GAZETA DO POVO - PR - 21/05
O jacobinismo verde-amarelo contemporâneo é ainda, por sorte, um jacobinismo Nutella, algo distante do jacobinismo raiz de Robespierre & seus amigos
O jacobinismo voltou à moda. Às vezes tímido, contido e constrangido. Às vezes, pasmem!, orgulhosamente.
Aqui e ali, pessoas mais e menos esclarecidas reverberam uma ideia de mundo que já foi posta em prática na França Revolucionária (há mais de duzentos anos!), com consequências trágicas. Estima-se que o jacobinismo tenha matado – guilhotinado – dezessete mil pessoas entre 1792 e 1794. Claro que o jacobinismo tupiniquim contemporâneo não chegou a esse estágio. Ainda. Embora simbolicamente estejamos caminhando para um abismo semelhante.
Como todas as ideias assassinas, o jacobinismo também nasceu cheio de boas intenções. O clube foi fundado com o nome ameno, simpático e auspicioso de Sociedade dos Amigos da Constituição por meia-dúzia de pessoas esclarecidas e influentes que se diziam defensoras ferrenhas da lei, da moralidade, da República, da educação, do sufrágio universal e da separação entre Igreja e Estado.
De tudo o que o Iluminismo dizia que era o certo – e ai de quem discordasse!
Não é difícil, nas redes sociais, encontrar pessoas que se afiliariam de bom grado a uma sociedade de amigos da Constituição. São essas que clamam não por um simples impeachment de um juiz da Suprema Corte, e sim pela eliminação da instituição, a ser substituída, evidentemente, por pessoas mais alinhadas à noção particular e autoritária do que é a justiça e dos direitos que uma Constituição deveria garantir.
São essas que entendem que a única forma de ver a “moralidade pública” triunfar é por meio do fim do diálogo e pela imposição de uma ideia muito individual, quando não rasteira e vulgar, do que é a tal moralidade pública.
Na França Revolucionária, aos poucos aqueles ideais que no papel pareciam tão nobres e elevados e fraternos, justos e igualitários deram lugar, primeiro, ao discurso violento; depois, à ação. Tudo, repito porque é preciso deixar bem claro, sob a égide da moralidade, em nome da liberdade e da justiça. Tanto que o líder jacobino Robespierre era chamado de O Incorruptível. Robespierre que também acabaria condenado à morte.
Curioso perceber isso. No processo revolucionário, o primeiro sinal de deturpação do espírito coletivo é o embrutecimento do discurso. Hábil e ardilosamente, o Estado, personificado ou não, assume os papeis de situação e oposição, controlando completamente os lados antípodas do espectro político. Até que não reste nada além de uma só voz ditando ao mesmo tempo o certo e o errado. Reinando, ou melhor, presidindo como uma divindade.
O Reino do Terror, durante o qual se institucionalizou a morte em nome da pátria, da prosperidade e do povo nasceu de uma sensação de urgência, de um frêmito político, por assim dizer, para que se instaurasse uma realidade completamente diferente da que se tinha na monarquia. O caminho, para tanto, era a eliminação física não só dos inimigos declarados, mas também de todos os que simbolizavam a antiga ordem. De todos os que discordassem. Era um punitivismo primitivo, tataravô do punitivismo que hoje clama para que todos os “inimigos do povo” sejam jogados em masmorras.
O jacobinismo verde-amarelo contemporâneo é ainda, por sorte, um jacobinismo Nutella, algo distante do jacobinismo raiz de Robespierre & seus amigos. Mas o surgimento e o crescimento de um espírito igualmente vingativo preocupam. Até porque os nascedouros dessas ideias de ontem e de hoje têm lá suas semelhanças: desde a crise econômica e o encastelamento da elite até a paranoia conspiracionista e o desejo algo aleatório de “mudar tudo isso que está aí”.
Qualquer semelhança entre o jacobinismo francês e o Brasil de hoje não é mera coincidência nem tampouco uma repetição farsesca da história. É, até aqui, um alerta. Não estou sugerindo que em breve possamos ver instaladas nas praças das grandes metrópoles guilhotinas (evidentemente superfaturadas) pintadas de verde e amarelo. Nem tampouco que o atual mandatário seja assim um Robespierre.
O que estou sugerindo é que em breve nós, enquanto povo unido por esse conceito difuso chamado Brasil, teremos de fazer uma escolha: ou acreditamos no caráter revolucionário do nosso tempo e aceitamos as terríveis consequências disso ou tomamos decisões calmas, ponderadas e sábias de longo prazo, sem cedermos à alegria bárbara de ver cabeças rolarem para fora de um cesto já cheio de outras cabeças."
terça-feira, maio 21, 2019
PRÓ-GOLPE : Apoio de Bolsonaro a ato é crime que resulta em impeachment - REINALDO AZEVEDO
UOL - 21/05
O presidente Jair Bolsonaro estaria tentado a participar dos atos de "protesto a seu favor" marcados para o dia 26. Vá se quiser. As palavras de ordem que mais circulam nas redes sociais sobre o evento resumem o espírito da coisa: fechamento do Congresso e do Supremo. Se o fizer — e a depender do que venha a se dar nas ruas —, estará cometendo mais um crime de responsabilidade, e agora no gênero barra-pesada. Lembro o que diz o Artigo 85 da Constituição:
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
Um parágrafo único diz que esses crimes serão definidos em lei.A Lei existe: é a 1.079. Os itens 1 e 2 do Artigo 6º definem ser crime de responsabilidade contra o Congresso, entre outras práticas, "tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras" ou "usar de violência ou ameaça" contra representantes da nação para "coagi-los no modo de exercer o seu mandato". O item 6 especifica como crime de responsabilidade: "opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças". O resultado é o impeachment.
Chega de ruído! Se Bolsonaro for “impichado”, Mourão assume
A propósito: há um ruído por aí sobre o que pode acontecer se Bolsonaro for alvo de um processo de impeachment. Não! Não haverá nova eleição nem vai assumir o segundo colocado. A definição está nos Artigos 79 da Constituição:
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
Não cabe confundir com o que estabelece o Artigo 81:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Se Bolsonaro e Hamilton Mourão fossem impedidos nos dois primeiros anos, haveria nova eleição direta em 90 dias para escolher o presidente; se nos dois últimos anos, eleição indireta em 30 dias. Em qualquer caso, o eleito apenas completaria o mandato do antecessor. Mas notem: até agora, Mourão se comportou nos limites da Constituição.
Faço este post apenas para esclarecimento. Volto à manifestação.
Novo lema é “Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus”
"Frame" de um dos vídeos que convocam a manifestação; acima da imagem de Rodrigo Maia, a mensagem: "Os políticos sempre devem sempre obedecer o presidente"
"O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus". Essa poderia ser a palavra de ordem dos que estão convocando a manifestação do próximo dia 26. Ainda que, agora, se tente dourar a pílula para afirmar que o "protesto a favor de Jair Bolsonaro não é um ato hostil ao Congresso e ao STF — pede-se o fechamento de ambos como quem diz "hoje é terça-feira" —, a verdade é que é esse o "leitmotiv" das convocações nas redes sociais. Vídeos, memes, convocações e demonizações têm como alvos ministros do Supremo, o Parlamento como um todo e, em particular, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Também David Alcolumbre (DEM-AP), que preside o Senado, está na mira.
O presidente que divulgou texto e vídeo pode até ir a ato...
Será que Bolsonaro vai? A hipótese é de tal sorte insana que me nego a acreditar que esteja mesmo flertando com essa possibilidade. Mas, pensando bem, por que não? Quem divulga o texto que ele divulgou, acusando os inimigos da pátria — nem os militares escaparam — e o vídeo de pastor oriundo do Congo e que prega na França, segundo quem é ele, Bolsonaro, o escolhido de Deus para nos guiar, convenham, pode muito bem ir a um ato que prega o fechamento do Congresso e do Supremo.
Resultado será ruim se protesto der certo ou errado
É claro que há um cálculo nesse troço todo — embora seja, para ser claro, o calculismo dos cretinos. Não há perigo de esse negócio dar certo. Se a manifestação for acanhada no cotejo com a do dia 15, Bolsonaro sai enfraquecido. Se for um sucesso retumbante, tanto pior porque está caracterizado um Congresso cercado. Caso, então, este passe a ceder à pressão da máquina de achincalhe movida pelo presidente da República e por aliados seus, desmoraliza-se; se age em sentido oposto, demonstrando que não se deixa intimidar, aprofunda-se o conflito. Em qualquer caso, ruim para o país.
Figuras de direita e extrema-direita chamadas de comunistas
A insanidade é tal que notórias figuras identificadas com uma pauta de direita — algumas, na verdade, de extrema-direita, que dão apoio ao decreto insano e ilegal de Bolsonaro sobre porte de armas — estão sendo chamadas de comunistas. Suas fotos estão sendo divulgadas nas redes sociais com o carimbo da foice e do martelo. Até a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo na Câmara, está a merecer essa classificação, imaginem vocês! E o que une todas essas figuras, mesmo de direita ou de extrema-direita, no ataque promovido por defensores do dito protesto? Ora, elas consideram, e não sem razão prática, que a manifestação pode ser ruim para o próprio governo.
A estupidez atinge o seu estado de arte. Chegou-se, enfim, a uma fórmula que já estava dada há tempos e que muita gente se negava a ver ou a reconhecer: afinal, quem são os comunistas? Ora, todos aqueles que seguidores de Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro julgam ser comunistas. Lembra uma frase de líder nazista Hermann Göering: "Eu decido quem é judeu".
Seriam mais 3 anos e 7 meses hostilizando Congresso e STF?
Observem: nem estou certo de que os que se opõem à convocação o façam porque reconhecem seu caráter essencialmente autoritário, de intenção obviamente disruptiva, que ignora fundamentos elementares de uma sociedade democrática. Não fossem tais fundamentos, trata-se, antes de mais nada, de algo contraproducente. Afinal, Bolsonaro tem, em tese ao menos, mais três anos e sete meses de governo. Será mesmo que os insanos imaginam que existe alguma possibilidade de ele se sustentar no poder afrontando permanentemente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal? Será que imaginam que os dois Poderes da República lhe darão carta branca para agir à sua vontade? Sabe-se lá. O fato é que Bolsonaro e seus filhos estão, sim, na raiz dessa convocação. Em vez de o presidente se concentrar em governar o país, está empenhado em causar tensões políticas que, no fim das contas, ameaçam a sua própria posição.
Até Janaína Paschoal agora vira, vejam só!, uma “comunista”
Janaina Paschoal: por se opor a porra-louquices, deputada também vira "comunista"
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), a parlamentar mais votada da história do país, cotada até para vice de Bolsonaro, também passou à condição de traidora nesses ambientes amalucados. Chegou a declarar que estuda deixar o PSL. É compreensível. Embora, reitero, tenha divergências enormes com ela, lembro, não obstante, que é uma professora de direito e conhece os fundamentos da Constituição. E, por óbvio, sabe que, dado o caráter do "protesto a favor" de Bolsonaro e contra Congresso e STF, haverá crime de responsabilidade se as digitais do presidente aparecerem na convocação ou organização. Sua presença, no ato, então corresponderia a uma assinatura.
O presidente Jair Bolsonaro estaria tentado a participar dos atos de "protesto a seu favor" marcados para o dia 26. Vá se quiser. As palavras de ordem que mais circulam nas redes sociais sobre o evento resumem o espírito da coisa: fechamento do Congresso e do Supremo. Se o fizer — e a depender do que venha a se dar nas ruas —, estará cometendo mais um crime de responsabilidade, e agora no gênero barra-pesada. Lembro o que diz o Artigo 85 da Constituição:
São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:
II – o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;
III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais;
IV – a segurança interna do País;
Um parágrafo único diz que esses crimes serão definidos em lei.A Lei existe: é a 1.079. Os itens 1 e 2 do Artigo 6º definem ser crime de responsabilidade contra o Congresso, entre outras práticas, "tentar impedir por qualquer modo o funcionamento de qualquer de suas Câmaras" ou "usar de violência ou ameaça" contra representantes da nação para "coagi-los no modo de exercer o seu mandato". O item 6 especifica como crime de responsabilidade: "opor-se diretamente e por fatos ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças". O resultado é o impeachment.
Chega de ruído! Se Bolsonaro for “impichado”, Mourão assume
A propósito: há um ruído por aí sobre o que pode acontecer se Bolsonaro for alvo de um processo de impeachment. Não! Não haverá nova eleição nem vai assumir o segundo colocado. A definição está nos Artigos 79 da Constituição:
Art. 79. Substituirá o Presidente, no caso de impedimento, e suceder-lhe-á, no de vaga, o Vice-Presidente.
Não cabe confundir com o que estabelece o Artigo 81:
Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.
§ 2º Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.
Se Bolsonaro e Hamilton Mourão fossem impedidos nos dois primeiros anos, haveria nova eleição direta em 90 dias para escolher o presidente; se nos dois últimos anos, eleição indireta em 30 dias. Em qualquer caso, o eleito apenas completaria o mandato do antecessor. Mas notem: até agora, Mourão se comportou nos limites da Constituição.
Faço este post apenas para esclarecimento. Volto à manifestação.
Novo lema é “Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus”
"Frame" de um dos vídeos que convocam a manifestação; acima da imagem de Rodrigo Maia, a mensagem: "Os políticos sempre devem sempre obedecer o presidente"
"O Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, e os insanos acima de Deus". Essa poderia ser a palavra de ordem dos que estão convocando a manifestação do próximo dia 26. Ainda que, agora, se tente dourar a pílula para afirmar que o "protesto a favor de Jair Bolsonaro não é um ato hostil ao Congresso e ao STF — pede-se o fechamento de ambos como quem diz "hoje é terça-feira" —, a verdade é que é esse o "leitmotiv" das convocações nas redes sociais. Vídeos, memes, convocações e demonizações têm como alvos ministros do Supremo, o Parlamento como um todo e, em particular, Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara. Também David Alcolumbre (DEM-AP), que preside o Senado, está na mira.
