domingo, maio 05, 2019

Série Heróis da Liberdade: Golda Meir - JOÃO LUIZ MAUAD

INSTITUTO LIBERAL - 05/05




Minha homenageada na série ‘Heróis da liberdade’ de hoje não foi uma heroína apenas em sentido figurado, mas literalmente. Golda Meir (3 de Maio de 1898 — Jerusalém, 8 de Dezembro de 1978) foi uma das fundadoras e Primeira-ministra do Estado de Israel. Nascida um Kiev, migrou para Israel em 1921. Além de primeira-ministra, foi embaixadora israelense na extinta União Soviética, Ministra do Interior, Ministra das Relações Exteriores, Ministra do Trabalho e secretária-geral do Partido Trabalhista. Estava à frente do governo de Israel em seu momento mais dramático: a Guerra do Yom Kipur, na qual tropas egípcias e sírias atacaram Israel quando a população estava distraída pelas comemorações do Dia do Perdão. Seguem algumas de suas frases:

Nós não queremos guerras mesmo quando ganhamos.

A única maneira de eliminar a guerra é amar mais nossos filhos do que odiar nossos inimigos.

Um líder que não hesite antes de enviar sua nação para a batalha não é adequado para ser um líder.

Não é por acaso que muitos me acusam de conduzir assuntos públicos com meu coração e não com minha cabeça. Bem… Aqueles que não sabem chorar com todo o coração também não sabem rir.

É verdade que vencemos todas as nossas guerras, mas pagamos por elas. Nós não queremos mais vitórias.

Nós podemos perdoá-lo por matar nossos filhos, mas nunca podemos perdoá-lo por nos fazer matar seus filhos.

Da Rússia eu não trouxe uma única lembrança feliz, apenas tristes e trágicas. O pesadelo dos Pogroms, a brutalidade dos cossacos acusando jovens socialistas, medo, gritos de terror.

Como posso explicar a diferença entre a América e a Rússia? … a América que conheço é um lugar onde homens a cavalo protegem marchas de sindicalistas, a Rússia que eu conheço é um lugar onde homens a cavalo matam jovens socialistas e judeus.

O governo soviético é o regime mais realista do mundo – sem ideais.

Não seja humilde … você não é tão bom assim.

Os desertos do Oriente Médio precisam de água, não de bombardeiros.

Não se pode e não deve tentar apagar o passado simplesmente porque ele não se ajusta ao presente.

Eu dei instruções para que eu fosse informado toda vez que um dos nossos soldados fosse morto, mesmo que fosse no meio da noite. Quando o presidente Nasser deixar instruções para que seja acordado no meio da noite, se um soldado egípcio for morto, haverá paz.

Os egípcios podiam correr para o Egito, os sírios para a Síria. O único lugar para onde podíamos correr era no mar, mas antes de fazermos isso, poderíamos lutar também.

É sempre mais fácil, descobri, fazer as pessoas chorarem ou ofenderem do que fazê-las pensar.

Mas o indivíduo não é uma ferramenta para algo. Ele é o criador de ferramentas. Ele é quem deve construir. Mesmo para o melhor propósito, é criminoso transformar um indivíduo simplesmente em um meio para algum fim último. Uma sociedade em que a dignidade do indivíduo é destruída, não pode esperar ser uma sociedade decente.

A única alternativa à guerra é a paz e o único caminho para a paz são as negociações.

Israel é a garantia mais forte contra outro Holocausto.

Tenho certeza de que algum dia as crianças nas escolas estudarão a história dos homens que fizeram guerras como se estuda um absurdo. Elas ficarão chocadas, assim como hoje ficamos chocados com o canibalismo.

Eu quero dizer a vocês, amigos, que a comunidade judaica na Palestina vai lutar até o fim. Se tivermos armas para lutar, lutaremos com elas e, se não, lutaremos com pedras em nossas mãos.

Aqueles que pereceram nas câmaras de gás de Hitler foram os últimos judeus a morrer sem se levantar para se defender.

Haverá paz no Oriente Médio somente quando os árabes amarem seus filhos mais do que eles odeiam Israel.

Nós só queremos aquilo que é dado naturalmente a todos os povos do mundo: sermos donos do nosso próprio destino, não dos outros, e em cooperação e amizade com os outros.

Nós não nos alegramos com vitórias. Nos alegramos quando um novo tipo de algodão é cultivado e quando os morangos florescem em Israel.

Nós não prosperamos em atos militares. Nós os fazemos porque precisamos e, graças a Deus, somos eficientes.

Uma das primeiras visões que me chocaram, quando cheguei a Israel, em 1921, foi um árabe que arava um campo com um arado muito primitivo; puxando o arado havia um boi e uma mulher. Agora, se isso significa que destruímos essa imagem romântica trazendo tratores, colheitadeiras e debulhadoras, isso é verdade: nós o fizemos.

Há apenas uma coisa que espero ver antes de morrer, e que o meu povo não precisa mais de expressões de pena.

A América é um ótimo país. Tem muitas deficiências, muitas desigualdades sociais, e é trágico que o problema dos negros não tenha sido resolvido cinquenta ou até cem anos atrás, mas ainda é um grande país, um país cheio de oportunidades, de liberdade!

Não é suficiente acreditar em alguma coisa; você tem que ter resistência para enfrentar obstáculos e superá-los, para lutar.

Nós, judeus, temos uma arma secreta em nossa luta contra os árabes; nós não temos lugar para ir.

