terça-feira, maio 21, 2019

Algaravia presidencial - MERVAL PEREIRA

O GLOBO - 21/05

O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir


O presidente Bolsonaro dá a cada dia mais sinais de que está com dificuldades de se comunicar, não apenas no sentido técnico do termo, mas, sobretudo, no pessoal. No técnico, o movimento pendular característico de sua gestão hoje favorece o bom-senso do General Santos Cruz, que fez ontem a apologia de uma comunicação sem viés ideológico, e aberta a todos.

A partir da Virginia, nos Estados Unidos, o recado deve ter convulsionado as redes sociais bolsonaristas. O presidente torna-se o Chacrinha da política, aquele que veio não para explicar, mas para confundir.

A algaravia presidencial teve palavras animadoras para os empresários, por exemplo, quando os chamou de “heróis” por empreenderem com uma legislação que se torna um fardo. E foi tão crítico sobre as más condições de nossa infraestrutura que deu a esperança de que a privatização será tocada adiante com vigor.

Mas, no mesmo discurso, ontem na Firjan, acenou a uma reconciliação com a classe política, ao mesmo tempo em que também a considerou a causa dos problemas brasileiros.

“É nóis”, disse o presidente, incluindo-se, como político, entre os responsáveis pelas desditas nacionais. A expressão popular é usada corriqueiramente hoje em dia, significando adesão a um pensamento ou a uma atitude. É também uma afirmação de identidade comum.

Enfim, o presidente cometeu um erro, mesmo no português coloquial, pois a expressão tem um sentido positivo, e ali Bolsonaro estava fazendo um diagnóstico negativo da classe política.

Ninguém replica nas redes sociais mensagens de que discorde. Os Bolsonaros sabem muito bem usar esses novos meios. Portanto, não há possibilidade de que a mensagem compartilhada pelo presidente sobre as dificuldades de governar seja apenas uma distribuição aleatória de palavras vãs.

Assim como é sintomático, e preocupante, o presidente ter compartilhado um vídeo em que um suposto pastor congolês diz que Bolsonaro é o escolhido por Deus para levar o país a um novo destino.

Tudo o que alguém posta no Facebook, no Twitter, e outros meios digitais tem um sentido, especialmente quando se trata do presidente da República. A balbúrdia, que tanto temia o ministro da Educação, está instalada, a ponto de haver provocações dos dois lados.

A Câmara assumir a reforma da Previdência pode ser uma tentativa de auto-afirmação da classe política sobre o Executivo. Mas pode também ser uma jogada de mestre do próprio Bolsonaro.

Os principais líderes da Câmara, até mesmo os do partido teoricamente dele, o PSL, estão evitando uma aproximação. Temem, por exemplo, que as manifestações convocadas para o dia 26 fracassem, ou entrem por um terreno contra as instituições, da maneira que a convocação está sendo feita.

Mas também não querem perder esse momento se, como garantem alguns, ele estiver em sintonia com o sentimento popular. A maioria quer mesmo dar um toque pessoal da Câmara, para retirar do governo os louros pela aprovação da reforma da Previdência, caso ela desencadeie uma retomada do crescimento.

Ao mesmo tempo, os deputados ficarão com a responsabilidade de aprovar uma reforma que seja eficaz, pois, do contrário, serão responsabilizados por não darem condições de governabilidade a Bolsonaro. É isso que ele está implantando preventivamente nas redes sociais, e em discursos como os de ontem no Rio.

O que o presidente ganha com esse ambiente conturbado? Motivos para mobilizar o núcleo duro de seu eleitorado, esse mesmo que está organizando as manifestações do dia 26.

O PT sobrevive politicamente há anos com a adesão de cerca de 30% do eleitorado, que se expande eventualmente na disputa eleitoral. Bolsonaro quer mobilizar os seus 30%, suficientes para levá-lo com vantagem a um imaginário terceiro turno.

A idéia é colocar o verde e amarelo nas ruas. Já houve outro presidente que teve a mesma idéia, e não deu certo. O pessoal saiu de preto. O ambiente político naquele momento do governo Collor era, porém, mais degradado do que o que vivemos, embora os primeiros meses de Bolsonaro sejam os mais conturbados de quantos já vivemos.


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