Será que Bolsonaro vai? A hipótese é de tal sorte insana que me nego a acreditar que esteja mesmo flertando com essa possibilidade. Mas, pensando bem, por que não? Quem divulga o texto que ele divulgou, acusando os inimigos da pátria — nem os militares escaparam — e o vídeo de pastor oriundo do Congo e que prega na França, segundo quem é ele, Bolsonaro, o escolhido de Deus para nos guiar, convenham, pode muito bem ir a um ato que prega o fechamento do Congresso e do Supremo.
Resultado será ruim se protesto der certo ou errado
É claro que há um cálculo nesse troço todo — embora seja, para ser claro, o calculismo dos cretinos. Não há perigo de esse negócio dar certo. Se a manifestação for acanhada no cotejo com a do dia 15, Bolsonaro sai enfraquecido. Se for um sucesso retumbante, tanto pior porque está caracterizado um Congresso cercado. Caso, então, este passe a ceder à pressão da máquina de achincalhe movida pelo presidente da República e por aliados seus, desmoraliza-se; se age em sentido oposto, demonstrando que não se deixa intimidar, aprofunda-se o conflito. Em qualquer caso, ruim para o país.
Figuras de direita e extrema-direita chamadas de comunistas
A insanidade é tal que notórias figuras identificadas com uma pauta de direita — algumas, na verdade, de extrema-direita, que dão apoio ao decreto insano e ilegal de Bolsonaro sobre porte de armas — estão sendo chamadas de comunistas. Suas fotos estão sendo divulgadas nas redes sociais com o carimbo da foice e do martelo. Até a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), líder do governo na Câmara, está a merecer essa classificação, imaginem vocês! E o que une todas essas figuras, mesmo de direita ou de extrema-direita, no ataque promovido por defensores do dito protesto? Ora, elas consideram, e não sem razão prática, que a manifestação pode ser ruim para o próprio governo.
A estupidez atinge o seu estado de arte. Chegou-se, enfim, a uma fórmula que já estava dada há tempos e que muita gente se negava a ver ou a reconhecer: afinal, quem são os comunistas? Ora, todos aqueles que seguidores de Olavo de Carvalho e a família Bolsonaro julgam ser comunistas. Lembra uma frase de líder nazista Hermann Göering: "Eu decido quem é judeu".
Observem: nem estou certo de que os que se opõem à convocação o façam porque reconhecem seu caráter essencialmente autoritário, de intenção obviamente disruptiva, que ignora fundamentos elementares de uma sociedade democrática. Não fossem tais fundamentos, trata-se, antes de mais nada, de algo contraproducente. Afinal, Bolsonaro tem, em tese ao menos, mais três anos e sete meses de governo. Será mesmo que os insanos imaginam que existe alguma possibilidade de ele se sustentar no poder afrontando permanentemente o Congresso e o Supremo Tribunal Federal? Será que imaginam que os dois Poderes da República lhe darão carta branca para agir à sua vontade? Sabe-se lá. O fato é que Bolsonaro e seus filhos estão, sim, na raiz dessa convocação. Em vez de o presidente se concentrar em governar o país, está empenhado em causar tensões políticas que, no fim das contas, ameaçam a sua própria posição.
Até Janaína Paschoal agora vira, vejam só!, uma “comunista”
Janaina Paschoal: por se opor a porra-louquices, deputada também vira "comunista"
A deputada estadual Janaína Paschoal (PSL-SP), a parlamentar mais votada da história do país, cotada até para vice de Bolsonaro, também passou à condição de traidora nesses ambientes amalucados. Chegou a declarar que estuda deixar o PSL. É compreensível. Embora, reitero, tenha divergências enormes com ela, lembro, não obstante, que é uma professora de direito e conhece os fundamentos da Constituição. E, por óbvio, sabe que, dado o caráter do "protesto a favor" de Bolsonaro e contra Congresso e STF, haverá crime de responsabilidade se as digitais do presidente aparecerem na convocação ou organização. Sua presença, no ato, então corresponderia a uma assinatura.
Salvos pela incompetência - HÉLIO SCHWARTSMAN
Folha de S. Paulo - 21/05
Mesmo se o plano de Bolsonaro fosse atropelar instituições, ele fez tudo errado
Não duvido de que Jair Bolsonaro fantasie com a ideia de, amparado nos braços do povo, passar o rodo em instituições que ele vê como corruptas, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, e, a partir daí, governar sem embaraços. Mas fantasias frequentemente não passam de fantasias.
É verdade que tudo o que não é proibido pelas leis da física é possível, mas nem tudo o que é possível é provável. A essa altura, parece-me ser maior a chance de Bolsonaro não concluir seu mandato do que a de ele congregar forças para desferir algum tipo de golpe de Estado.
O motivo principal para isso é sua própria incompetência. Ele assumiu o cargo em condições razoavelmente boas. Tudo o que precisava fazer era manter em alta a confiança da população e correr com a reforma da Previdência, seguida pela tributária. Se obedecesse a esse roteiro, eram grandes as chances de o país assistir à volta do crescimento.
O que vimos, porém, foi um presidente que, através de omissões e declarações, operou para sabotar a reforma que seria a chave para o sucesso de seu governo. Errou desde o primeiro dia, quando optou por iniciar do zero os trâmites da proposta de emenda constitucional (PEC), em vez de modificar a de Temer, que estava pronta para ser votada em plenário. Perdeu preciosos seis meses.
Mesmo se o plano de Bolsonaro fosse, desde sempre, passar por cima das instituições, ele fez tudo errado. Deixou para desenhar o cenário de enfrentamento num momento em que sua popularidade é declinante —ele já parece ter perdido uma boa fatia dos eleitores mais moderados que o apoiaram contra o PT— e, mais importante, conseguiu se indispor até mesmo com os militares, que, em situações de impasse institucional, costumam ser os fiéis da balança.
Temos aqui a inépcia como um fator moderador. Se é ela que impede o governo Bolsonaro de nadar de braçada, também é ela que nos protege de uma investida autoritária.
Mesmo se o plano de Bolsonaro fosse atropelar instituições, ele fez tudo errado
Não duvido de que Jair Bolsonaro fantasie com a ideia de, amparado nos braços do povo, passar o rodo em instituições que ele vê como corruptas, como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, e, a partir daí, governar sem embaraços. Mas fantasias frequentemente não passam de fantasias.
É verdade que tudo o que não é proibido pelas leis da física é possível, mas nem tudo o que é possível é provável. A essa altura, parece-me ser maior a chance de Bolsonaro não concluir seu mandato do que a de ele congregar forças para desferir algum tipo de golpe de Estado.
O motivo principal para isso é sua própria incompetência. Ele assumiu o cargo em condições razoavelmente boas. Tudo o que precisava fazer era manter em alta a confiança da população e correr com a reforma da Previdência, seguida pela tributária. Se obedecesse a esse roteiro, eram grandes as chances de o país assistir à volta do crescimento.
O que vimos, porém, foi um presidente que, através de omissões e declarações, operou para sabotar a reforma que seria a chave para o sucesso de seu governo. Errou desde o primeiro dia, quando optou por iniciar do zero os trâmites da proposta de emenda constitucional (PEC), em vez de modificar a de Temer, que estava pronta para ser votada em plenário. Perdeu preciosos seis meses.
Mesmo se o plano de Bolsonaro fosse, desde sempre, passar por cima das instituições, ele fez tudo errado. Deixou para desenhar o cenário de enfrentamento num momento em que sua popularidade é declinante —ele já parece ter perdido uma boa fatia dos eleitores mais moderados que o apoiaram contra o PT— e, mais importante, conseguiu se indispor até mesmo com os militares, que, em situações de impasse institucional, costumam ser os fiéis da balança.
Temos aqui a inépcia como um fator moderador. Se é ela que impede o governo Bolsonaro de nadar de braçada, também é ela que nos protege de uma investida autoritária.
A marcha à ré - LUIZ CARLOS AZEDO
Correio Braziliense - 21/05
De repente, o país começa a perder o otimismo e teme retroceder em várias áreas, sobretudo na economia, justo no momento em que um amplo consenso em torno da necessidade de reformas econômicas e institucionais estava sendo construído no Congresso. Colaboram para isso, em primeiro lugar, a gravidade dos problemas enfrentados, que demandam um esforço continuado para superação da crise fiscal; de outro, o comportamento errático do governo, pródigo na promoção de polêmicas inúteis e avarento quando se trata de foco nas soluções, em particular a reforma da Previdência.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a culpar os políticos pela situação, em solenidade no Rio de Janeiro, na qual declarou que o Brasil “é um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”. A declaração é ambígua porque, depois de generalizar os ataques ao Legislativo (“é o Parlamento em grande parte, é a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa”), Bolsonaro também se incluiu entre os políticos, ao lado do governador fluminense, Wilson Witzel, e do prefeito carioca, Marcelo Crivella, que estavam ao seu lado: “É nós!”.
Mais tarde, já em Brasília, ao lançar a campanha publicitária da reforma da Previdência, Bolsonaro procurou consertar as declarações, que tiveram péssima repercussão: “Nós valorizamos, sim, o parlamento brasileiro, que vai dar a palavra final nesta questão da Previdência tão rejeitada ao longo dos últimos anos. Agradeço ao Rodrigo Maia (presidente da Câmara), ao Davi Alcolumbre (presidente do Senado), que em conversas são unânimes em dizer da necessidade da reforma da Previdência. E, aos parlamentares, queria dizer que só não recebo mais por falta de agenda, mas gostaria de continuar a conversar com o maior número de vocês para que possíveis equívocos, possíveis melhoras, nós possamos junto ao parlamento buscá-las”, disse.
Não foi por acaso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), havia anunciado um pacto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para aprovar a reforma da Previdência e outras reformas demandadas pela sociedade, independentemente das polêmicas criadas pelo governo e a oposição na mídia e nas redes sociais. Maia também descartou a possibilidade de um projeto alternativo de reforma da Previdência, o que foi corroborado pelo relator da reforma, o deputado Samuel Moreira (PSDB-RJ). Na verdade, o debate sobre as mudanças na Previdência está apenas começando na Câmara, e faz parte do processo legislativo a apresentação de um substitutivo pelo relator, que geralmente incorpora mudanças propostas pelos deputados ao projeto original do governo. Sendo assim, não será integralmente a proposta que o governo mandou para a Câmara, mas também não será um projeto novo.
Manifestação
O pano de fundo da tensão no Congresso é a convocação de uma manifestação de apoio a Bolsonaro para o próximo domingo, uma marcha a Brasília, na qual os principais líderes do PSL querem fazer uma demonstração de força em resposta aos protestos da semana passada, de professores, estudantes e funcionários das universidades e demais estabelecimentos de ensino federais atingidos pelos cortes de verbas da Educação, que o governo chama de contingenciamento. Como a medida foi anunciada como uma retaliação à “balbúrdia” nas universidades pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, houve forte reação da comunidade acadêmica.
A marcha dos partidários de Bolsonaro a Brasília está sendo atacada pela oposição, que a compara à “Marcha sobre Roma” dos camisas negras de Benito Mussolini, em 28 de outubro de 1922, data que marca o início do domínio fascista sobre a Itália. Foi uma manifestação organizada pelo Partido Nacional Fascista, que mobilizou 300 mil militantes armados, para pressionar o parlamento e tomar o poder. A pressão deu resultado: no dia 30 de outubro, o rei Vittorio Emanuele III instruiu ao próprio Mussolini a formação de um novo governo, que implantou o fascismo.
Bolsonaro não precisa de marcha alguma para exercer o poder, foi eleito pelo voto direto. Somente não conta com uma base de apoio robusta no Congresso porque decidiu que não faria um governo de coalizão com os partidos de centro-direita nem adotaria o chamado “toma lá, dá cá”nas negociações com o Congresso. A falta de sintonia com a própria base na Câmara é tanta que o governo corre risco de não conseguir aprovar sua reforma administrativa, o que depende de um acordo com o chamado Centrão. No caso, a recriação do Ministério das Cidades, cujo comando seria entregue a um político.
De repente, o país começa a perder o otimismo e teme retroceder em várias áreas, sobretudo na economia, justo no momento em que um amplo consenso em torno da necessidade de reformas econômicas e institucionais estava sendo construído no Congresso. Colaboram para isso, em primeiro lugar, a gravidade dos problemas enfrentados, que demandam um esforço continuado para superação da crise fiscal; de outro, o comportamento errático do governo, pródigo na promoção de polêmicas inúteis e avarento quando se trata de foco nas soluções, em particular a reforma da Previdência.
Ontem, o presidente Jair Bolsonaro voltou a culpar os políticos pela situação, em solenidade no Rio de Janeiro, na qual declarou que o Brasil “é um país maravilhoso que tem tudo para dar certo, mas o grande problema é a nossa classe política”. A declaração é ambígua porque, depois de generalizar os ataques ao Legislativo (“é o Parlamento em grande parte, é a Câmara Municipal, a Assembleia Legislativa”), Bolsonaro também se incluiu entre os políticos, ao lado do governador fluminense, Wilson Witzel, e do prefeito carioca, Marcelo Crivella, que estavam ao seu lado: “É nós!”.
Mais tarde, já em Brasília, ao lançar a campanha publicitária da reforma da Previdência, Bolsonaro procurou consertar as declarações, que tiveram péssima repercussão: “Nós valorizamos, sim, o parlamento brasileiro, que vai dar a palavra final nesta questão da Previdência tão rejeitada ao longo dos últimos anos. Agradeço ao Rodrigo Maia (presidente da Câmara), ao Davi Alcolumbre (presidente do Senado), que em conversas são unânimes em dizer da necessidade da reforma da Previdência. E, aos parlamentares, queria dizer que só não recebo mais por falta de agenda, mas gostaria de continuar a conversar com o maior número de vocês para que possíveis equívocos, possíveis melhoras, nós possamos junto ao parlamento buscá-las”, disse.