A libertação das mulheres é apenas uma tolice. São os homens que são discriminados. Eles não podem ter filhos. E ninguém fará nada sobre isso.

Não se torne cínico. Não desista da esperança. Não acredite que tudo é julgado apenas por conveniência. Existe idealismo neste mundo. Existe fraternidade humana.

O mundo odeia um judeu que bate de volta. O mundo nos ama somente quando somos dignos de pena.

Se tivermos que escolher entre estar mortos e dignos de pena, e estarmos vivos com uma imagem ruim, preferimos estar vivos e ter a imagem ruim.

Uma vez, em um gabinete, tivemos que lidar com o fato de que houve um surto de agressões contra as mulheres à noite. Um ministro sugeriu um toque de recolher; as mulheres devem ficar em casa depois do anoitecer. Eu disse: ‘Mas são os homens que estão atacando as mulheres. Se houver um toque de recolher, deixe os homens ficarem em casa, não as mulheres.’

É melhor receber críticas do que condolências.

Se os palestinos baixarem as armas, haverá paz. Se os israelenses baixarem as armas, não haverá mais Israel.


IVA, 1º item da agenda da produtividade - SAMUEL PESSÔA

FOLHA DE SP - 05/05

O Brasil se transforma em um país de contadores e advogados tributaristas


Nos últimos 35 anos, o crescimento médio do produto per capita do Brasil foi de 1% anual. A expansão da produtividade do trabalho, isto é, do produto por hora trabalhada, foi de 0,5%.

No ano passado, o bônus demográfico —o período do desenvolvimento demográfico de uma sociedade em que a taxa de crescimento da população em idade ativa é superior à da população total— acabou. O crescimento econômico futuro depende exclusivamente da elevação da produtividade.

No longo prazo, a agenda da produtividade é a elevação da qualidade do sistema público de educação. No médio prazo, o item mais importante da agenda da produtividade é a redução do custo de conformidade da legislação de impostos indiretos.

A excessiva complexidade dos impostos indiretos —IPI, PIS/Cofins, ICMS e ISS— obriga as empresas a ter enormes departamentos contábeis e gera muito litígio (elevando o custo do Judiciário), enorme incerteza para os balanços das empresas e má alocação de investimento.

Por exemplo, o uso de estrutura metálica na construção civil é pouco difundido no Brasil, pois o tratamento tributário dessa tecnologia construtiva é distinto do concreto armado: nesse segundo caso, considera-se que é um serviço sobre o qual não incide ICMS, enquanto a empresa paga ICMS sobre a aquisição de perfis metálicos.

Os exemplos abundam. O Brasil gradativamente se transforma em um país de contadores e advogados tributaristas. Um processo que lembra o do Brasil da alta inflação, que era um país cheio de agências bancárias e de empresas com enormes departamentos financeiros.

O deputado Baleia Rossi (MDB-SP) propôs, baseando-se na proposta produzida por grandes especialistas do Centro de Cidadania Fiscal, uma grande reformulação na legislação de impostos indiretos, unificando-os em um único tributo.

Há três grandes dificuldades nessa construção política. Em primeiro lugar, várias empresas decidiram no passado investir em uma determinada localidade em razão de alguma desoneração. A simplificação elimina essa vantagem.

Segundo, será necessário determinar mecanismo de repartição do novo imposto sobre o valor adicionado (IVA) entre a União, os estados e municípios.

Terceiro, será necessário encontrar uma alternativa aos benefícios da Zona Franca de Manaus, já que a simplificação dos impostos elimina a forma como hoje incentivamos o investimento na capital do Amazonas.

As duas primeiras dificuldades foram tratadas na proposta do deputado de maneira muito engenhosa: considerar duas regras de transição.

A primeira, em dez anos, associada à forma de pagamento do imposto.

A segunda regra de transição estabelece que em 50 anos o imposto migrará totalmente ao destino. A forma de distribuição da receita também está fixada na PEC.

A PEC preserva a autonomia dos estados e municípios, permitindo que arrecadem o necessário às suas finanças. Cada um pode fixar sua alíquota, mas o recolhimento é centralizado e destinado a um Comitê Gestor Nacional, que reúne representantes dos três entes federativos.

Em dez anos teremos uma enorme simplificação dos impostos, com grande impulso para o desenvolvimento do país. Todos ganharão.

Com relação à Zona Franca, o melhor caminho é trocar os atuais incentivos por uma receita verde em razão da manutenção da floresta. A receita seria empregada pelo governo estadual para manter as atividades produtivas da ZFM e estimular um desenvolvimento ligado aos recursos naturais do Estado,
claramente subutilizados.

Samuel Pessôa
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.

Depois de jogos brilhantes contra gigantes, Ajax não é uma zebra - TOSTÃO

FOLHA DE SP - 05/05

Time de jovens resgata filosofia de jogo de Cruyff e alcança grandes resultados

O Ajax, uma equipe de jovens, considerado no início da ChampionsLeague um time médio, tem grande chance de ser finalista e pode ser campeão. Eliminou Real Madrid, Juventus e ganhou, fora de casa, na primeira partida contra o Tottenham.

O time holandês é uma grande surpresa ou o mundo do futebol desconhecia suas qualidades individuais e coletivas, por atuar em um campeonato menos importante? Depois de cinco partidas brilhantes contra grandes adversários, o Ajax não é uma zebra.

