Desvalorização segue tendência dos mercados emergentes; nem tudo é política
Jogaram a conta do dólar a R$ 4,10 no colo de Jair Bolsonaro. O presidente causa muita balbúrdia e talvez tenha seus dois centavos de culpa na desvalorização do real, mas “a verdade está lá fora”.
Desde abril, muitos países emergentes e assemelhados estão apanhando feio, em parte por causa do conflito sino-americano. Por exemplo, perderam valor as moedas de Brasil, Colômbia, África do Sul, Turquia e até do comportado Chile.
O real apanhou mais, como de costume, pois o mercado financeiro daqui é grande e uma das duas ou três melhores praças emergentes para especular com dinheiro grosso.
A partir deste maio, a desvalorização brasileira foi decerto um pouco mais acentuada, mas é difícil explicar minúcias de variações de preços da finança.
O tumulto de Bolsonaro e a horrível degradação da expectativa de crescimento brasileiro devem ter ajudado a puxar o real para baixo. A frustração com o PIB de outros países primos ajuda a provocar fuga de dinheiro dos emergentes. Também vamos nesse embalo da ladeira abaixo.
Desde maio, ao menos, o problema vem do reaquecimento da guerra fria econômica entre Estados Unidos e China. Como se sabe, Donald Trump prometeu cobrar ainda mais impostos sobre a importação de produtos chineses. Se o fizer, a barragem tarifária americana vai subir para níveis significativos, para não dizer históricos. O comércio mundial sofre e padece. Segundo a OCDE, a guerrilha comercial americana contribui para diminuir o crescimento mundial desde 2017.
A semana passada foi especialmente ruim por causa das sanções americanas contra a Huawei. A empresa chinesa é a maior do mundo no ramo de equipamentos de infraestrutura de telecomunicações, para 5G, por exemplo, e a segunda maior fabricante mundial de celulares, depois da Samsung.
Os americanos haviam na prática proibido a exportação de componentes e softwares para a Huawei, empresa-líder do avanço tecnológico chinês, acusada pelos EUA de pirataria, espionagem industrial etc.
Assim, as ações de fornecedores americanos e do setor de tecnologia em geral apanharam, ajudando a derrubar as Bolsas de lá e do mundo. Desde o início de maio, as taxas de juros mais longas dos EUA também baixam, sinal de procura extra de papéis americanos e de fuga de ativos financeiros de risco maior (de ações a papéis de países emergentes).
Nesta semana, o governo americano viu que dava também um tiro no pé de suas empresas e como que suspenderam o ataque contra a Huawei por três meses, prazo para que as firmas americanas se ajeitem com as novas regras. A medida aliviou um pouco os mercados financeiros, o que se viu também por aqui.
Mesmo com a balbúrdia bolsonarista, o pessoal do dinheiro se animou no Brasil.
No fim de junho, haverá encontro do G20. Especula-se pela mídia econômica mundial e em relatórios de bancões que esse seria um horizonte para ver se americanos e chineses acertam os ponteiros. Hum.
Trump não quer acertar os ponteiros. Quer acertar a China na cabeça. Quer punir o país por maracutaias industriais e, também, conter seu avanço e o de suas empresas-líderes, além de promover circo nacionalista para seu público doméstico.
A balbúrdia de Trump tende a perdurar, com surtos piores de vez em quando. A desaceleração econômica mundial continua. A gente discute, por exemplo, se vai distribuir mais pistolas pelo país. Nem seria preciso, né. Já encostamos um cano na cabeça.