Não foi por acaso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em evento da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), havia anunciado um pacto com o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), para aprovar a reforma da Previdência e outras reformas demandadas pela sociedade, independentemente das polêmicas criadas pelo governo e a oposição na mídia e nas redes sociais. Maia também descartou a possibilidade de um projeto alternativo de reforma da Previdência, o que foi corroborado pelo relator da reforma, o deputado Samuel Moreira (PSDB-RJ). Na verdade, o debate sobre as mudanças na Previdência está apenas começando na Câmara, e faz parte do processo legislativo a apresentação de um substitutivo pelo relator, que geralmente incorpora mudanças propostas pelos deputados ao projeto original do governo. Sendo assim, não será integralmente a proposta que o governo mandou para a Câmara, mas também não será um projeto novo.
Manifestação
O pano de fundo da tensão no Congresso é a convocação de uma manifestação de apoio a Bolsonaro para o próximo domingo, uma marcha a Brasília, na qual os principais líderes do PSL querem fazer uma demonstração de força em resposta aos protestos da semana passada, de professores, estudantes e funcionários das universidades e demais estabelecimentos de ensino federais atingidos pelos cortes de verbas da Educação, que o governo chama de contingenciamento. Como a medida foi anunciada como uma retaliação à “balbúrdia” nas universidades pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, houve forte reação da comunidade acadêmica.
A marcha dos partidários de Bolsonaro a Brasília está sendo atacada pela oposição, que a compara à “Marcha sobre Roma” dos camisas negras de Benito Mussolini, em 28 de outubro de 1922, data que marca o início do domínio fascista sobre a Itália. Foi uma manifestação organizada pelo Partido Nacional Fascista, que mobilizou 300 mil militantes armados, para pressionar o parlamento e tomar o poder. A pressão deu resultado: no dia 30 de outubro, o rei Vittorio Emanuele III instruiu ao próprio Mussolini a formação de um novo governo, que implantou o fascismo.
Bolsonaro não precisa de marcha alguma para exercer o poder, foi eleito pelo voto direto. Somente não conta com uma base de apoio robusta no Congresso porque decidiu que não faria um governo de coalizão com os partidos de centro-direita nem adotaria o chamado “toma lá, dá cá”nas negociações com o Congresso. A falta de sintonia com a própria base na Câmara é tanta que o governo corre risco de não conseguir aprovar sua reforma administrativa, o que depende de um acordo com o chamado Centrão. No caso, a recriação do Ministério das Cidades, cujo comando seria entregue a um político.
"Em defesa de Game of Thrones - GUSTAVO NOGY
GAZETA DO POVO - PR - 21/05
Já nesta primeira linha sou obrigado a confessar: não assisti a nenhum episódio de Game of Thrones. Conheço da série o que é possível conhecer das mídias sociais: que havia fartura de peitos (e não só) à mostra; que havia dragões voadores; que havia anões sádicos; que havia gente morta que ressuscitava e gente ressuscitada que morria; tudo somado a uns bichos esquisitos e a uma politicagem mesquinha de fazer inveja aos filhos do Jair Bolsonaro.
Pois ontem foi o último capítulo desse drama que mobilizou toda a gente, durante oito anos. A cada estreia de temporada, a cada novo episódio, a cada morte gratuita o distinto público trepidava, e os abalos eram sentidos até por aqui. Como eu ia dizendo, não assisti à série. Nenhuma objeção especial, muito pelo contrário, apenas que ela não me pegou de início. Eu estava enlevado com outros dramas, outros peitos, outras mortes, talvez outros anões, e perdi o timing, como dizem.
No entanto, escrevo esta crônica em louvor a Game of Thrones. Sobretudo: em louvor à fascinação exercida pela ficção. Talvez não percebamos, mas o que vem acontecendo desde o advento das séries e filmes em streaming é coisa para ser comemorada e aplaudida. Um parêntese biográfico.
Logo nos meus primeiros contatos imediatos com a internet, calhou de a editora Globo publicar as obras completas do argentino Jorge Luis Borges. Meu escritor predileto entre os prediletos. Quatro volumes amarelinhos, muito bem traduzidos e editados, com tudo o que o bruxo cego publicou em vida. Os belíssimos poemas de matiz filosófico; os contos exemplares que oscilam entre o fantástico e o realista; os ensaios e as resenhas que são breves aulas sobre quase tudo o que se sabe desde Adão e Eva.
Lembro-me de quando o carteiro entregou a caixa. Fiquei sem saber como abrir o presente que eu mesmo me dera: coloquei sobre a cama, rodeei como cachorro em torno do osso e… fui tomar banho. Sim, fui tomar banho. O impulso que tive, vagamente fanático, foi o de tomar banho, vestir-me confortavelmente, fazer um café e trancar a porta do quarto para abrir com solenidade o pacote que me trazia as obras completas de Jorge Luis Borges. Só faltaram as velas. Não fui solene assim nem mesmo quando vi a Playboy (Maitê Proença) pela primeira vez. Afinal de contas, era o Borges que estava ali, todinho só pra mim.
Fecho o parêntese biográfico para dizer o seguinte: que bom, que ótimo, que auspicioso que obras de ficção novamente comovam, atraiam, fascinem, mesmerizem tanta gente ao mesmo tempo, e por tantos anos. Parece que reinventamos o folhetim. Grandes livros foram escritos, lidos e acompanhados assim: dia a dia, semana a semana, nos jornais. A sisudez dos clássicos esconde sua origem popular, prosaica, incidental.
De alguma forma, é o que temos visto com essas obras televisivas de grande qualidade e para tantos gostos diferentes. E não importa se o final foi decepcionante (a vida também é feita de finais decepcionantes), porque o que vale é a aventura da ficção, o desenvolvimento da trama, as frustrações, as lágrimas, as expectativas, os rancores, a ansiedade, os risos de tantos dias, de tantas horas, de tantos anos. Numa época em que a vida tem sido mais estranha que a ficção, é bom que o interesse pela ficção stricto sensu tenha renascido. Como Jon Snow."
Já nesta primeira linha sou obrigado a confessar: não assisti a nenhum episódio de Game of Thrones. Conheço da série o que é possível conhecer das mídias sociais: que havia fartura de peitos (e não só) à mostra; que havia dragões voadores; que havia anões sádicos; que havia gente morta que ressuscitava e gente ressuscitada que morria; tudo somado a uns bichos esquisitos e a uma politicagem mesquinha de fazer inveja aos filhos do Jair Bolsonaro.
Pois ontem foi o último capítulo desse drama que mobilizou toda a gente, durante oito anos. A cada estreia de temporada, a cada novo episódio, a cada morte gratuita o distinto público trepidava, e os abalos eram sentidos até por aqui. Como eu ia dizendo, não assisti à série. Nenhuma objeção especial, muito pelo contrário, apenas que ela não me pegou de início. Eu estava enlevado com outros dramas, outros peitos, outras mortes, talvez outros anões, e perdi o timing, como dizem.
No entanto, escrevo esta crônica em louvor a Game of Thrones. Sobretudo: em louvor à fascinação exercida pela ficção. Talvez não percebamos, mas o que vem acontecendo desde o advento das séries e filmes em streaming é coisa para ser comemorada e aplaudida. Um parêntese biográfico.
Logo nos meus primeiros contatos imediatos com a internet, calhou de a editora Globo publicar as obras completas do argentino Jorge Luis Borges. Meu escritor predileto entre os prediletos. Quatro volumes amarelinhos, muito bem traduzidos e editados, com tudo o que o bruxo cego publicou em vida. Os belíssimos poemas de matiz filosófico; os contos exemplares que oscilam entre o fantástico e o realista; os ensaios e as resenhas que são breves aulas sobre quase tudo o que se sabe desde Adão e Eva.
Lembro-me de quando o carteiro entregou a caixa. Fiquei sem saber como abrir o presente que eu mesmo me dera: coloquei sobre a cama, rodeei como cachorro em torno do osso e… fui tomar banho. Sim, fui tomar banho. O impulso que tive, vagamente fanático, foi o de tomar banho, vestir-me confortavelmente, fazer um café e trancar a porta do quarto para abrir com solenidade o pacote que me trazia as obras completas de Jorge Luis Borges. Só faltaram as velas. Não fui solene assim nem mesmo quando vi a Playboy (Maitê Proença) pela primeira vez. Afinal de contas, era o Borges que estava ali, todinho só pra mim.
Fecho o parêntese biográfico para dizer o seguinte: que bom, que ótimo, que auspicioso que obras de ficção novamente comovam, atraiam, fascinem, mesmerizem tanta gente ao mesmo tempo, e por tantos anos. Parece que reinventamos o folhetim. Grandes livros foram escritos, lidos e acompanhados assim: dia a dia, semana a semana, nos jornais. A sisudez dos clássicos esconde sua origem popular, prosaica, incidental.
De alguma forma, é o que temos visto com essas obras televisivas de grande qualidade e para tantos gostos diferentes. E não importa se o final foi decepcionante (a vida também é feita de finais decepcionantes), porque o que vale é a aventura da ficção, o desenvolvimento da trama, as frustrações, as lágrimas, as expectativas, os rancores, a ansiedade, os risos de tantos dias, de tantas horas, de tantos anos. Numa época em que a vida tem sido mais estranha que a ficção, é bom que o interesse pela ficção stricto sensu tenha renascido. Como Jon Snow."
Cuidado com a tirania da maioria - RODRIGO CONSTANTINO
GAZETA DO POVO - PR - 21/05
VAMOS LER MONTESQUIEU E TOCQUEVILLE, GENTE! OU: CUIDADO COM A TIRANIA DA “MAIORIA”
Peço perdão aos leitores com mais bom senso que já perceberam o perigo, mas como tenho visto vários seguidores insistindo no mesmo discurso absurdo, preciso voltar ao tema. A narrativa golpista revolucionária, adotada por ala do próprio bolsonarismo no poder, diz que o Congresso – todo! – tenta boicotar as reformas, e que “o povo”, que está com o presidente, precisa reagir.
Tanto Montesquieu como Tocqueville se contorcem em seus túmulos. Então não há mais divisão de poderes? O Legislativo é todo imprestável, corrupto, podre? Parêntese: isso vale para os dois filhos do presidente? Fecho parêntese. O que essa turma entende por povo? Quem votou nos deputados e senadores? Alienígenas, por acaso?
Um seguidor comentou: “O povo manda, o congresso obedece”. O que será que ele entende por isso? Que povo é esse? E como ele manda exatamente? Indo para as ruas? O povo é só aquele que apoia as manifestações do dia 26? Não é povo quem está contra? A vitória de Bolsonaro deu carta branca ao presidente, por acaso?
É muita ignorância sobre o funcionamento da democracia. Claro, o sujeito pode alegar que a democracia está toda carcomida, podre, mas aí precisa seguir as conclusões lógicas de sua premissa: quer fechar o Congresso na marra? Quer destruir as instituições de vez? Pretende governar até 2022 com o “povo” nas ruas?
Outro seguidor disse: “Democracia é respeito à maioria! A maioria está com o Presidente, pode ter certeza disso!” Posso? Como? Com base em quê? Pesquisas não valem, pelo visto, pois também são corrompidas pelo establishment, certo? Quantas pessoas no dia 26 comprovam que o “povo” está ao lado do presidente?
E vamos admitir, para efeito de reflexão, que a maioria está mesmo com o presidente: isso não é tirania da “maioria”, aquilo que Tocqueville tanto temia? Não é para impedir isso que temos instituições, pesos e contrapesos, divisão de poderes etc?
Não se enganem: o papel de defender esse Congresso ou o “centrão” fisiológico não me atrai, e quem me acusa disso ataca um espantalho numa tática pérfida de debate. Sei que tem muita gente podre ali, sei que muitos querem trocar votos por esquemas escusos. Mas também sei que não é só isso. E sei que a alternativa a essa democracia imperfeita não pode ser um despotismo esclarecido.
Sim, porque no fundo é exatamente isso que os bolsonaristas estão defendendo. Eles não querem seguir suas premissas até às conclusões lógicas, mas estamos aqui para isso. Se o Congresso todo não presta, então será preciso “governar” até 2022 com “povo” nas ruas. E se alguém tiver uma definição para isso que não seja populismo autoritário, por favor me avisa, pois desconheço.
A narrativa sedutora é que Bolsonaro foi eleito e incorpora a “vontade geral”, a honestidade incorruptível e as boas intenções, tendo ao seu lado o “povo”, numa luta contra as instituições corrompidas, inimigas do povo. Trata-se de visão simplista, maniqueísta e perigosa. Acham que Bolsonaro foi eleito não para presidente, mas para imperador absolutista.
Não é porque gosto da maioria das pautas do governo que vou aprovar esses métodos. A forma de fazer importa tanto quanto o que fazer, ao menos para liberais e conservadores. Estamos em boa companhia, a de gigantes como Montesquieu e Tocqueville. Melhor do que Steve Bannon e Olavo de Carvalho, certamente…
PS: Desafio os tomadores de opinião do bolsonarismo a fazerem uma enquete com seu público, perguntando se desejam fechar o Congresso na marra e mandar “um cabo e um soldado” para o STF. Acho que ficariam “surpresos” com o resultado, que derrubaria a máscara institucional do golpismo que estimulam. Mas duvido que tenham coragem de fazer tal enquete. Preferem manter as aparências…
Rodrigo Constantino
VAMOS LER MONTESQUIEU E TOCQUEVILLE, GENTE! OU: CUIDADO COM A TIRANIA DA “MAIORIA”
Peço perdão aos leitores com mais bom senso que já perceberam o perigo, mas como tenho visto vários seguidores insistindo no mesmo discurso absurdo, preciso voltar ao tema. A narrativa golpista revolucionária, adotada por ala do próprio bolsonarismo no poder, diz que o Congresso – todo! – tenta boicotar as reformas, e que “o povo”, que está com o presidente, precisa reagir.