Em 1966, o Cruzeiro, também uma equipe jovem, venceu o Santos de Pelé por 6 a 2 e 3 a 2, e foi campeão da Taça Brasil. Não foi também uma zebra. Era apenas desconhecido fora de Minas Gerais. Na época, a elite do futebol brasileiro era apenas Rio e São Paulo. Hoje é diferente.

Ao ver o Ajax atuar, é inevitável não se lembrar do Barcelona dirigido por Guardiola. Obviamente, o time catalão era muito melhor, pois tinha Messi, Xavi, Iniesta e outros craques. Mas o estilo é parecido, de pressionar para ter a bola e trocar muitos passes, até a infiltração de alguém, para fazer o gol.

Provavelmente teremos Ajax e Barcelona na final. O Barcelona venceu por 3 a 0, mas o Liverpool foi melhor coletivamente. As diferenças foram Messi e o goleiro Ter Stegen. O Barcelona atual é bem diferente, na maneira de jogar, do da época de Guardiola. A equipe atual marca muito e usa bastante os rápidos contra-ataques. O técnico Valverde escalou Vidal no lugar de Arthur, para marcar os avanços do bom lateral-esquerdo Robertson.

Se der Ajax e Barcelona na final, Cruyff será lembrado e reverenciado. Ele, além de ter sido um dos maiores jogadores da história, foi tricampeão da Champions League como jogador pelo Ajax e campeão como técnico pelo Barcelona. Mais que isso, foi o grande mestre de Guardiola na formação de um time revolucionário.

Guardiola bebeu na fonte de Cruyff, que bebeu na de Rinus Michels, técnico campeão pelo Ajax e da seleção holandesa de 1974. São três mestres, ícones do futebol mundial. Há outros, como Zagallo. Os mestres não são somente os sábios. São os que têm também rigor técnico, são detalhistas, obsessivos.

Na terça-feira (30), o repórter Bruno Rodrigues, da Folha, mostrou que Cruyff, em 2010, quando era colunista de um jornal holandês, ficou indignado e fez duras críticas ao Ajax, na derrota por 2 a 0 para o Real Madrid, pela Champions League. A indignação não era pelo resultado, e sim pela postura defensiva do time holandês. O Ajax atual resgatou a filosofia de Cruyff.

Repito, todos os técnicos são pragmáticos, pois querem vencer. A diferença é que alguns pensam que a melhor maneira de ganhar é jogar bem, de uma maneira prazerosa, divertida e que valorize o espetáculo. Estes são poucos, os melhores, os que nos encantam, os que nos fazem arrepiar, sonhar, e os que ficam na história.

Se a final for entre Ajax e Barcelona, Cruyff estará na tribuna, sentado, representado pelo filho dele, ovacionado pelas duas torcidas. Gostaria de estar lá, para aplaudi-lo de pé.

CAMPEONATO BRASILEIRO
O Brasileiro está na terceira rodada, e já começaram as justificativas, os chavões, para explicar as derrotas e as escalações de tantos reservas, como o cansaço, o calendário, a falta de tempo dos técnicos e a falta de entrosamento quando há várias mudanças no time. Com isso, os técnicos escamoteiam seus defeitos e avacalham com o campeonato mais importante do país.

Tostão
Cronista esportivo, participou como jogador das Copas de 1966 e 1970. É formado em medicina

Bilhete a Jair - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO

REVISTA VEJA, edição nº 2633

Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar o Brasil

Jânio Quadros implicava com o biquíni e Jair Bolsonaro, com os gays. Jânio distribuía bilhetinhos e Jair, tuí­tes. Jânio não gostava de negociar com o Congresso e Jair, idem. Jânio se incomodava com os constrangimentos institucionais. Certa vez lançou uma provocação a seu ministro das Relações Exteriores, Afonso Arinos de Melo Franco: “Creio que a maioria dos ingleses pegaria em armas para defender o seu Parlamento. E o senhor, ministro, pegaria em armas para defender o Congresso brasileiro?”. Bolsonaro, em evento organizado por VEJA na pré-­cam­panha em 2017, disse: “Se o Kim Jong-­un lançasse uma bomba H que só atingisse o Parlamento (brasileiro), você acha que alguém ia chorar aqui?”. Os paralelos entre o efêmero presidente de 1961 e o atual são numerosos. Mais de meio século depois, o fantasma de Jânio continua a assombrar a política do país.

Entenda-se por “fantasma de Jânio” a herança de despreparo, aventureirismo e pouco-caso com as instituições que com indesejável fre­quên­cia se tem reencarnado nos ocupantes da cadeira presidencial. Fernando Collor foi o primeiro a vestir o modelo. Ao despreparo e ao aventureirismo juntava-se, nele, a mistificação de apresentar-se como “o caçador de marajás”, tal qual o outro empunhava a vassoura que varreria a corrupção. Faltava a Collor, no entanto, o vezo de fiscal de costumes que aproxima o atual presidente de seu remoto antecessor. Bolsonaro proibiu anúncio do Banco do Brasil que apresentava jovens de cores da pele, penteados, trajes e trejeitos diversos, e ainda comentou: “O Brasil não pode ser um país do mundo gay, do turismo gay”. Antes, havia proibido livro didático que expunha desenho da genitália feminina e feito circular, a título de alerta, vídeo com aberração sexual. Jânio, em sete meses de governo, proibiu, ou tentou proibir: biquínis nas praias; maiôs mais atrevidos nos desfiles de miss; anúncios na TV de maiôs e peças íntimas femininas; corridas de cavalo nos dias de semana; brigas de galo; lança-perfume; e — para culminar — espetáculos “de hipnotismo e letargia, de qualquer tipo ou forma, em clubes, auditórios, palcos ou estúdios de rádio e de televisão”.

