a algo que já lhe é natural, o financiamento da infraestrutura, e pretendia mover fatia importante de recursos para a inovação. Mudar a linha de um banco que esteve no centro da política econômica por quase duas décadas não é uma tarefa solitária. A culpa que lhe foi atribuída indica que, para o governo, era.

Quanta transparência? - HÉLIO SCHWARTSMAN

FOLHA DE SP - 18/06

Prestigiado jurista americano propõe que se distinga a de entrada da de saída

A transparência é um elemento fundamental no sistema de freios e contrapesos que caracteriza o Estado democrático, mas de quanta transparência estamos falando? Moro e Dallagnol tinham direito ao sigilo em suas conversas?

Cass Sunstein, o prestigiado jurista americano, propõe que se distinga a transparência de entrada (“input”) da de saída (“output”). A primeira diz respeito ao processo pelo qual agentes governamentais tomam uma decisão; a segunda é a própria decisão.

Como regra geral, diz Sunstein, a transparência de saída deve ser assegurada. Se o BC optou por elevar a taxa de juros, por exemplo, essa determinação precisa, até para efetivar-se, ser tornada pública. É só num número muito restrito de ocasiões, em geral envolvendo a segurança nacional, que decisões podem ser mantidas sob sigilo —e mesmo assim por tempo determinado.

A transparência de entrada é mais complicada. Como diz Sunstein, há bons motivos para não expor aos olhos de todos o processo de deliberação interna pelo qual autoridades tomam decisões. Se tudo for sempre para os registros, será menor o nível de abertura e honestidade com o qual servidores debatem questões importantes, com possível prejuízo para a qualidade das escolhas. De resto, uma transparência de entrada forte geraria enormes quantidades de dados sem muita relevância, exceto para alimentar fofocas.

Penso que as considerações de Sunstein fazem sentido, mas não podemos nos esquecer de que elas são uma regra geral, que não pretende dar conta de tudo o que pode acontecer. Por vezes, deliberações internas, que deveriam estar protegidas pelo sigilo, revestem-se de forte interesse público. Cito dois exemplos: a conversa entre Dilma e Lula, na qual ela diz que o nomearia ministro, e a troca de mensagens entre Moro e Dallagnol.

Eu pelo menos não consigo imaginar um bom motivo para defender a divulgação de uma, mas não a da outra.

Demissão de Levy traz mensagem preocupante - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 18/06

É grave que a decisão tenha fundo ideológico e sinalize para a intenção de aparelhamento


Em 28 anos de Congresso, o deputado Jair Bolsonaro construiu a imagem de uma pessoa extemporânea. Vítima de uma tentativa de assassinato, ele pouco se expôs na campanha, devido ao longo tempo de hospitalização. Venceu as eleições, recuperou-se e, em seis meses de mandato, confirma a sua imprevisibilidade.

A mais recente demonstração deste traço de personalidade foi dada no fim de semana, quando, diante de microfones, na prática demitiu o presidente do BNDES, Joaquim Levy, ao dizer que estava “por aqui “ com ele, colocando sua cabeça “a prêmio”.

Não se recorda de uma dispensa, com a mesma crueza, ocorrida nos escalões elevados do governo. Nesses casos, há uma liturgia a seguir, pela qual o afastamento do funcionário é feito pelo superior hierárquico, no caso, o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Admissões e demissões são parte da rotina de governos. E de tempos em tempos ocorrem nos escalões elevados. O que preocupa desta vez são as circunstâncias do afastamento de Levy, tanto quanto a forma.

Eram conhecidos alguns desencontros entre o BNDES e o ministro, por exemplo, sobre novas devoluções de recursos bilionários que o governo Dilma, irresponsavelmente, determinara que o Tesouro injetasse no banco, para permitir empréstimos subsidiados a um pequeno grupo de empresas.

Isso com dinheiro proveniente de endividamento público, contraído com juros altos. Levy resistia a devolver R$ 126 bilhões, pedidos pelo Ministério da Economia.

Mas o desentendimento não justificaria a demissão pública. Há várias indicações de que a decisão de Bolsonaro tem forte motivação ideológica, uma característica que se vislumbra neste governo.

O presidente e certamente o grupo que o influencia não aceitaram a escolha de Marcos Barbosa Pinto para a diretoria de Mercado de Capitais. Razão: ter trabalhado no BNDES como chefe de gabinete do presidente Demian Fiocca, no governo Lula. O bolsonarismo tem fobia de PT, não importando o currículo profissional de Barbosa Pinto.

Mesma fobia que levava a pressões constantes sobre Levy para abrir a “caixa-preta” da instituição, a fim de expor à luz do dia empréstimos como os feitos a Cuba e Venezuela. Operações de resto já conhecidas — condições camaradas, garantia do Tesouro brasileiro etc.

O fato leva à suspeita de que o bolsonarismo pode querer aparelhar a máquina pública, da mesma forma como fez o PT. Péssimo para o país.

Outro equívoco é olhar enviesado para Levy porque ele trabalhou em governos petistas. Ora, Levy é um técnico que se dedica a funções públicas. Poderia ter continuado em Washington, numa diretoria do Banco Mundial. O Brasil, como qualquer país, precisa de um estamento de profissionais que zele pela máquina do Estado, independentemente do governo de turno.

Indústria do bônus - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/06

O que nasce como incentivo pereniza-se como aumento disfarçado de proventos


Levantamento do Ministério da Economia revelado por esta Folha estima que houve desembolso de R$ 1,7 bilhão em 2018 com bônus e honorários para apenas seis carreiras do Executivo federal.

Com incrementos de até 30% no salário, que podem alcançar R$ 7.000 em um mês, na prática os servidores contemplados nada precisam fazer para merecê-los. Não era essa a justificativa original, mas, como tantos privilégios no Brasil, o benefício resulta de uma vergonhosa deturpação de objetivos.