Tanto Montesquieu como Tocqueville se contorcem em seus túmulos. Então não há mais divisão de poderes? O Legislativo é todo imprestável, corrupto, podre? Parêntese: isso vale para os dois filhos do presidente? Fecho parêntese. O que essa turma entende por povo? Quem votou nos deputados e senadores? Alienígenas, por acaso?
Um seguidor comentou: “O povo manda, o congresso obedece”. O que será que ele entende por isso? Que povo é esse? E como ele manda exatamente? Indo para as ruas? O povo é só aquele que apoia as manifestações do dia 26? Não é povo quem está contra? A vitória de Bolsonaro deu carta branca ao presidente, por acaso?
É muita ignorância sobre o funcionamento da democracia. Claro, o sujeito pode alegar que a democracia está toda carcomida, podre, mas aí precisa seguir as conclusões lógicas de sua premissa: quer fechar o Congresso na marra? Quer destruir as instituições de vez? Pretende governar até 2022 com o “povo” nas ruas?
Outro seguidor disse: “Democracia é respeito à maioria! A maioria está com o Presidente, pode ter certeza disso!” Posso? Como? Com base em quê? Pesquisas não valem, pelo visto, pois também são corrompidas pelo establishment, certo? Quantas pessoas no dia 26 comprovam que o “povo” está ao lado do presidente?
E vamos admitir, para efeito de reflexão, que a maioria está mesmo com o presidente: isso não é tirania da “maioria”, aquilo que Tocqueville tanto temia? Não é para impedir isso que temos instituições, pesos e contrapesos, divisão de poderes etc?
Não se enganem: o papel de defender esse Congresso ou o “centrão” fisiológico não me atrai, e quem me acusa disso ataca um espantalho numa tática pérfida de debate. Sei que tem muita gente podre ali, sei que muitos querem trocar votos por esquemas escusos. Mas também sei que não é só isso. E sei que a alternativa a essa democracia imperfeita não pode ser um despotismo esclarecido.
Sim, porque no fundo é exatamente isso que os bolsonaristas estão defendendo. Eles não querem seguir suas premissas até às conclusões lógicas, mas estamos aqui para isso. Se o Congresso todo não presta, então será preciso “governar” até 2022 com “povo” nas ruas. E se alguém tiver uma definição para isso que não seja populismo autoritário, por favor me avisa, pois desconheço.
A narrativa sedutora é que Bolsonaro foi eleito e incorpora a “vontade geral”, a honestidade incorruptível e as boas intenções, tendo ao seu lado o “povo”, numa luta contra as instituições corrompidas, inimigas do povo. Trata-se de visão simplista, maniqueísta e perigosa. Acham que Bolsonaro foi eleito não para presidente, mas para imperador absolutista.
Não é porque gosto da maioria das pautas do governo que vou aprovar esses métodos. A forma de fazer importa tanto quanto o que fazer, ao menos para liberais e conservadores. Estamos em boa companhia, a de gigantes como Montesquieu e Tocqueville. Melhor do que Steve Bannon e Olavo de Carvalho, certamente…
PS: Desafio os tomadores de opinião do bolsonarismo a fazerem uma enquete com seu público, perguntando se desejam fechar o Congresso na marra e mandar “um cabo e um soldado” para o STF. Acho que ficariam “surpresos” com o resultado, que derrubaria a máscara institucional do golpismo que estimulam. Mas duvido que tenham coragem de fazer tal enquete. Preferem manter as aparências…
Rodrigo Constantino
Paulo Guedes vira ministro de governo alternativo - JOSIAS DE SOUZA
UOL - 21/05
Há dois governos em Brasília, o oficial e o alternativo. Num, Jair Bolsonaro cuida da ofensiva contra "o grande problema" do Brasil, que "é a nossa classe política." Noutro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, faz política. No país oficial, o presidente atiça uma manifestação de rua hostil ao Congresso. No Brasil paralelo, ao qual o capitão dispensa uma atenção apenas residual, o Posto Ipiranga pede ajuda aos congressistas para salvar do incêndio sua agenda reformista.
A movimentação errática de Bolsonaro dá ao governo oficial uma aparência de falta de rumo. O diálogo de Guedes com os caciques do Legislativo constitui um esforço para evitar que o rumo do país seja uma crise eterna. Bolsonaro não gosta de Rodrigo Maia, mas o pragmatismo de Guedes gosta. E Maia atrai no Legislativo os votos que Bolsonaro afugenta.
Quanto mais o presidente chuta o centrão, mais o grupo valoriza o ministro da Economia. "Se Paulo Guedes e a equipe dele saem, desaba tudo, acaba o país", diz o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento. "Hoje, há até uma espécie de blindagem da classe política em relação a ele."
Bolsonaro carrega para dentro da agenda do país oficial os rancores que acumulou nos 28 anos que frequentou o baixo clero da Câmara. Quanto a Guedes, as únicas contas que tem para ajustar são as contas públicas do Brasil paralelo. Por isso, o ministro carrega o piano da reforma da Previdência.
Com mais de 13 milhões de desempregados e a economia andando para trás, Paulo Guedes tenta salvar 2020 do fiasco. Já se deu conta de que não conseguirá livrar 2019 de um desempenho econômico medíocre. E encontra solidariedade crescente no Legislativo.
Ao farejar a intenção de Bolsonaro de terceirizar aos congressistas a culpa pelo imobilismo do governo, a cúpula do Legislativo decidiu se mexer. Aperta o passo na reforma da Previdência. E põe para andar uma versão própria de reforma tributária. Suprema ironia: ao travar o Brasil oficial com sua inépcia, o presidente faz andar a agenda que interessa a Guedes e ao Brasil alternativo.
Há dois governos em Brasília, o oficial e o alternativo. Num, Jair Bolsonaro cuida da ofensiva contra "o grande problema" do Brasil, que "é a nossa classe política." Noutro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, faz política. No país oficial, o presidente atiça uma manifestação de rua hostil ao Congresso. No Brasil paralelo, ao qual o capitão dispensa uma atenção apenas residual, o Posto Ipiranga pede ajuda aos congressistas para salvar do incêndio sua agenda reformista.
A movimentação errática de Bolsonaro dá ao governo oficial uma aparência de falta de rumo. O diálogo de Guedes com os caciques do Legislativo constitui um esforço para evitar que o rumo do país seja uma crise eterna. Bolsonaro não gosta de Rodrigo Maia, mas o pragmatismo de Guedes gosta. E Maia atrai no Legislativo os votos que Bolsonaro afugenta.
Quanto mais o presidente chuta o centrão, mais o grupo valoriza o ministro da Economia. "Se Paulo Guedes e a equipe dele saem, desaba tudo, acaba o país", diz o líder do DEM na Câmara, deputado Elmar Nascimento. "Hoje, há até uma espécie de blindagem da classe política em relação a ele."
Bolsonaro carrega para dentro da agenda do país oficial os rancores que acumulou nos 28 anos que frequentou o baixo clero da Câmara. Quanto a Guedes, as únicas contas que tem para ajustar são as contas públicas do Brasil paralelo. Por isso, o ministro carrega o piano da reforma da Previdência.
Com mais de 13 milhões de desempregados e a economia andando para trás, Paulo Guedes tenta salvar 2020 do fiasco. Já se deu conta de que não conseguirá livrar 2019 de um desempenho econômico medíocre. E encontra solidariedade crescente no Legislativo.
Ao farejar a intenção de Bolsonaro de terceirizar aos congressistas a culpa pelo imobilismo do governo, a cúpula do Legislativo decidiu se mexer. Aperta o passo na reforma da Previdência. E põe para andar uma versão própria de reforma tributária. Suprema ironia: ao travar o Brasil oficial com sua inépcia, o presidente faz andar a agenda que interessa a Guedes e ao Brasil alternativo.
A reforma tributária avança - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR
GAZETA DO POVO - PR - 21/05
Enquanto a reforma da Previdência caminha lentamente na Câmara dos Deputados, outra reforma fundamental, a tributária, parece destinada a uma tramitação mais célere, ou pelo menos mais consensual. Os parlamentares não quiseram esperar que a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, enviasse seu próprio projeto, mas também recusaram a PEC 293/04, relatada pelo ex-deputado Luiz Carlos Hauly e que já tinha sido aprovada em Comissão Especial no fim do ano passado. O novo projeto, a PEC 45/2019, foi assinado por Baleia Rossi (MDB-SP) e mais de 170 deputados, incluindo membros da base aliada de Jair Bolsonaro. Na quarta-feira, o relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), João Roma (PRB-BA), votou pela sua aprovação; na próxima terça-feira, dia 21, a CCJ ouvirá o mentor da reforma, o economista Bernard Appy, do Centro de Cidadania Fiscal; no dia seguinte, deve concluir a votação.
A PEC 45/2019 unifica cinco tributos – ICMS, PIS/Cofins, ISS e IPI –, que serão gradualmente substituídos por um novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), e permite o surgimento de um Imposto Seletivo, federal, que só poderia incidir sobre determinados produtos cujo consumo se deseje desestimular, como cigarros ou bebidas alcoólicas. Neste sentido, a PEC 45/2019 é um pouco mais modesta que a proposta anterior que estava no Congresso e que unificava dez impostos (IPI, IOF, CSLL, PIS, Pasep, Cofins, Salário Educação, Cide Combustíveis, ICMS e ISS), também prevendo o Imposto Seletivo. Em comum, esta unificação promovida por ambos os projetos tem uma característica que alguns parlamentares enxergam como problemática, pois envolve impostos federais, estaduais e municipais. Como garantir que não haja desequilíbrios na distribuição da arrecadação do IBS é um tema que os membros da CCJ pretendem esclarecer com a presença de Appy.
E, se por um lado o contribuinte efetivamente deixa de pagar cinco impostos para pagar apenas um, simplificando sua vida, o texto acaba criando mais burocracia na outra ponta, a do arrecadador e administrador dos recursos. A regulamentação do IBS exigirá lei complementar; as alíquotas serão calculadas pelo Tribunal de Contas da União e aprovadas pelo Senado, podendo depois ser alteradas por estados e municípios por lei ordinária; será criado um comitê gestor nacional com representantes de União, estados e municípios para controlar a arrecadação e a distribuição da receita.
A simplificação, por si só, já é extremamente bem-vinda. O Brasil ocupa a liderança incontestável nos rankings internacionais quando o assunto é complexidade do sistema tributário e o esforço necessário em tempo e pessoal para cumprir todas as obrigações com o Fisco. Mas uma verdadeira reforma tributária também precisaria atacar pelo menos mais dois problemas: o fato de o Brasil, hoje, tributar muito mais a produção e o consumo que a renda e a propriedade, algo que prejudica os mais pobres, que gastam parte maior da sua renda com impostos; e o fato de a arrecadação estar, hoje, concentrada na União, restando fatias pequenas aos estados e municípios, entes responsáveis por serviços essenciais como educação básica, saúde e segurança pública.
A PEC 45/2019 prevê uma redistribuição da arrecadação do IBS ao longo de um período de 50 anos, mas não trata da mudança no foco da tributação; o que ela faz é criar um mecanismo para que os mais pobres tenham um tipo de restituição, realizado por meio do cruzamento de dados do CPF com os cadastros dos programas sociais. A experiência de municípios e estados que devolvem parte dos impostos a quem pede a inclusão do CPF nas notas fiscais mostrará até que ponto esse sistema será eficaz no combate à informalidade, mas desde já pode-se apontar dois problemas. Primeiro, há uma transferência da responsabilidade para o contribuinte mais pobre, que terá de lembrar sempre da necessidade de exigir a nota fiscal para que o governo saiba o valor a ser devolvido; além disso, a vinculação entre devolução tributária e cadastro em programas sociais deixa a porta aberta para fraudes em que pessoas seriam incluídas na lista de beneficiários apenas para conseguirem recuperar o IBS pago.
Como a necessidade de uma reforma que simplifique o sistema tributário brasileiro é quase que uma unanimidade, o governo terá de correr e trabalhar em extrema sintonia com sua base aliada no Congresso se quiser fazer alguma alteração na proposta de Appy. Ao patrocinar um novo projeto de reforma, o parlamento já desperdiçou todo o trabalho feito com a PEC 293/04, que chegou a estar pronta para votação em plenário; voltar à estaca zero mais uma vez só se justificará se a equipe econômica tiver uma ideia radicalmente diferente e muito melhor que a atual.
Onde o fake não tem vez - NIZAN GUANAES
FOLHA DE SP - 21/05
Marketing agora busca verdades para compartilhá-las
Este é um momento mágico na relação entre as marcas e os seus públicos. É uma relação direta, de colaboração e diálogo, na qual a verdade é o fio condutor.
O marketing costumava criar mitos para depois vendê-los ao público consumidor. Agora ele busca verdades para compartilhá-las.
Mas isso não é necessariamente novo. Steve Jobs, ao voltar ao comando da Apple no fim dos anos 1990, após ela quase afundar sem ele, queria uma campanha que expressasse a verdadeira alma de sua empresa.
A agência que então atendia a Apple veio com o slogan "We Are Back" (estamos de volta).
Todos aprovaram a ideia, menos Jobs, para quem a Apple ainda não tinha voltado a ser o que devia na cabeça de seu genial criador.
Uma concorrência com três agências foi aberta, e a campanha escolhida foi a memorável "Think Different" (pense diferente).
Criada por Lee Clow e seu time na TBWA/Chiat/Day, trazia retratos de pessoas geniais (porque pensaram diferente) como Einstein, Callas, Miles Davis, Picasso, Gandhi, Mandela etc., a maçã colorida da Apple e o novo slogan da empresa.
Foi um retumbante sucesso. Pouco tempo depois, Jobs lançaria os iMacs coloridos e uma sucessão de produtos que mudaram nossa relação com a tecnologia e tornaram a Apple uma das empresas mais valiosas e relevantes do planeta.
