terça-feira, junho 18, 2019

Indústria do bônus - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 18/06

O que nasce como incentivo pereniza-se como aumento disfarçado de proventos


Levantamento do Ministério da Economia revelado por esta Folha estima que houve desembolso de R$ 1,7 bilhão em 2018 com bônus e honorários para apenas seis carreiras do Executivo federal.

Com incrementos de até 30% no salário, que podem alcançar R$ 7.000 em um mês, na prática os servidores contemplados nada precisam fazer para merecê-los. Não era essa a justificativa original, mas, como tantos privilégios no Brasil, o benefício resulta de uma vergonhosa deturpação de objetivos.

O que nasce como incentivo à produção e à eficiência pereniza-se como aumento disfarçado de proventos de uma elite, incorporado até por inativos.

Considere o caso dos auditores fiscais e analistas tributários da Receita Federal. Os analistas ganharam em 2017 direito a um bônus de R$ 1.800 mensais; os auditores, ao mimo de R$ 3.000. Dispêndio total no ano passado: R$ 844 milhões.

São valores fixos, e não proporcionais a qualquer avanço de eficiência. Não é obrigatório fazer nada a mais para percebê-los, tanto é que aposentados os recebem. Na Receita como um todo, 15,3 mil servidores da ativa e 26,6 mil inativos são atualmente agraciados.

Em 2017, ano da introdução da benesse, houve algum aumento nas autuações, que chegaram a 390 mil e geraram crédito extra de R$ 205 milhões. No ano seguinte, elas despencaram para 346 mil, com ganho de meros R$ 187 milhões. Os bônus não se sustentam nem ética nem aritmeticamente.

Diga-se, aliás, que a vinculação do bônus a multas aplicadas representaria um incentivo perigoso a abusos. Entretanto alguma medida de produtividade teria de embasar o pagamento adicional.

Verdade que o Tribunal de Contas da União já havia despertado para esse flagrante desvio. Questionou a isenção de pagamento de contribuição previdenciária sobre o bônus e a ausência de estimativa de impacto fiscal ou de medidas para compensar o custo da medida.

Parece incrível que o governo, às voltas com uma crise orçamentária profunda, negligencie tal descalabro, ao pleitear no TCU mais tempo para uma solução. O Executivo obviamente teme melindrar corporações influentes e enfrentar uma greve de chantagem.

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