O que nasce como incentivo à produção e à eficiência pereniza-se como aumento disfarçado de proventos de uma elite, incorporado até por inativos.

Considere o caso dos auditores fiscais e analistas tributários da Receita Federal. Os analistas ganharam em 2017 direito a um bônus de R$ 1.800 mensais; os auditores, ao mimo de R$ 3.000. Dispêndio total no ano passado: R$ 844 milhões.

São valores fixos, e não proporcionais a qualquer avanço de eficiência. Não é obrigatório fazer nada a mais para percebê-los, tanto é que aposentados os recebem. Na Receita como um todo, 15,3 mil servidores da ativa e 26,6 mil inativos são atualmente agraciados.

Em 2017, ano da introdução da benesse, houve algum aumento nas autuações, que chegaram a 390 mil e geraram crédito extra de R$ 205 milhões. No ano seguinte, elas despencaram para 346 mil, com ganho de meros R$ 187 milhões. Os bônus não se sustentam nem ética nem aritmeticamente.

Diga-se, aliás, que a vinculação do bônus a multas aplicadas representaria um incentivo perigoso a abusos. Entretanto alguma medida de produtividade teria de embasar o pagamento adicional.

Verdade que o Tribunal de Contas da União já havia despertado para esse flagrante desvio. Questionou a isenção de pagamento de contribuição previdenciária sobre o bônus e a ausência de estimativa de impacto fiscal ou de medidas para compensar o custo da medida.

Parece incrível que o governo, às voltas com uma crise orçamentária profunda, negligencie tal descalabro, ao pleitear no TCU mais tempo para uma solução. O Executivo obviamente teme melindrar corporações influentes e enfrentar uma greve de chantagem.

A crise e os pinos da tomada - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 18/06

Um enorme fiasco marcará a primeira metade do governo Bolsonaro, se os fatos confirmarem as avaliações do mercado


Continuam caindo velozmente as previsões de crescimento econômico para este ano e para 2020. Um enorme fiasco marcará a primeira metade do governo Bolsonaro, se os fatos confirmarem as avaliações do mercado. Na semana passada já estava em 1% a expansão prevista para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2019. Agora, nem isso. No meio de muita confusão política e de muita incerteza sobre os negócios, a nova projeção, divulgada ontem, já está em 0,93%. A pesquisa entre economistas do setor financeiro e de grandes consultorias foi fechada na última sexta-feira. Naquele dia, as atenções do Congresso e do mercado estavam centradas no trabalho apresentado pelo relator do projeto de reforma da Previdência, deputado Samuel Moreira. Outras preocupações, no entanto, dominavam o presidente da República e vários de seus principais auxiliares. Uma dessas preocupações era a tomada de três pinos, como foi noticiado no começo daquela noite.

No mercado, as apostas para o próximo ano também continuaram em queda. Pela nova estimativa, o PIB crescerá 2,20% em 2020. Quatro semanas antes a projeção ainda estava em 2,50%, cálculo ainda mantido para 2021 e 2022, segundo a pesquisa Focus do Banco Central (BC).

A visão cada vez mais sombria das condições econômicas nos próximos meses começou a contaminar claramente, há pouco mais de uma semana, as expectativas em relação ao próximo ano. Indústria, varejo e serviços continuam muito mal, pela maior parte dos dados conhecidos até agora, e o comércio externo tem perdido vigor. Há poucas dúvidas sobre a aprovação da reforma da Previdência, mas nem isso estimula empresários a assumir riscos além dos indispensáveis para continuar operando.

Em maio, o índice de confiança do empresário industrial caiu pela quarta vez consecutiva, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI). A queda se estendeu, portanto, por quase todo o mandato do presidente Jair Bolsonaro.

O desempenho do setor industrial deve continuar muito ruim neste ano e estabilizar-se em nível medíocre nos próximos, segundo as expectativas apontadas pela pesquisa Focus. A produção industrial deve crescer 0,65% em 2019, segundo o boletim publicado ontem. A taxa é maior que a registrada na pesquisa anterior, de 0,47%, mas ainda inferior a metade da publicada quatro semanas antes, 1,47%. Mesmo esta previsão já era muito baixa. As estimativas para os dois anos seguintes também têm caído. Agora se estimam taxas de 2,80% para 2020, 2,75% para 2021 e 2,85% para 2022, num cenário de evidente estagnação.

A mensagem vem sendo transmitida pelos economistas há meses. A reforma da Previdência é indispensável, mas insuficiente para livrar o País do marasmo econômico. Não há sinal claro, no entanto, de providências para tornar os negócios mais dinâmicos.

Além de algumas ações para simplificar a vida empresarial e de uma promessa de reforma tributária, poucas medidas economicamente importantes aparecem na pauta do Executivo. Mesmo sobre a reforma tributária poucas informações claras, organizadas e convincentes foram divulgadas.

Não há, também, sinais de providências para movimentar a economia a curto prazo, nem depois de aprovada a reforma da Previdência. O governo continua agindo como se a prolongada estagnação, os resultados muito ruins deste ano e o desemprego de cerca de 13 milhões de trabalhadores fossem questões secundárias agora nos próximos meses.

Distante das questões mais urgentes para o mercado e para as famílias empenhadas em sobreviver, o presidente se ocupa da tomada de três pinos e do armamento da população. Demite o ministro-chefe da Secretaria de Governo por ter contestado seu guru Olavo de Carvalho. Por motivo ideológico, leva à demissão o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Atropelado, o ministro da Economia se cala, reforçando as dúvidas sobre quem manda em sua área. Pode haver alguma surpresa, se as expectativas econômicas pioram a cada semana?