Jobs optou pela verdade (ele sempre pensou diferente) e entregou essa verdade ao consumidor nos seus produtos —e nas suas campanhas publicitárias. Como outras grandes empresas e outras grandes campanhas fizeram e fazem há tempos. A diferença é que o que era diferente e genial evoluiu para ser a norma do mercado. É mais uma evolução do que uma disrupção.
Comunique verdades, não slogans. Se as "fake news" proliferam com força e velocidade brutais em tantas áreas, na relação das marcas com seus públicos a verdade está se impondo.
Até na ficção: a série de TV "Billions", centrada em uma fictícia empresa de hedge fund chamada Axe, lançou uma campanha real na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter para arrecadar fundos para investir em projetos de startups aprovados pelos criadores da série. Foi um sucesso —a série e a arrecadação.
É verdade que a verdade nem sempre é sedutora. Você não chega em um primeiro encontro contando todos os seus defeitos e suas fraquezas. Mas, se você mentir, e for descoberto, provavelmente não terá uma segunda chance. Por isso cada gesto conta. Aja do jeito que você aspira ser e isso será visto, reconhecido e divulgado pelo próprio público.
Os momentos mais importantes para engajar seu público com a sua verdade é justamente os momentos em que o público está engajado com você, comprando e usando seus produtos e serviços ou conversando com a empresa por telefone, chat, WhatsApp, email, rede social...
Não há nada mais falso do que uma mensagem gravada dizendo "sua ligação é muito importante para nós, mas no momento todos os nossos atendentes estão ocupados" e depois deixar o sujeito esperando um tempão na linha. Atenda o mais rápido que puder, e fale a verdade.
Mas a verdade nua e crua não basta. É inclusive possível contar mentiras falando apenas verdades, como no comercial "Hitler" que criamos para a Folha e com o qual ganhamos toneladas de prêmios. Há enorme demanda pela verdade. Mas ela precisa ser interessante, criativa e engajadora.
É aí que nós entramos, profissionais do marketing (e da verdade).
Nizan Guanaes
Empreendedor, fundador do Grupo ABC
Marketing agora busca verdades para compartilhá-las
Este é um momento mágico na relação entre as marcas e os seus públicos. É uma relação direta, de colaboração e diálogo, na qual a verdade é o fio condutor.
O marketing costumava criar mitos para depois vendê-los ao público consumidor. Agora ele busca verdades para compartilhá-las.
Mas isso não é necessariamente novo. Steve Jobs, ao voltar ao comando da Apple no fim dos anos 1990, após ela quase afundar sem ele, queria uma campanha que expressasse a verdadeira alma de sua empresa.
A agência que então atendia a Apple veio com o slogan "We Are Back" (estamos de volta).
Todos aprovaram a ideia, menos Jobs, para quem a Apple ainda não tinha voltado a ser o que devia na cabeça de seu genial criador.
Uma concorrência com três agências foi aberta, e a campanha escolhida foi a memorável "Think Different" (pense diferente).
Criada por Lee Clow e seu time na TBWA/Chiat/Day, trazia retratos de pessoas geniais (porque pensaram diferente) como Einstein, Callas, Miles Davis, Picasso, Gandhi, Mandela etc., a maçã colorida da Apple e o novo slogan da empresa.
Foi um retumbante sucesso. Pouco tempo depois, Jobs lançaria os iMacs coloridos e uma sucessão de produtos que mudaram nossa relação com a tecnologia e tornaram a Apple uma das empresas mais valiosas e relevantes do planeta.
Jobs optou pela verdade (ele sempre pensou diferente) e entregou essa verdade ao consumidor nos seus produtos —e nas suas campanhas publicitárias. Como outras grandes empresas e outras grandes campanhas fizeram e fazem há tempos. A diferença é que o que era diferente e genial evoluiu para ser a norma do mercado. É mais uma evolução do que uma disrupção.
Comunique verdades, não slogans. Se as "fake news" proliferam com força e velocidade brutais em tantas áreas, na relação das marcas com seus públicos a verdade está se impondo.
Até na ficção: a série de TV "Billions", centrada em uma fictícia empresa de hedge fund chamada Axe, lançou uma campanha real na plataforma de financiamento coletivo Kickstarter para arrecadar fundos para investir em projetos de startups aprovados pelos criadores da série. Foi um sucesso —a série e a arrecadação.
É verdade que a verdade nem sempre é sedutora. Você não chega em um primeiro encontro contando todos os seus defeitos e suas fraquezas. Mas, se você mentir, e for descoberto, provavelmente não terá uma segunda chance. Por isso cada gesto conta. Aja do jeito que você aspira ser e isso será visto, reconhecido e divulgado pelo próprio público.
Os momentos mais importantes para engajar seu público com a sua verdade é justamente os momentos em que o público está engajado com você, comprando e usando seus produtos e serviços ou conversando com a empresa por telefone, chat, WhatsApp, email, rede social...
Não há nada mais falso do que uma mensagem gravada dizendo "sua ligação é muito importante para nós, mas no momento todos os nossos atendentes estão ocupados" e depois deixar o sujeito esperando um tempão na linha. Atenda o mais rápido que puder, e fale a verdade.
Mas a verdade nua e crua não basta. É inclusive possível contar mentiras falando apenas verdades, como no comercial "Hitler" que criamos para a Folha e com o qual ganhamos toneladas de prêmios. Há enorme demanda pela verdade. Mas ela precisa ser interessante, criativa e engajadora.
É aí que nós entramos, profissionais do marketing (e da verdade).
Nizan Guanaes
Empreendedor, fundador do Grupo ABC
Receita para a revolução - FERNÃO LARA MESQUITA
O Estado de S. Paulo - 21/05
O estupro só vai parar quando o povo estiver armado para contratar e para demitir
Não há saída para o Brasil sem a arrumação fiscal? O buraco é mais embaixo...
O estupro só vai parar quando o povo estiver armado para contratar e para demitir
Não há saída para o Brasil sem a arrumação fiscal? O buraco é mais embaixo...
Não haverá arrumação fiscal sem o fim desse regime de escravização de 99,5% do País aos “direitos adquiridos” dos 0,5% da privilegiatura.
Não há inocentes na tragédia brasileira. O Sistema não muda porque ninguém está pleiteando que mude. Ninguém admite perder nada. A divergência que essa polarização burra traduz circunscreve-se à disputa pelo comando da coisa. Não é o Brasil que está em discussão. O Brasil é só o prêmio dessa disputa.
Temos quatro anos pela frente e nada que não provoque calafrios no radar do futuro eleitoral da Nação. Mesmo considerando a culpa dos Bolsonaros pelos estragos que fazem a boquirrotice do presidente e as fogueiras ateadas pelos moleques do clã, não se admitiria que a imprensa atirasse nelas gasolina, em vez de água, nem que Rodrigo Maia e cia. as recebessem “fazendo beicinho” e “ficando de mal” à custa de afundar 200 milhões de brasileiros dez andares mais para baixo no inferno se fosse neles que estivessem pensando.
“O governo perdeu.” “O governo ganhou.” A imprensa não investiga as estatais nem expõe as mordomias que nos devoram. Só cobre a disputa de que o Brasil é o prêmio. Fornece tijolos para Babel. E o País Oficial, se vivesse no território que arrasou, trataria de consertá-lo com a urgência que nós temos. Como habita um Brasil só dele onde tudo sobra, pode dar-se o luxo de não ter pressa. A lei, quando não a própria Constituição com que nos assaltam, manda cortar antes remédio de criança com câncer e o pescoço da Nação que as lagostas do STF ou os cavalos de salto dos nossos generais.
A privilegiatura não está só sufocando o País. Está amputando as pernas de que vamos precisar para retomar a marcha quando conseguirmos arrancá-la da nossa jugular. O mundo está cheio de gente com coragem para mudar e de lugar para dinheiro ir. A única vantagem do Brasil é o tamanho do desastre que nos infligimos. Somos o maior potencial de upside do mercado. Ninguém fez tanto mal a si mesmo. A China da hora. Um país inteiro por reconstruir. Os últimos egressos de um socialismo bandalho. Mas a privilegiatura não quer estrangeiros intrusos que lhe custem despregar os dentes do osso. E como todo mundo aqui, menos o lúmpen sob o fogo cruzado, que não tem voz, tem uma tetinha para chamar de sua, a nave vai.
É hora de encarar a vida adulta. Sangue e barulho tem a dar com pau, mas revolução de verdade só teve uma na História da Humanidade. A que tomou o poder das mãos das minorias que, desde que o mundo é mundo, fosse “por ordem de deus”, fosse só porque “sempre foi assim”, disputavam exclusivamente dentro do círculo de uma “nobreza” (com suas respectivas “direita” e “esquerda”) o comando do aparato de exploração da maioria. O instrumento da revolução foi a transferência das mãos da minoria para as da maioria dos poderes de, a qualquer momento, eleger e deseleger os seus representantes, contratar e demitir os servidores do Estado, dar a palavra final sobre as leis sob as quais aceita viver.
Noventa e nove por cento da literatura política que jaz nas bibliotecas do mundo não vale um tostão. Não passa de esforços de prestidigitação para dar à maioria a impressão de que a realidade muda quando muda o discurso da minoria que passa a se apropriar do resultado do trabalho dela, ou até para convencê-la de que há razões muito nobres para que ela aquiesça de bom grado nessa expropriação. A que se salva é a que trata de tornar operacional essa transferência do comando do Sistema da minoria para a maioria dentro de um contexto de segurança institucional e com garantia de legitimidade.
“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.” O estupro só vai parar quando o povo estiver armado para contratar e para demitir. A fidelidade da representação do País Real no País Oficial é que põe responsabilidade e legitimidade no uso dessa arma. Daí ter sido essa, desde o primeiro minuto, a obsessão dos artífices da “democracia representativa”. Só existe uma maneira de garantir a fidelidade dessa representação. Eliminar os intermediários. A função dos partidos é sintetizar a mensagem política e formalizar o compromisso mínimo dos candidatos. Nada mais. O voto distrital puro é a única maneira aferível de amarrar, pelo endereço, cada representante aos seus representados. Cada candidato só se apresenta aos eleitores de um distrito. Cada distrito elege um só representante. E os eleitores daquele distrito – os que votaram e os que não votaram no candidato vitorioso – têm soberania absoluta sobre ele. Uma lista de assinaturas que cumpra os requisitos pactuados entre eles convoca uma nova votação naquele distrito para destituir ou manter o seu representante. No representante “do outro” ninguém toca, nem os demais eleitores, nem o governo, nem o Judiciário, sem a autorização dos “donos”. Sem tretas. Tudo claro. Tudo no voto.
Municipais, estaduais, federais, os distritos eleitorais com um número semelhante de habitantes (e, portanto, de eleitores) seguem a mesma lógica. Só o censo pode alterar os seus limites geográficos se e quando for constatada mudança importante na sua população. E em cada um desses círculos, o eleitor é rei. Ele escolhe o regime de governo do seu município, ele propõe leis aos seus coeleitores, ele aceita ou veta, por referendo, as leis “maiores” e “menores” dos seus legisladores.
A essência da humanidade não muda com isso. Continua-se a errar como sempre. Mas deixa de haver compromisso com o “erro”, que é o fundamento de todo privilégio. Tudo o mais, senão a definição desse modo de operar em seus contornos mínimos e essenciais, deixa de ser “pétreo” e “imexível”. Cada pessoa, instituição ou lei passa a estar sujeita a avaliação. Todo erro pode ser corrigido sem hora marcada e sem pedir licença aos não interessados.
Como é que se consegue implantar isso? Exigindo. O povo é rei. Consegue tudo o que realmente quer. O problema é que o brasileiro continua hesitando em deixar de querer a coisa errada.
Não há inocentes na tragédia brasileira. O Sistema não muda porque ninguém está pleiteando que mude. Ninguém admite perder nada. A divergência que essa polarização burra traduz circunscreve-se à disputa pelo comando da coisa. Não é o Brasil que está em discussão. O Brasil é só o prêmio dessa disputa.
Temos quatro anos pela frente e nada que não provoque calafrios no radar do futuro eleitoral da Nação. Mesmo considerando a culpa dos Bolsonaros pelos estragos que fazem a boquirrotice do presidente e as fogueiras ateadas pelos moleques do clã, não se admitiria que a imprensa atirasse nelas gasolina, em vez de água, nem que Rodrigo Maia e cia. as recebessem “fazendo beicinho” e “ficando de mal” à custa de afundar 200 milhões de brasileiros dez andares mais para baixo no inferno se fosse neles que estivessem pensando.
“O governo perdeu.” “O governo ganhou.” A imprensa não investiga as estatais nem expõe as mordomias que nos devoram. Só cobre a disputa de que o Brasil é o prêmio. Fornece tijolos para Babel. E o País Oficial, se vivesse no território que arrasou, trataria de consertá-lo com a urgência que nós temos. Como habita um Brasil só dele onde tudo sobra, pode dar-se o luxo de não ter pressa. A lei, quando não a própria Constituição com que nos assaltam, manda cortar antes remédio de criança com câncer e o pescoço da Nação que as lagostas do STF ou os cavalos de salto dos nossos generais.
A privilegiatura não está só sufocando o País. Está amputando as pernas de que vamos precisar para retomar a marcha quando conseguirmos arrancá-la da nossa jugular. O mundo está cheio de gente com coragem para mudar e de lugar para dinheiro ir. A única vantagem do Brasil é o tamanho do desastre que nos infligimos. Somos o maior potencial de upside do mercado. Ninguém fez tanto mal a si mesmo. A China da hora. Um país inteiro por reconstruir. Os últimos egressos de um socialismo bandalho. Mas a privilegiatura não quer estrangeiros intrusos que lhe custem despregar os dentes do osso. E como todo mundo aqui, menos o lúmpen sob o fogo cruzado, que não tem voz, tem uma tetinha para chamar de sua, a nave vai.