O Jânio de outrora e o Jair de hoje partilham as tendências: (1) de ocupar-se de coisas pequenas, mais próprias de delegados de polícia, juízes ou, no máximo, prefeitos; e (2) de acreditar que uma canetada muda tendências comportamentais. O biquíni, a despeito de Jânio, prosseguiu sua gloriosa carreira até o fio-dental, e promete ir além. O turismo de homossexuais, consolidado graças ao Carnaval e às paradas gay, não há de ser estancado pela bronca do chefe de governo. Diga-se a favor de Jânio que nunca foi desatinado como Bolsonaro ao acrescentar, quando falou sobre o turismo gay: “Quem quiser vir aqui fazer sexo com mulher, fique à vontade”. Na constrangedora afirmação, o machismo mais tóxico se punha a serviço do mais predador dos turismos sexuais. Em outro plano, Jânio nunca cometeu o despautério de assacar contra o ensino da filosofia e da sociologia, nem a barbaridade de prometer aos fazendeiros licença para matar os invasores (uma inspirada reação na internet perguntou: “Índio também vai poder matar o invasor de suas terras?”).

Jornalistas do período e historiadores registraram as insuficiências do presidente de 1961. “Era evidente a má vontade de Jânio para com o Le­gislativo. (…) Elegera-se sempre ‘contra os políticos’, ainda que fosse um dos maiores”, escreveu o jornalista Carlos Chagas. O historiador Thomas Skidmore, no conhecido Brasil: de Getúlio a Castelo, afirma que faltavam a Jânio “discernimento e tenacidade para governar”, e, ao comentar suas dificuldades no dia a dia da administração, acrescenta: “Talvez estivesse agindo como alguém que sobe muito depressa e muito alto para sua capacidade”. Um autor de hoje, encarregado de analisar Bolsonaro, pode aplicar a semelhantes considerações um simples “copia e cola”. E com mais razão ainda pode fazê-lo socorrendo-se das brincadeiras que o jornalista Pompeu de Sousa estampava nas páginas do Diário Carioca. Assim como Jânio expedia seus bilhetinhos aos assessores, Pompeu (infelizmente sem parentesco com este que vos fala) publicava bilhetinhos ao presidente. O do dia 18 de março de 1961 vale para o Jair sem tirar nem pôr:

“Assim é seu governo, Excelência. Cada dia uma decisão, uma orientação, uma revogação do dia anterior. Uma revogação de si mesmo. Governo, Excelência, é exatamente o contrário disso. Por isso é que continuamos à espera de que Vossa Excelência comece a governar”.

Começa a bater um desespero - VINICIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SP - 05/05

Planalto fala em medidas, empresas desanimam, economistas sorriem amarelo


Economistas sorriem amarelo, sem graça com as previsões furadas de recuperação. Mais que isso, parecem desnorteados, sem explicações precisas para o fato de mesmo o broto verde e mirrado do PIB
estar murchando.

Empresários parecem com medo, nervosos ou acham que a retomada de 2019 deu chabu, como disseram executivos da construção civilao Painel S.A. desta Folha.

Gente do governo começa a falar em “pacotes” e “medidas” para estimular o crescimento, mesmo em liberação de um troco extradas contas do PIS/Pasep.

Sim, no Ministério da Economia, técnicos fazem planos razoáveis de melhorias no crédito e no mercado de capitais. Mas nada disso tem efeito no curto prazo, ainda menos quando a economia está meio desmaiada por falta de ar, de demanda. Ainda assim, quando gente do Planalto chama essas coisas de “pacote”, é porque o caldo está entornando.

Começou a bater um desespero na praça, em suma.

Para dizer uma obviedade necessária, não há investimento para levar adiante algo que pareça uma recuperação (crescimento além de 2%). Dada a capacidade ociosa de produção em quase toda parte, na indústria em particular, não era de esperar resultado muito diferente.

A alternativa seria investimento em infraestrutura, público e por concessão à iniciativa privada (capital externo, o grosso). Mas o investimento público vai cair ainda mais, e o programa de concessões prometido desde a deposição de Dilma Rousseff continua malparado. Desde 2015, trituraram o investimento do governo, em parte por péssimos motivos, e não puseram nada no lugar. Assim, não vai.

É claro que a economia está muito arrebentada, talvez até mais do que imaginemos. Por exemplo, dados o desemprego e o subemprego ainda crescente, a gente pode especular que o mercado de trabalho tenha apodrecido em precarização duradoura. Talvez outra parte da indústria tenha afundado para sempre no brejo. Etc.

Mas a gente sabia dessa desgraça desde que fez estimativas de crescimento de mais de 2,5% para 2019, como era o caso até janeiro. Né?

É verdade que as previsões de PIB têm sido pelo menos neutras (acertam) ou otimistas mesmo nesta década enrolada. Mas a frustração deste 2019 tem sido feia e, de resto, estamos no sexto ano de uma depressão em geral imprevista.

Sim, há explicações pontuais para a nova rodada de Pibinho. Mas eram motivos conhecidos desde a primeira metade de 2018: crise argentina, piora de condições financeiras devida à eleição, solavancos
financeiros mundiais.