É hora de encarar a vida adulta. Sangue e barulho tem a dar com pau, mas revolução de verdade só teve uma na História da Humanidade. A que tomou o poder das mãos das minorias que, desde que o mundo é mundo, fosse “por ordem de deus”, fosse só porque “sempre foi assim”, disputavam exclusivamente dentro do círculo de uma “nobreza” (com suas respectivas “direita” e “esquerda”) o comando do aparato de exploração da maioria. O instrumento da revolução foi a transferência das mãos da minoria para as da maioria dos poderes de, a qualquer momento, eleger e deseleger os seus representantes, contratar e demitir os servidores do Estado, dar a palavra final sobre as leis sob as quais aceita viver.
Noventa e nove por cento da literatura política que jaz nas bibliotecas do mundo não vale um tostão. Não passa de esforços de prestidigitação para dar à maioria a impressão de que a realidade muda quando muda o discurso da minoria que passa a se apropriar do resultado do trabalho dela, ou até para convencê-la de que há razões muito nobres para que ela aquiesça de bom grado nessa expropriação. A que se salva é a que trata de tornar operacional essa transferência do comando do Sistema da minoria para a maioria dentro de um contexto de segurança institucional e com garantia de legitimidade.
“Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido.” O estupro só vai parar quando o povo estiver armado para contratar e para demitir. A fidelidade da representação do País Real no País Oficial é que põe responsabilidade e legitimidade no uso dessa arma. Daí ter sido essa, desde o primeiro minuto, a obsessão dos artífices da “democracia representativa”. Só existe uma maneira de garantir a fidelidade dessa representação. Eliminar os intermediários. A função dos partidos é sintetizar a mensagem política e formalizar o compromisso mínimo dos candidatos. Nada mais. O voto distrital puro é a única maneira aferível de amarrar, pelo endereço, cada representante aos seus representados. Cada candidato só se apresenta aos eleitores de um distrito. Cada distrito elege um só representante. E os eleitores daquele distrito – os que votaram e os que não votaram no candidato vitorioso – têm soberania absoluta sobre ele. Uma lista de assinaturas que cumpra os requisitos pactuados entre eles convoca uma nova votação naquele distrito para destituir ou manter o seu representante. No representante “do outro” ninguém toca, nem os demais eleitores, nem o governo, nem o Judiciário, sem a autorização dos “donos”. Sem tretas. Tudo claro. Tudo no voto.
Municipais, estaduais, federais, os distritos eleitorais com um número semelhante de habitantes (e, portanto, de eleitores) seguem a mesma lógica. Só o censo pode alterar os seus limites geográficos se e quando for constatada mudança importante na sua população. E em cada um desses círculos, o eleitor é rei. Ele escolhe o regime de governo do seu município, ele propõe leis aos seus coeleitores, ele aceita ou veta, por referendo, as leis “maiores” e “menores” dos seus legisladores.
A essência da humanidade não muda com isso. Continua-se a errar como sempre. Mas deixa de haver compromisso com o “erro”, que é o fundamento de todo privilégio. Tudo o mais, senão a definição desse modo de operar em seus contornos mínimos e essenciais, deixa de ser “pétreo” e “imexível”. Cada pessoa, instituição ou lei passa a estar sujeita a avaliação. Todo erro pode ser corrigido sem hora marcada e sem pedir licença aos não interessados.
Como é que se consegue implantar isso? Exigindo. O povo é rei. Consegue tudo o que realmente quer. O problema é que o brasileiro continua hesitando em deixar de querer a coisa errada.
A razia de Bolsonaro - EDITORIAL O ESTADÃO
O Estado de S. Paulo - 21/05
Cresce a inquietante sensação de que Bolsonaro decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias.
Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é “ingovernável” sem os “conchavos” políticos e de dizer que conta “com a sociedade” para “juntos revertermos essa situação”, o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao “povo” contra o Congresso – em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos.
Cresce a inquietante sensação de que Bolsonaro decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do “povo” e, mais, de Deus. Ao que parece, Bolsonaro passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da “velha política” e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida pelo presidente.
Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a “ruptura institucional”, expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira passada.
Diante da repercussão negativa, Bolsonaro, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, preferiu ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.
Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que “esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele”. E completou: “Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo”. Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais.
Depois, divulgou em seu perfil no Facebook o vídeo de um pastor congolês que diz que Bolsonaro “foi escolhido por Deus” para comandar o Brasil. “Pastor francês (sic) expõe sua visão sobre o futuro do Brasil”, explicou o presidente, que completou: “Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as democracias”. O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo, porque a do Brasil ele definitivamente ignora.
No vídeo que Bolsonaro endossou, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, “na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus”, como “o imperador persa Ciro”, e que “o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não”. E o pastor lança um apelo aos brasileiros: “Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem. Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição”.
Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada como blague, mas não vivemos tempos normais – pois é o próprio presidente que, ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como parte de uma “profecia”. O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser um instrumento de Deus e o porta-voz do “povo” – nada menos. Portanto, quem quer que se oponha a Bolsonaro – puxa! – não passa de um sacrílego.
Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância bolsonarista – a que Bolsonaro dá o nome de “povo” – a alimentar expectativas sobre soluções antidemocráticas, como um atalho para a realização de “profecias”.
O reiterado apelo de Bolsonaro ao “povo” para fazer valer uma suposta “vontade de Deus” envenena a democracia e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a política. A esta altura, parece cada vez mais claro que Bolsonaro não estava para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para “construir coisas para nosso povo”, e sim para “desconstruir muita coisa”. Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.
Cresce a inquietante sensação de que Bolsonaro decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias.
Depois de ter distribuído pelo WhatsApp um texto segundo o qual o País é “ingovernável” sem os “conchavos” políticos e de dizer que conta “com a sociedade” para “juntos revertermos essa situação”, o presidente Jair Bolsonaro voltou a fazer apelos diretos ao “povo” contra o Congresso – em relação ao qual nutre indisfarçável desprezo, embora tenha sido obscuro parlamentar durante 28 anos.
Cresce a inquietante sensação de que Bolsonaro decidiu governar não conforme a Constituição e com respeito às instituições democráticas, mas como um falso Messias cuja vontade não pode ser contrariada por supostamente traduzir os desejos do “povo” e, mais, de Deus. Ao que parece, Bolsonaro passou a acreditar de fato na retórica salvacionista que permeou sua campanha eleitoral, alimentada por alguns assessores e pelos filhos com o intuito de antagonizar o Congresso – visto como o lugar da “velha política” e, portanto, como um obstáculo à regeneração prometida pelo presidente.
Ao cabo de cinco meses de governo, em que todos os indicadores sociais e econômicos apresentaram sensível deterioração, fruto de sua inação administrativa e da descrença generalizada e cada vez maior na sua capacidade de governar, Bolsonaro começa a flertar com a “ruptura institucional”, expressão que apareceu no texto que o presidente chancelou ao distribuí-lo na sexta-feira passada.
Diante da repercussão negativa, Bolsonaro, em lugar de serenar os ânimos e demonstrar seu compromisso com a democracia representativa, estabelecida na Constituição, preferiu ampliar as tensões, lançando-se de vez no caminho do cesarismo.
Ao comentar o texto de teor golpista que passou adiante pelo WhatsApp, Bolsonaro disse que “esse pessoal que divulga isso faz parte do povo e nós temos que ser fiéis a ele”. E completou: “Quem tem que ser forte, dar o norte, é o povo”. Ora, o mesmo povo que o elegeu para se ver livre das proezas lulopetistas elegeu 81 senadores e 513 deputados, além de legisladores e governantes estaduais.
Depois, divulgou em seu perfil no Facebook o vídeo de um pastor congolês que diz que Bolsonaro “foi escolhido por Deus” para comandar o Brasil. “Pastor francês (sic) expõe sua visão sobre o futuro do Brasil”, explicou o presidente, que completou: “Não existe teoria da conspiração, existe uma mudança de paradigma na política. Quem deve ditar os rumos do país é o povo! Assim são as democracias”. O ilustre salvador talvez conheça a história do Congo, porque a do Brasil ele definitivamente ignora.
No vídeo que Bolsonaro endossou, o tal pastor, um certo Steve Kunda, diz que, “na história da Bíblia, houve políticos que foram estabelecidos por Deus”, como “o imperador persa Ciro”, e que “o senhor Jair Bolsonaro é o Ciro do Brasil, você querendo ou não”. E o pastor lança um apelo aos brasileiros: “Não passe seu tempo criticando. Juntem as forças e sustentem esse homem. Orem por ele, encorajem-no, não façam oposição”.
Em condições normais, tal exegese de botequim seria tratada como blague, mas não vivemos tempos normais – pois é o próprio presidente que, ao levar tais cretinices a sério, parece de fato considerar sua eleição como parte de uma “profecia”. O resumo dessa mixórdia mística é que Bolsonaro acredita ser um instrumento de Deus e o porta-voz do “povo” – nada menos. Portanto, quem quer que se oponha a Bolsonaro – puxa! – não passa de um sacrílego.
Com 13 milhões de desempregados, estagnação econômica e perspectivas pouco animadoras em relação às reformas, tudo o que o País não precisa é de um presidente que devaneia sobre seu papel institucional e político e que, em razão disso, estimula seu entorno e a militância bolsonarista – a que Bolsonaro dá o nome de “povo” – a alimentar expectativas sobre soluções antidemocráticas, como um atalho para a realização de “profecias”.
O reiterado apelo de Bolsonaro ao “povo” para fazer valer uma suposta “vontade de Deus” envenena a democracia e colabora para a ampliação da cisão social entre os brasileiros e destes com a política. A esta altura, parece cada vez mais claro que Bolsonaro não estava para brincadeira quando disse, em março, que não chegou ao governo para “construir coisas para nosso povo”, e sim para “desconstruir muita coisa”. Espera-se que a democracia brasileira e suas instituições resistam a essa razia.
Não há meio-termo quando um presidente flerta com a ditadura - RANIER BRAGON
FOLHA DE SP - 21/05
Texto endossado por Bolsonaro e atos do dia 26 testam aceitação a nova era de arbítrio
Jair Bolsonaro resolveu testar a aceitação popular a uma nova era de arbítrio. Não há meio-termo quando um presidente da República compartilha um texto como o da semana passada e estimula atos que pregam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Depois de voltar de uma ridícula e inútil viagem aos cafundós dos Estados Unidos, ele disparou o pueril texto e estimulou os protestospró-ditadura do dia 26 —ações que vão contra o que entendemos por república, democracia e civilização.
Não importa se Bolsonaro perdeu o eixo devido às investigações sobre a peculiar política de RH dos gabinetes da família. Não há como ter posições dúbias diante do que foi dito. Alguns aliados já falaram, como o olavete do Itamaraty, para quem o chefe quer só desligar a “maldita máquina” corruptora. Outros, como o MBL e Janaina Paschoal, criticaram.
“Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas. Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar!”, escreveu a deputada, que nesta segunda-feira (20) questionou a sanidade mental do presidente.
Os 594 congressistas —chamados de ladrões, não nos percamos em eufemismos—, o que pensam? E os militares? Concordam com o reingresso na união das republiquetas de banana, tendo como césares Bolsonaro e seu Rasputin desbocado? Usaremos, para isso, um cabo e um soldado ou será melhor esperar a vinda de tanques da Virgínia?
Resta também a eterna curiosidade sobre o que pensa Sergio Moro. Congresso ou STF, qual liquidar primeiro para haver governabilidade? O ministro, um apreciador das leis, poderia dizer quantos artigos da Constituição que jurou cumprir Bolsonaro descumpriu na semana passada? Ou vai pedir escusas para, mais uma vez, se fingir de morto?
Sempre é possível correr para debaixo da cama em situações assim. Que cada um depois preste contas à história e à sua própria consciência.
Ranier Bragon
Repórter especial em Brasília, está na Folha desde 1998. Foi correspondente em Belo Horizonte e São Luís e editor-adjunto de Poder
Texto endossado por Bolsonaro e atos do dia 26 testam aceitação a nova era de arbítrio
Jair Bolsonaro resolveu testar a aceitação popular a uma nova era de arbítrio. Não há meio-termo quando um presidente da República compartilha um texto como o da semana passada e estimula atos que pregam o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal.
Depois de voltar de uma ridícula e inútil viagem aos cafundós dos Estados Unidos, ele disparou o pueril texto e estimulou os protestospró-ditadura do dia 26 —ações que vão contra o que entendemos por república, democracia e civilização.
Não importa se Bolsonaro perdeu o eixo devido às investigações sobre a peculiar política de RH dos gabinetes da família. Não há como ter posições dúbias diante do que foi dito. Alguns aliados já falaram, como o olavete do Itamaraty, para quem o chefe quer só desligar a “maldita máquina” corruptora. Outros, como o MBL e Janaina Paschoal, criticaram.
“Essas manifestações não têm racionalidade. O presidente foi eleito para governar nas regras democráticas. Dia 26, se as ruas estiverem vazias, Bolsonaro perceberá que terá que parar de fazer drama para trabalhar!”, escreveu a deputada, que nesta segunda-feira (20) questionou a sanidade mental do presidente.
Os 594 congressistas —chamados de ladrões, não nos percamos em eufemismos—, o que pensam? E os militares? Concordam com o reingresso na união das republiquetas de banana, tendo como césares Bolsonaro e seu Rasputin desbocado? Usaremos, para isso, um cabo e um soldado ou será melhor esperar a vinda de tanques da Virgínia?
Resta também a eterna curiosidade sobre o que pensa Sergio Moro. Congresso ou STF, qual liquidar primeiro para haver governabilidade? O ministro, um apreciador das leis, poderia dizer quantos artigos da Constituição que jurou cumprir Bolsonaro descumpriu na semana passada? Ou vai pedir escusas para, mais uma vez, se fingir de morto?
Sempre é possível correr para debaixo da cama em situações assim. Que cada um depois preste contas à história e à sua própria consciência.
Ranier Bragon
Repórter especial em Brasília, está na Folha desde 1998. Foi correspondente em Belo Horizonte e São Luís e editor-adjunto de Poder
Algaravia presidencial - MERVAL PEREIRA
O GLOBO - 21/05
O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir
O presidente Bolsonaro dá a cada dia mais sinais de que está com dificuldades de se comunicar, não apenas no sentido técnico do termo, mas, sobretudo, no pessoal. No técnico, o movimento pendular característico de sua gestão hoje favorece o bom-senso do General Santos Cruz, que fez ontem a apologia de uma comunicação sem viés ideológico, e aberta a todos.
A partir da Virginia, nos Estados Unidos, o recado deve ter convulsionado as redes sociais bolsonaristas. O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir.
A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os empresários, por exemplo, quando os chamou de “heróis” por empreenderem com uma legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada adiante com vigor.
Mas, no mesmo discurso, ontem na Firjan, acenou a uma reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que também a considerou a causa dos problemas brasileiros.
“É nóis”, disse o presidente, incluindo-se, como político, entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular é usada corriqueiramente hoje em dia, significando adesão a um pensamento ou a uma atitude. É também uma afirmação de identidade comum.
Enfim, o presidente cometeu um erro, mesmo no português coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ali Bolsonaro estava fazendo um diagnóstico negativo da classe política.
Ninguém replica nas redes sociais mensagens de que discorde. Os Bolsonaros sabem muito bem usar esses novos meios. Portanto, não há possibilidade de que a mensagem compartilhada pelo presidente sobre as dificuldades de governar seja apenas uma distribuição aleatória de palavras vãs.
Assim como é sintomático, e preocupante, o presidente ter compartilhado um vídeo em que um suposto pastor congolês diz que Bolsonaro é o escolhido por Deus para levar o país a um novo destino.
Tudo o que alguém posta no Facebook, no Twitter, e outros meios digitais tem um sentido, especialmente quando se trata do presidente da República. A balbúrdia, que tanto temia o ministro da Educação, está instalada, a ponto de haver provocações dos dois lados.
A Câmara assumir a reforma da Previdência pode ser uma tentativa de auto-afirmação da classe política sobre o Executivo. Mas pode também ser uma jogada de mestre do próprio Bolsonaro.
Os principais líderes da Câmara, até mesmo os do partido teoricamente dele, o PSL, estão evitando uma aproximação. Temem, por exemplo, que as manifestações convocadas para o dia 26 fracassem, ou entrem por um terreno contra as instituições, da maneira que a convocação está sendo feita.
Mas também não querem perder esse momento se, como garantem alguns, ele estiver em sintonia com o sentimento popular. A maioria quer mesmo dar um toque pessoal da Câmara, para retirar do governo os louros pela aprovação da reforma da Previdência, caso ela desencadeie uma retomada do crescimento.
Ao mesmo tempo, os deputados ficarão com a responsabilidade de aprovar uma reforma que seja eficaz, pois, do contrário, serão responsabilizados por não darem condições de governabilidade a Bolsonaro. É isso que ele está implantando preventivamente nas redes sociais, e em discursos como os de ontem no Rio.
O que o presidente ganha com esse ambiente conturbado? Motivos para mobilizar o núcleo duro de seu eleitorado, esse mesmo que está organizando as manifestações do dia 26.
O PT sobrevive politicamente há anos com a adesão de cerca de 30% do eleitorado, que se expande eventualmente na disputa eleitoral. Bolsonaro quer mobilizar os seus 30%, suficientes para levá-lo com vantagem a um imaginário terceiro turno.
A idéia é colocar o verde e amarelo nas ruas. Já houve outro presidente que teve a mesma idéia, e não deu certo. O pessoal saiu de preto. O ambiente político naquele momento do governo Collor era, porém, mais degradado do que o que vivemos, embora os primeiros meses de Bolsonaro sejam os mais conturbados de quantos já vivemos.
O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir
O presidente Bolsonaro dá a cada dia mais sinais de que está com dificuldades de se comunicar, não apenas no sentido técnico do termo, mas, sobretudo, no pessoal. No técnico, o movimento pendular característico de sua gestão hoje favorece o bom-senso do General Santos Cruz, que fez ontem a apologia de uma comunicação sem viés ideológico, e aberta a todos.
A partir da Virginia, nos Estados Unidos, o recado deve ter convulsionado as redes sociais bolsonaristas. O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir.
A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os empresários, por exemplo, quando os chamou de “heróis” por empreenderem com uma legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada adiante com vigor.
Mas, no mesmo discurso, ontem na Firjan, acenou a uma reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que também a considerou a causa dos problemas brasileiros.
“É nóis”, disse o presidente, incluindo-se, como político, entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular é usada corriqueiramente hoje em dia, significando adesão a um pensamento ou a uma atitude. É também uma afirmação de identidade comum.
Enfim, o presidente cometeu um erro, mesmo no português coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ali Bolsonaro estava fazendo um diagnóstico negativo da classe política.
Ninguém replica nas redes sociais mensagens de que discorde. Os Bolsonaros sabem muito bem usar esses novos meios. Portanto, não há possibilidade de que a mensagem compartilhada pelo presidente sobre as dificuldades de governar seja apenas uma distribuição aleatória de palavras vãs.
Assim como é sintomático, e preocupante, o presidente ter compartilhado um vídeo em que um suposto pastor congolês diz que Bolsonaro é o escolhido por Deus para levar o país a um novo destino.
Tudo o que alguém posta no Facebook, no Twitter, e outros meios digitais tem um sentido, especialmente quando se trata do presidente da República. A balbúrdia, que tanto temia o ministro da Educação, está instalada, a ponto de haver provocações dos dois lados.
A Câmara assumir a reforma da Previdência pode ser uma tentativa de auto-afirmação da classe política sobre o Executivo. Mas pode também ser uma jogada de mestre do próprio Bolsonaro.
Os principais líderes da Câmara, até mesmo os do partido teoricamente dele, o PSL, estão evitando uma aproximação. Temem, por exemplo, que as manifestações convocadas para o dia 26 fracassem, ou entrem por um terreno contra as instituições, da maneira que a convocação está sendo feita.
Mas também não querem perder esse momento se, como garantem alguns, ele estiver em sintonia com o sentimento popular. A maioria quer mesmo dar um toque pessoal da Câmara, para retirar do governo os louros pela aprovação da reforma da Previdência, caso ela desencadeie uma retomada do crescimento.
Ao mesmo tempo, os deputados ficarão com a responsabilidade de aprovar uma reforma que seja eficaz, pois, do contrário, serão responsabilizados por não darem condições de governabilidade a Bolsonaro. É isso que ele está implantando preventivamente nas redes sociais, e em discursos como os de ontem no Rio.
O que o presidente ganha com esse ambiente conturbado? Motivos para mobilizar o núcleo duro de seu eleitorado, esse mesmo que está organizando as manifestações do dia 26.
O PT sobrevive politicamente há anos com a adesão de cerca de 30% do eleitorado, que se expande eventualmente na disputa eleitoral. Bolsonaro quer mobilizar os seus 30%, suficientes para levá-lo com vantagem a um imaginário terceiro turno.
A idéia é colocar o verde e amarelo nas ruas. Já houve outro presidente que teve a mesma idéia, e não deu certo. O pessoal saiu de preto. O ambiente político naquele momento do governo Collor era, porém, mais degradado do que o que vivemos, embora os primeiros meses de Bolsonaro sejam os mais conturbados de quantos já vivemos.
PIB deprimente - EDITORIAL FOLHA DE SP
FOLHA DE SP - 21/05
Renda estagnada do país suscita perplexidade e debate entre especialistas
A mediana das expectativas de analistas para a expansão do Produto Interno Brasileiro no ano caiu pela 12ª semana consecutiva, segundo divulgou o Banco Central nesta segunda (20). O processo de deterioração, infelizmente, não dá sinais de que esteja próximo do fim.
Desde fevereiro, a projeção caiu pela metade —de 2,5%, já modestos, para 1,24%. Não são poucos os que já preveem índices mais baixos, que mal compensariam a taxa de crescimento da população do país, hoje em torno de 0,8% ao ano.
Dito de outra maneira, a renda per capita ficará estagnada ou pouco além disso, numa repetição do ocorrido no biênio anterior. Trata-se de uma prostração quase inexplicável após a queda brutal de 8,6% na recessão de 2014-16.
Renda per capita não recupera patamar de 2010
Nota-se uma boa dose de perplexidade entre os economistas debruçados sobre o tema —e a perspectiva não mais remota de um novo mergulho recessivo com a queda do PIB no primeiro trimestre.
Conforme noticiou esta Folha, a consultoria do ex-presidente do BC Afonso Celso Pastore qualificou de depressão o cenário nacional em caso de confirmação dos prognósticos para o ano. Por esse ponto de vista, o termo se justificaria em razão da perda aguda e prolongada dos rendimentos.
Nem todos concordarão com tal nomenclatura, decerto, dado que inexistem parâmetros objetivos e universalmente aceitos para definir recessão e depressão. Uma velha piada postula que a primeira está em curso quando seu vizinho perde o emprego, e a segunda, quando é você o demitido.
De todo modo, não se pode escapar de um debate complexo em torno das causas da estagnação e das políticas para enfrentá-la.
As opções ao alcance imediato do governo Jair Bolsonaro (PSL) se mostram escassas. O enorme déficit orçamentário dificulta sobremaneira estímulos por meio de obras públicas ou desonerações; já a recente escalada do dólar impõe cuidados do BC com a inflação.
Nesse contexto, é fundamental apressar o programa de concessões à iniciativa privada de atividades em infraestrutura, de maneira a viabilizar investimentos em rodovias, portos, aeroportos e outros.
Entretanto a tarefa mais urgente a cargo do governo consiste em acertar suas relações com os partidos representados no Congresso —para encaminhar as reformas, sim, mas também para proporcionar um panorama político menos conturbado a todo o país.
Renda estagnada do país suscita perplexidade e debate entre especialistas
A mediana das expectativas de analistas para a expansão do Produto Interno Brasileiro no ano caiu pela 12ª semana consecutiva, segundo divulgou o Banco Central nesta segunda (20). O processo de deterioração, infelizmente, não dá sinais de que esteja próximo do fim.
Desde fevereiro, a projeção caiu pela metade —de 2,5%, já modestos, para 1,24%. Não são poucos os que já preveem índices mais baixos, que mal compensariam a taxa de crescimento da população do país, hoje em torno de 0,8% ao ano.
Dito de outra maneira, a renda per capita ficará estagnada ou pouco além disso, numa repetição do ocorrido no biênio anterior. Trata-se de uma prostração quase inexplicável após a queda brutal de 8,6% na recessão de 2014-16.
Renda per capita não recupera patamar de 2010
Em R$ mil corrigidos
32,7
2018
10
20
30
33,5
2010
34,5
2011
34,9
2012
35,6
2013
35,5
2014
34
2015
32,6
2016
32,6
2017
32,7
2018
Fontes: IBGE/Banco Central
Nota-se uma boa dose de perplexidade entre os economistas debruçados sobre o tema —e a perspectiva não mais remota de um novo mergulho recessivo com a queda do PIB no primeiro trimestre.
Conforme noticiou esta Folha, a consultoria do ex-presidente do BC Afonso Celso Pastore qualificou de depressão o cenário nacional em caso de confirmação dos prognósticos para o ano. Por esse ponto de vista, o termo se justificaria em razão da perda aguda e prolongada dos rendimentos.
Nem todos concordarão com tal nomenclatura, decerto, dado que inexistem parâmetros objetivos e universalmente aceitos para definir recessão e depressão. Uma velha piada postula que a primeira está em curso quando seu vizinho perde o emprego, e a segunda, quando é você o demitido.
De todo modo, não se pode escapar de um debate complexo em torno das causas da estagnação e das políticas para enfrentá-la.
As opções ao alcance imediato do governo Jair Bolsonaro (PSL) se mostram escassas. O enorme déficit orçamentário dificulta sobremaneira estímulos por meio de obras públicas ou desonerações; já a recente escalada do dólar impõe cuidados do BC com a inflação.
Nesse contexto, é fundamental apressar o programa de concessões à iniciativa privada de atividades em infraestrutura, de maneira a viabilizar investimentos em rodovias, portos, aeroportos e outros.
Entretanto a tarefa mais urgente a cargo do governo consiste em acertar suas relações com os partidos representados no Congresso —para encaminhar as reformas, sim, mas também para proporcionar um panorama político menos conturbado a todo o país.
Bolsonaro insiste nos desafios às instituições - EDITORIAL VALOR ECONÔMICO
Valor Econômico - 21/05
O presidente Jair Bolsonaro pode cruzar uma linha que levará o país a uma crise política permanente. Após divulgar pelos meios digitais um texto que considerou "leitura obrigatória", com críticas ao Congresso e ao Judiciário na sexta-feira, e no qual o Brasil é tido como "ingovernável" se não atender aos interesses das "corporações", Bolsonaro deu o sinal para que seus apoiadores marcassem para domingo manifestações de rua a favor do governo. Como já se tornou padrão em sua administração, o presidente engendra sem parar problemas para si próprio. É o caso das manifestações - que, legítimas, se forem bem ou mal-sucedidas igualmente pioram as condições de Bolsonaro governar.
Bolsonaro foi abalado pelas investigações que o Ministério Público realiza sobre as contas de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, e Fabricio Queiroz, que apontam para mau uso de dinheiro público e relacionamento com as milícias do Rio. O MP faz com Flavio o que fez com políticos do PT, do MDB e de outros partidos, e que sempre foi elogiado por Bolsonaro como ações firmes contra a corrupção. No caso de seu filho, considera perseguição. O Congresso se afasta rapidamente do Executivo, assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já foi várias vezes criticado pelo presidente e seu clã. Com uma base parlamentar que se restringe aos 54 deputados de seu partido, Bolsonaro segue uma senda que logo inviabilizará seu governo.