Alguém pode dizer que o efeito da incerteza político-fiscal tem sido maior do que o estimado. Mas, então, a gente começa a entrar no terreno do vale-tudo da análise de conjuntura econômica, a incerteza
como bode expiatório.

Há economistas que dizem ou parecem dizer que a taxa básica de juros está mais alta do que deveria, mas poucos se arriscam a afirmar que o Banco Central deva baixá-las, pelo menos não antes da aprovação da reforma da Previdência, com sorte lá pelo trimestre final do ano.

Ou seja, se vier uma redução da Selic de 6,5% para 5,5%, só terá efeito real, se algum, bem entrado 2020. Pouca gente assume a bola fora dos juros altos demais.

Essa recaída da economia nada teve a ver com Jair Bolsonaro. Não é bem uma boa notícia. O presidente causa tumulto e desconfiança sobre seu compromisso com reforma. O sururu que provocou no primeiro trimestre terá reflexos no segundo e o inverno está chegando.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA)

Eu que mando - SÉRGIO LAZZARINI

REVISTA VEJAedição nº 2633

Governos de esquerda ou direita não deixam de intervir nas estatais


Após indignar-se com aumentos de preços da Petrobras, Jair Bolsonaro voltou-se para o Banco do Brasil, proibindo uma propaganda que julgou ofensiva aos valores do seu público conservador. Rapidamente vieram críticas à interferência em uma corporação que apenas buscava atrair um público jovem e antenado com temas de diversidade. Em seguida, sugeriu que o Banco do Brasil poderia cobrar menores juros, dessa vez causando um frisson no mercado. Ao referir-se à propaganda, Bolsonaro não poderia ser mais claro na sua linha de raciocínio: “Quem indica e nomeou o presidente do Banco do Brasil? Sou eu? Não preciso falar mais nada, então”.

Há tantos problemas nessa afirmação que fica difícil até saber por onde começar. Estatal é da sociedade, e não do governo no poder. Há estatais muito boas ao redor do mundo, cujos gestores seguem regramentos estáveis e são escolhidos por conselhos técnicos com representantes do governo e de outros acionistas. Eles buscam o melhor interesse da companhia e objetivos sociais de longo prazo definidos por legislação. Esse aparato serve justamente para que líderes autoritários não imponham a sua vontade.

No caso específico do Banco do Brasil, não há nada na legislação ou no seu estatuto que determine que deveria fazer propagandas seguindo a ideologia do governo. As piores estatais, inclusive em países comunistas, foram criadas justamente com esse propósito. Se o público conservador não tolera certo tipo de propaganda, deveria então imaginar o que aconteceria com seus oponentes no poder, sem freios nem amarras para fazer o que quisessem nas estatais.

Ainda mais intrigante é que Bolsonaro e seu grupo não percebem que esse tipo de interferência não é nada diferente do que foi feito nos governos do PT. Não à toa, Dilma Rousseff pareceu endossar a investida contra os preços da Petrobras. A sua visão de mundo é rigorosamente a mesma: a estatal faz o que o governo quer e banca o prejuízo. Só que isso reduz a sua capacidade de gerar caixa, investir e conquistar mercados. Quando essas intervenções causam queda nos preços das ações em bolsa, a população fica mais pobre. Elas são também uma afronta à legislação corporativa brasileira, que prevê responsabilidade perante os acionistas minoritários.

Não faltam também os mais curiosos palpites sobre como resolver o problema. No imbróglio da propaganda do Banco do Brasil, a deputada Janaina Paschoal deu a solução: não há por que uma empresa estatal fazer propaganda. Mas como então poderá a empresa competir nos seus mercados? É justamente essa competição que, em vários países, faz com que as estatais sejam mais ágeis e produtivas.

Se Bolsonaro e seus correligionários quiserem tratar as estatais como braços do governo, farão melhor se ouvirem o conselho de Paulo Guedes e privatizarem de uma vez. Definitivamente, o Brasil não possui maturidade institucional para ter corporações de controle público. À direita ou à esquerda, é assustadora a incapacidade dos governos em garantir competitividade e autonomia técnica à sua gestão.

A reforma da Previdência e o Brasil que queremos - MARIA ALICE SETUBAL

FOLHA DE SP - 05/05

Desigualdade também prejudica os privilegiados


A reforma da Previdência continua no centro do debate político brasileiro. Recentemente, o FMI divulgou dados mostrando que, em 2018, o Brasil perdeu participação global pelo sétimo ano consecutivo, passando de 7º para 8º lugar no ranking das economias mundiais. Para além dessa queda, a preocupação dos economistas é a nossa falta de crescimento econômico.

No entanto, essa questão envolve uma reflexão de múltiplas dimensões. E é Christine Lagarde, diretora administrativa do próprio FMI, quem alerta, em artigo à revista Economist, sobre o papel dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que se justapõem às responsabilidades do FMI, na medida em que afetam o crescimento financeiro sustentável e inclusivo.

Ao destacar o aumento das desigualdades dentro dos países, Christine destaca: "A desigualdade enfraquece a ideia de uma sociedade meritocrata, em que uma pequena minoria ganha acesso aos muitos benefícios tangíveis e intangíveis, necessários para estar à frente, seja na educação, no enriquecimento cultural ou em boas conexões. Essa exclusão, pela qual a desigualdade de resultados se alimenta da desigualdade de oportunidades, fere a produtividade, porque priva a economia das habilidades e dos talentos daqueles que são excluídos".

Sem dúvida, o país precisa de uma reforma da Previdência que leve ao equilíbrio das contas públicas e a um ambiente de negócios estável e confiável para que a economia encontre condições para crescer.

Na década de 1970, o lema era que o bolo precisava crescer para depois ser distribuído, o que só começou a se tornar realidade a partir da Constituição de 1988, com os governos democráticos que implementaram políticas sociais, de saúde e de educação. Somos o nono país mais desigual do mundo, e as desigualdades sociais intensas produzem consequências negativas para todos, inclusive para aqueles que estão em posições privilegiadas.

O estudo "The Equality Trust", editado em Londres e Nova York, comparou dados de mais de 20 países e também dos 50 estados americanos, demonstrando por que maior igualdade é melhor para uma melhor qualidade de vida. Repleto de gráficos e estatísticas quantitativas, o estudo demonstrou que os países mais desiguais têm economias mais instáveis, estão mais propensos a crises e são mais fechados à mobilidade social.

O aumento das desigualdades está relacionado a maiores taxas de crimes contra a propriedade e a maiores taxas de homicídio. Viver em sociedades mais desiguais causa mais estresse e ansiedade, enquanto a vida em sociedades mais igualitárias está mais associada a maior expectativa de vida, menor probabilidade de doenças mentais, mais confiança, participação e felicidade.

Nesse contexto, a reforma da Previdência traz intrinsecamente o debate sobre qual sociedade brasileira queremos construir, não porque a discussão da oposição seja ideológica, como afirma o governo, mas porque todas as posições são ideológicas nesse debate.

A questão está nas nossas mãos: queremos continuar como uma sociedade atrasada e distante dos países desenvolvidos, como escreveu Elio Gaspari nesta Folha em 30 de janeiro, uma sociedade conservadora, ou desenharemos uma reforma justa, que leve em conta a redução das desigualdades? Vai muito além do bom-mocismo. É uma questão de igualdades e de escolha de posicionamento. Vale lembrar que erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais estão entre os objetivos da Constituição.

Cabe a cada um de nós uma reflexão com uma participação em seu âmbito de atuação, seja na família, em organizações da sociedade civil, em empresas ou na política. Só assim estaremos construindo cidadania.

Maria Alice Setubal
Doutora em psicologia da educação (PUC-SP), presidente do conselho da Fundação Tide Setubal e do Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)

Falta de paciência - LOURIVAL SANT'ANNA

O Estado de S.Paulo - 05/05

Eleitor volta a apoiar Cristina, responsável pela crise econômica que Macri não pôde reverter


A semana foi reveladora dos impasses vividos na América do Sul. Venezuela e Argentina, cada uma ao seu modo, aprofundaram suas agonias. Juan Guaidó, presidente interino proclamado pela Assembleia Nacional, perdeu uma queda de braço pelo apoio dos militares com o homem forte venezuelano, Nicolás Maduro.

No mesmo dia 30, o presidente Mauricio Macri venceu o duelo com os sindicatos alinhados com a principal líder da esquerda, Cristina Kirchner. A Frente Sindical, a CUT argentina, convocou para a véspera do Dia do Trabalho greve geral, cuja adesão foi pequena.

Como costuma acontecer também em outros países, os trabalhadores do metrô de Buenos Aires e das companhias aéreas aproveitaram a facilidade e a impunidade com que emparedam a população e pararam. Mas a maior parte das linhas de ônibus, trens e táxis da capital funcionou.

Macri venceu uma batalha, mas a vitória na guerra está distante. Duas sondagens divulgadas na quarta-feira indicam que o presidente está perdendo terreno na corrida para as eleições de outubro e novembro.

De acordo com a pesquisa Query Argentina, a imagem negativa de Macri soma 61% e a positiva, 30%. Dos entrevistados, 70% dizem que sua situação econômica piorou e 60% acham que continuará piorando. Se as eleições fossem agora, Cristina sairia na frente no primeiro turno com 32% dos votos, e Macri teria 25%. No segundo turno, Cristina ficaria com 38% e Macri com 30%. Ainda há 30% de indecisos.

A consultoria Real Time vê apenas 38% de chance de Macri se reeleger. Kirchner conta com 45%. Os motivos apontados pelos entrevistados estão interligados: inflação persistente e instabilidade cambial. Cristina está estável nessa pesquisa desde o mês passado, enquanto Macri caiu 4 pontos.

O presidente tenta escapar do abismo – que não é só o seu, mas o da Argentina, considerando a capacidade já provada de Cristina de destruir a economia e instituições do país – com um “Diálogo de Dez Pontos” com os governadores peronistas “no-K”, ou seja, que têm as mesmas origens, mas romperam com ela.

Desde o início do governo, Macri tem negociado com esses governadores, cujas bancadas no Congresso fizeram acordos pontuais com a Casa Rosada com base em interesses mútuos.

A tática levou à aprovação de uma minirreforma da Previdência, cujos benefícios fiscais foram repartidos com as províncias, que afinal também sofrem com as aposentadorias sem lastro em contribuições.

Os dez pontos lembram a sepultada “Ponte para o Futuro” do MDB quando a inconsistência da política econômica de Dilma Rousseff mergulhava o Brasil no caos: equilíbrio fiscal, independência do Banco Central, abertura comercial, segurança jurídica, reforma trabalhista, redução da carga tributária, reforma previdenciária, garantias orçamentárias para as províncias, estatísticas transparentes e cumprimento das obrigações com os credores.