O presidente não aprendeu a negociar, e talvez não queira aprender. Na sexta, ele mencionou estranhos presságios quando foi esfaqueado em Juiz de Fora: "O Sistema vai me matar". No domingo, postou vídeo de pastor estrangeiro que disse que Bolsonaro foi "escolhido por Deus". Na sequência o presidente afirma que "quem deve ditar os rumos do país é o povo". E, em nota oficial divulgada pelo porta-voz da Presidência, na sexta, disse que "a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam de relações pouco republicanas".
A rota que Bolsonaro está seguindo colide com as instituições com as quais ele terá de, em uma democracia, necessariamente conviver. De um lado, os xeques sob o poder do Executivo aborrecem o presidente, que já desabafou que "não nasceu" para ocupar este cargo e que a rotina da Presidência é um desfiar infindável de problemas. De outro lado, nada subjetivo, ele manifesta recorrentemente o desejo de afrontá-las. A carta de ex-candidato a vereador no Rio, que divulgou na sexta, presta-se a interpretações que coincidem com a do presidente. O texto diz que Bolsonaro "não serve para nada" se todas suas ações "são questionadas no Congresso e na Justiça". O presidente habitaria "um cárcere que começa a se mostrar sufocante", já que sua agenda não é do interesse das corporações e "pelo jeito, nem dos militares".
Ao episódio se atribuiu duas consequências: a renúncia ou o atrito incessante com as instituições. Mesmo decepcionado com o fato de que o Congresso não se curve à sua vontade, o presidente não parece que quer deixar o cargo. A segunda hipótese é da ala fervorosamente bolsonarista, que despreza os políticos, o Supremo Tribunal Federal e, muitos deles, a própria democracia. Bolsonaro quer manter a chama viva da franja radical das redes sociais, mesmo depois que as pesquisas de opinião mostraram que os que nele votaram para evitar a permanência do PT começam a se arrepender em massa.
O estímulo a manifestações de rua a seu favor tenderá a isolá-lo mais ainda. É perigoso a um governo medir forças com o Congresso apelando ao "povo", algo que antes os bolsonaristas condenavam como fruto das intenções "bolivarianas" do PT. Caso as manifestações sejam bem-sucedidas, terão de ser usadas com frequência, porque não se mudam sob pressão e facilmente os desígnios do Congresso e os caminhos da Justiça, que reagirão à tentativa de desmoralização. E como essa desmoralização é um dos objetivos das alas que organizam as manifestações, um fracasso agravará os males que pretendiam combater. Desgastam o presidente e o deixam sem força política para aprovar até mesmo parte da imprescindível agenda econômica, à qual Bolsonaro não dá a essencialidade que deveria, ao armar confusões em série.
Com menos de cinco meses de governo, Bolsonaro tem sido incapaz de dialogar e dar rumos à nação, o que se espera de um ocupante do Planalto. A história do país não reservou papel memorável aos presidentes que insistiram nesse caminho.
O presidente Jair Bolsonaro pode cruzar uma linha que levará o país a uma crise política permanente. Após divulgar pelos meios digitais um texto que considerou "leitura obrigatória", com críticas ao Congresso e ao Judiciário na sexta-feira, e no qual o Brasil é tido como "ingovernável" se não atender aos interesses das "corporações", Bolsonaro deu o sinal para que seus apoiadores marcassem para domingo manifestações de rua a favor do governo. Como já se tornou padrão em sua administração, o presidente engendra sem parar problemas para si próprio. É o caso das manifestações - que, legítimas, se forem bem ou mal-sucedidas igualmente pioram as condições de Bolsonaro governar.
Bolsonaro foi abalado pelas investigações que o Ministério Público realiza sobre as contas de seu filho, o senador Flavio Bolsonaro, e Fabricio Queiroz, que apontam para mau uso de dinheiro público e relacionamento com as milícias do Rio. O MP faz com Flavio o que fez com políticos do PT, do MDB e de outros partidos, e que sempre foi elogiado por Bolsonaro como ações firmes contra a corrupção. No caso de seu filho, considera perseguição. O Congresso se afasta rapidamente do Executivo, assim como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que já foi várias vezes criticado pelo presidente e seu clã. Com uma base parlamentar que se restringe aos 54 deputados de seu partido, Bolsonaro segue uma senda que logo inviabilizará seu governo.
O presidente não aprendeu a negociar, e talvez não queira aprender. Na sexta, ele mencionou estranhos presságios quando foi esfaqueado em Juiz de Fora: "O Sistema vai me matar". No domingo, postou vídeo de pastor estrangeiro que disse que Bolsonaro foi "escolhido por Deus". Na sequência o presidente afirma que "quem deve ditar os rumos do país é o povo". E, em nota oficial divulgada pelo porta-voz da Presidência, na sexta, disse que "a mudança na forma de governar não agrada àqueles grupos que no passado se beneficiavam de relações pouco republicanas".
A rota que Bolsonaro está seguindo colide com as instituições com as quais ele terá de, em uma democracia, necessariamente conviver. De um lado, os xeques sob o poder do Executivo aborrecem o presidente, que já desabafou que "não nasceu" para ocupar este cargo e que a rotina da Presidência é um desfiar infindável de problemas. De outro lado, nada subjetivo, ele manifesta recorrentemente o desejo de afrontá-las. A carta de ex-candidato a vereador no Rio, que divulgou na sexta, presta-se a interpretações que coincidem com a do presidente. O texto diz que Bolsonaro "não serve para nada" se todas suas ações "são questionadas no Congresso e na Justiça". O presidente habitaria "um cárcere que começa a se mostrar sufocante", já que sua agenda não é do interesse das corporações e "pelo jeito, nem dos militares".
Ao episódio se atribuiu duas consequências: a renúncia ou o atrito incessante com as instituições. Mesmo decepcionado com o fato de que o Congresso não se curve à sua vontade, o presidente não parece que quer deixar o cargo. A segunda hipótese é da ala fervorosamente bolsonarista, que despreza os políticos, o Supremo Tribunal Federal e, muitos deles, a própria democracia. Bolsonaro quer manter a chama viva da franja radical das redes sociais, mesmo depois que as pesquisas de opinião mostraram que os que nele votaram para evitar a permanência do PT começam a se arrepender em massa.
O estímulo a manifestações de rua a seu favor tenderá a isolá-lo mais ainda. É perigoso a um governo medir forças com o Congresso apelando ao "povo", algo que antes os bolsonaristas condenavam como fruto das intenções "bolivarianas" do PT. Caso as manifestações sejam bem-sucedidas, terão de ser usadas com frequência, porque não se mudam sob pressão e facilmente os desígnios do Congresso e os caminhos da Justiça, que reagirão à tentativa de desmoralização. E como essa desmoralização é um dos objetivos das alas que organizam as manifestações, um fracasso agravará os males que pretendiam combater. Desgastam o presidente e o deixam sem força política para aprovar até mesmo parte da imprescindível agenda econômica, à qual Bolsonaro não dá a essencialidade que deveria, ao armar confusões em série.
Com menos de cinco meses de governo, Bolsonaro tem sido incapaz de dialogar e dar rumos à nação, o que se espera de um ocupante do Planalto. A história do país não reservou papel memorável aos presidentes que insistiram nesse caminho.
Bolsonaro tem de evitar ser chefe de grupo sectário - EDITORIAL O GLOBO
O GLOBO - 21/05
Presidente não deve atacar os políticos de forma genérica, porque o Congresso é essencial à democracia
Em mais uma surpresa negativa vinda das redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro abriu um flanco para ser comparado a Jânio Quadros, o populista que chegou ao poder brandindo uma vassoura, a fim de jogar no lixo a corrupção e outros males brasileiros, mas que terminou renunciando. E comunicou ao país que não havia conseguido fazer o que desejava devido a “forças terríveis”. Mandou à Câmara a carta de renúncia, que foi prontamente aceita, frustrando seu projeto de voltar nos braços do povo, em cima de um tanque. A lembrança daqueles tempos veio em decorrência da desastrada decisão de Bolsonaro de compartilhar nas redes sociais texto de um servidor público federal, que afirma que o Brasil é “ingovernável” sem os “conchavos políticos”, devido ao Congresso e a “corporações”. Bolsonaro o distribuiu, e o paralelo com Jânio foi instantâneo. Mas se já não funcionou em 61, o que dirá agora, quando as instituições republicanas contam com mais músculos.
De forma benevolente, credite-se mais este escorregão ao uso descuidado que Bolsonaro e filhos fazem da internet. O presidente precisa participar do jogo da democracia, negociar projetos com o Congresso, ajudar a construir uma base parlamentar. Não se trata de fazer barganhas espúrias. Prejudicam o próprio governo, e a si mesmo, críticas genéricas como a feita ontem na Federação das Indústrias do Rio, a Firjan: “o grande problema do Brasil é a classe política”. À tarde, em Brasília, mudou o tom, o que não costuma compensar os danos.
O presidente precisa abandonar a agenda de extrema direita com a qual seu governo anima milicianos digitais, sem qualquer resultado positivo para o país. Vide a paralisia em que se encontra uma pasta estratégica como a da Educação, depois de ser entregue por Bolsonaro a radicais. Deveria perceber que os extremos, à direita e à esquerda, são minoritários, e, tanto quanto isso, que com eles é impossível executar políticas públicas sem crises.
Também não pode achar que as investigações sobre Flávio, o filho 01, senador — por causa de altas cifras movimentadas na sua conta, quando era deputado estadual — sejam um ataque a si. Podem ser usadas pela oposição, mas o caso de Flávio Bolsonaro é um entre vários que estão sendo vasculhados pelo Ministério Público fluminense na Alerj. Se o senador do PSL enfrenta dificuldades para explicar a origem dos recursos que passaram por sua conta bancária, e pela do braço direito Fabrício Queiroz, esta é uma outra história. Reações deste tipo de Bolsonaro terminam insuflando a ideia de que o Congresso pode executar reformas sem o Executivo. Um caminho ilusório cheio de acidentes institucionais de percurso.
São conhecidas as corporações que atuam no Congresso para manter privilégios inaceitáveis. Mas é parte dos embates democráticos. O apoio da sociedade, se ela for bem informada sobre de que se trata, será maciço para o fim dessas benesses. Preservados todos os direitos adquiridos, é possível dar um fim a elas. É imperioso, não só devido a razões fiscais, mas também éticas, do ponto de vista da justiça social.
Bolsonaro tem de assumir o mandato que lhe foi dado por uma diversificada composição de eleitores. Precisa dedicar-se a agendas de interesse amplo. Não ao sabor de slogans e delírios extremistas. Bolsonaro tem de ser presidente, e deixar de adotar posturas de chefe de grupo sectário.
Presidente não deve atacar os políticos de forma genérica, porque o Congresso é essencial à democracia
Em mais uma surpresa negativa vinda das redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro abriu um flanco para ser comparado a Jânio Quadros, o populista que chegou ao poder brandindo uma vassoura, a fim de jogar no lixo a corrupção e outros males brasileiros, mas que terminou renunciando. E comunicou ao país que não havia conseguido fazer o que desejava devido a “forças terríveis”. Mandou à Câmara a carta de renúncia, que foi prontamente aceita, frustrando seu projeto de voltar nos braços do povo, em cima de um tanque. A lembrança daqueles tempos veio em decorrência da desastrada decisão de Bolsonaro de compartilhar nas redes sociais texto de um servidor público federal, que afirma que o Brasil é “ingovernável” sem os “conchavos políticos”, devido ao Congresso e a “corporações”. Bolsonaro o distribuiu, e o paralelo com Jânio foi instantâneo. Mas se já não funcionou em 61, o que dirá agora, quando as instituições republicanas contam com mais músculos.
De forma benevolente, credite-se mais este escorregão ao uso descuidado que Bolsonaro e filhos fazem da internet. O presidente precisa participar do jogo da democracia, negociar projetos com o Congresso, ajudar a construir uma base parlamentar. Não se trata de fazer barganhas espúrias. Prejudicam o próprio governo, e a si mesmo, críticas genéricas como a feita ontem na Federação das Indústrias do Rio, a Firjan: “o grande problema do Brasil é a classe política”. À tarde, em Brasília, mudou o tom, o que não costuma compensar os danos.
O presidente precisa abandonar a agenda de extrema direita com a qual seu governo anima milicianos digitais, sem qualquer resultado positivo para o país. Vide a paralisia em que se encontra uma pasta estratégica como a da Educação, depois de ser entregue por Bolsonaro a radicais. Deveria perceber que os extremos, à direita e à esquerda, são minoritários, e, tanto quanto isso, que com eles é impossível executar políticas públicas sem crises.
Também não pode achar que as investigações sobre Flávio, o filho 01, senador — por causa de altas cifras movimentadas na sua conta, quando era deputado estadual — sejam um ataque a si. Podem ser usadas pela oposição, mas o caso de Flávio Bolsonaro é um entre vários que estão sendo vasculhados pelo Ministério Público fluminense na Alerj. Se o senador do PSL enfrenta dificuldades para explicar a origem dos recursos que passaram por sua conta bancária, e pela do braço direito Fabrício Queiroz, esta é uma outra história. Reações deste tipo de Bolsonaro terminam insuflando a ideia de que o Congresso pode executar reformas sem o Executivo. Um caminho ilusório cheio de acidentes institucionais de percurso.
São conhecidas as corporações que atuam no Congresso para manter privilégios inaceitáveis. Mas é parte dos embates democráticos. O apoio da sociedade, se ela for bem informada sobre de que se trata, será maciço para o fim dessas benesses. Preservados todos os direitos adquiridos, é possível dar um fim a elas. É imperioso, não só devido a razões fiscais, mas também éticas, do ponto de vista da justiça social.
Bolsonaro tem de assumir o mandato que lhe foi dado por uma diversificada composição de eleitores. Precisa dedicar-se a agendas de interesse amplo. Não ao sabor de slogans e delírios extremistas. Bolsonaro tem de ser presidente, e deixar de adotar posturas de chefe de grupo sectário.