O objetivo do diálogo, do qual participam três pré-candidatos a presidente, é garantir a governabilidade das administrações atual e futura. É uma saída ao estilo Macri: com base na conciliação e na racionalidade.

Eu cobri as eleições parlamentares de meio de mandato de outubro de 2017. Naquele momento, embora as metas de inflação e crescimento não tivessem sido atingidas, os argentinos ainda depositavam suas esperanças no governo, que venceu, embora sem maioria absoluta.

Hoje, a paciência dos argentinos se esgotou a tal ponto de eles flertarem com o desastre representado por Cristina, responsável pela herança econômica que Macri não está conseguindo reverter. E cujos pressupostos fizeram da Venezuela o que ela é hoje.

Escrevo da Etiópia, e aqui o primeiro-ministro Abiy Ahmed prepara um ambicioso programa de privatizações. Parece que aqui as coisas estão mais claras do que na nossa vizinhança.

Faltou combinar o que fazer após a eleição - MARCOS LISBOA

FOLHA DE SP - 05/05

Sabe-se a agenda negativa da coalizão vitoriosa, mas qual é a positiva?


A última eleição revelou que boa parte da população está indignada.

Há emprego de menos em um ambiente de negócios que penaliza a produção. O dinheiro público acabou há anos, mas os grupos organizados resistem a abrir mão de seus benefícios. Enquanto isso, o setor privado que paga a conta fica atordoado com o custo da máquina pública e as intermináveis obrigações impostas pela burocracia.

Como em outros países, essa indignação foi canalizada para uma revolta contra a política tradicional. Há bons motivos, como o imenso fracasso da intervenção estatal na economia e a longa recessão em meio aos intermináveis escândalos de corrupção.

A última campanha, no entanto, teve um componente a mais. Ambas as candidaturas para a Presidência no segundo turno tratavam o outro lado como inimigo imoral, autoritário e com projeto de dominação típico das guerrilhas.

Trata-se da velha retórica populista em que a coalização se organiza em oposição a um inimigo, criando um confronto sem mediação possível. O único desfecho aceitável passa a ser eliminar o outro lado, excluí-lo da política. A nova direita denunciou a China e o marxismo cultural da mesma forma que a velha esquerda maldizia o imperialismo e os economistas neoliberais.

A coalizão vitoriosa sofre os efeitos colaterais da sua estratégia. Sabe-se a sua agenda negativa, derrotar o inimigo. Mas qual é a agenda positiva? Quais são as propostas, por exemplo, para educação ou saúde?

O discurso populista unificou os revoltados, mas foi pouco claro sobre o que seria feito no dia seguinte à eleição. O resultado é a ebulição de conflitos dentro da própria coalizão sobre temas essenciais da política pública.

Afinal, a política econômica será liberal de verdade, ou o governo vai continuar a sucumbir aos grupos de pressão, como no caso dos caminhoneiros? Haverá reforma ampla da Previdência, incluindo todos os servidores públicos? Serão revistos subsídios e as regras tributárias? Vamos começar a discutir com o cuidado necessário os problemas e as implicações das diversas propostas? Ou o governo vai insistir em bravatas que revelam despreparo?

Em países com a economia em ordem, como os Estados Unidos, em que o Executivo pouco interfere, governos populistas podem se restringir à retórica que anima a torcida organizada.

No caso do Brasil, porém, a ausência de reformas significa volta da crise. Já gastamos tempo demais com futricas e conversas de botequim. Enquanto isso, o desemprego não cai e a economia anda de lado. Há muito barulho e pouca melhora.

A campanha acabou e há trabalho a ser feito. Hora de começar a dialogar para construir soluções. O barco é um só.

Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

O paradoxo de Paulinho - VERA MAGALHÃES

O Estado de S. Paulo - 05/05

O ‘sincericídio’ tosco do deputado mostra um risco real para a reforma da Previdência



Paulo Pereira da Silva deve ter dito a primeira coisa sincera em todos os Primeiros de Maio nos quais discursou ao longo da vida de dublê de dirigente sindical e deputado federal – um posto se retroalimentando do outro, num círculo nada virtuoso.

Nesse surto de sincericídio, enunciou o que pode ser batizado daqui para a frente do “paradoxo de Paulinho”: os deputados sabem que precisam aprovar a reforma da Previdência, mas hesitam em apoiar uma proposta robusta, pois ela pode significar o triunfo político de Jair Bolsonaro, sua eventual reeleição e, por consequência, mais quatro anos de infortúnio para a classe política.

Trata-se, por óbvio, de um raciocínio abjeto. Reduz a mero cálculo político um tema crucial para que o País saia do lodaçal econômico e social em que se encontra pelo menos desde 2014, um buraco cavado diligentemente pelo PT sob Dilma Rousseff.

A economia real está parada. Empregos, produção industrial, investimentos, tudo espera algum sinal de que o Brasil vai conseguir romper com o ciclo de escalada da dívida e de produção de déficits fiscais que já dura cinco anos e está contratada para pelo menos mais três – isso se tudo correr conforme o previsto, ou seja, num cenário positivo.

Portanto já não se trata de discutir a necessidade de se reformar a Previdência, que vai consumir R$ 750 bilhões do Orçamento só neste ano, mas de que maneira fazê-lo: se de forma mais robusta, aprovando uma proposta próxima à enviada pelo governo, que permita uma “economia” em dez anos de algo acima de R$ 800 bilhões, ou uma meia sola a la Paulinho para dar alguma satisfação ao eleitor mas deixar o jogo eleitoral em 2022 aberto.

Ao dizer em público o que políticos de vários matizes cochicham nos corredores de Brasília, o deputado do Solidariedade mostra que os proclamados esforços do governo de construir uma base parlamentar sólida ainda não surtiram efeito. Estigmatizados como expoentes da velha política, colocados todos no mesmo balaio dos Paulinhos da vida, deputados e senadores não acreditam que tudo vá mudar a partir de agora.

Existe um fosso real, resultado do fato de que Bolsonaro e seu núcleo mais próximo nutrem desprezo pela atividade política institucional, e os representantes de partidos veem no presidente uma ameaça a sua própria sobrevivência.

Numa forma ainda mais dramática que a enunciada pelo deputado da Força, é comum ouvir de outros parlamentares coisas do gênero: “Vou dar ao Bolsonaro uma arma para ele me matar no meu Estado na minha reeleição”, em referência à Previdência.

Como assim? O deputado de partidos do centro raciocina que vai votar uma medida impopular, que dará ao presidente um ambiente econômico positivo, sobretudo na reta final do mandato, e será “brindado” com tentativas de desconstrução feitas por aliados do presidente em sua base, sem que tenha postos de comando ou “entregas”, na forma de recursos, para se apresentar ao eleitor.

É a política real batendo à porta e ameaçando de forma muito concreta a aprovação da reforma da Previdência. Reverter esse ambiente só é possível se o governo conseguir construir uma relação de confiança com o Congresso, em que os parlamentares sejam incluídos na narrativa como co-partícipes do esforço para tirar o País do buraco. Na metáfora cara ao bolsonarismo, seria apresentar os congressistas como “combatentes”, “patriotas”, “soldados”, e não párias em busca de boquinhas.

A fala supersincera de Paulinho é paradoxal, entre outras razões, porque não ajuda nada a melhorar a imagem da classe política. Mas, sem que se construa essa relação entre Executivo e Legislativo, a Previdência corre sério risco.

Números perdidos - RUY CASTRO

FOLHA DE SP - 05/05

A tecnologia nos lembra diariamente da nossa própria obsolescência

Como todo mundo, sou assolado por ofertas pela internet. Uma amiga recebeu, durante meses, mensagens sobre como aumentar o pênis e custou a descobrir como bloqueá-las. A avó dela distraiu-se e fez assinaturas de revistas de que não precisava, como Vela e Motor, MMA World e Aprenda a Falar Mandarim. No meu caso, são os leiloeiros. Recebo três ou quatro catálogos de leilões por dia, de antiguidades, numismática ou colecionismo. Fico me perguntando quem disputa tantos Laliques e Gallés, poncheiras de opalina, licoreiras de cristal, porta-ovos de porcelana, patacas do Primeiro Reinado e flâmulas de Cambuquira.

Mas, há dias, certo leilão me chamou a atenção. Oferecia “LPs de 78 rotações”, com quatro peças não identificadas em cada lote. Acontece que nunca existiram “LPs de 78 rotações”. Os LPs, com seis faixas de cada lado, eram de 33 rotações por minuto —informação que, de 1950 a 1990, quando eles dominaram gloriosamente o mercado, não era segredo para ninguém. Os discos avulsos, quebráveis, com duas músicas, é que eram de 78 rotações.

Da mesma forma, alguém se referiu há tempos a um “LP de 33 polegadas”. O que seria? Se a matemática não falha, 33 polegadas são cerca de 84 cm. De que tamanho seria um toca-discos capaz de tocar um LP com quase um metro de diâmetro? A pessoa queria dizer, naturalmente, um LP de 33 rotações. O qual, por sua vez, era um disco de 12 polegadas —a não ser confundido com os compactos, aqueles pequenininhos, de 7 polegadas. Eram números tão conhecidos que nem se pensava neles.

Incrível como a memória sobre objetos que bilhões de pessoas manusearam e amaram até há menos de 30 anos já está perdida. Em breve, ninguém mais saberá descrever também como funcionava um CD.

Para isto serve a tecnologia. Para nos lembrar diariamente da nossa própria obsolescência.

Espetáculo x realidade - MARIO CESAR FLORES

O Estado de S. Paulo - 05/05
Atual quadro difuso pode vir a ser instrumento da tendência ao retrocesso da democracia no mundo


Você liga a televisão para saber o que acontece em sua cidade, no País e no mundo e é atropelado por galope verborrágico de notícias deprimentes ou lúdico/festivas. O que não emociona o povo também é noticiado, mas sem sensacionalismo.

Limitemo-nos ao Brasil, iniciando pelo quadro negativo: hospitais com pacientes nos corredores, falta de médicos e equipamentos avariados (o reparo, sempre já em licitação...). Atentados e vandalismo em escolas, mau estado de conservação e limpeza e falta de professores. Assaltos a caixas eletrônicos. Caos desumano no sistema presidiário. Miniassaltos no varejo das ruas. Salários atrasados e greves no serviço público (até na polícia) e em atividades vitais (como a dos caminhoneiros em 2018). Corrupção, violência (estupros...), drogas, tiroteios entre criminosos ou entre eles e a polícia – as vítimas inocentes, sempre atribuídas à polícia. Bailes funk com participantes portando fuzis. Acidentes e arrastões em estradas e ruas urbanas. Degradação ambiental, desastres naturais ou em razão de atuação humana (poluição, ruptura de barragens, alagamentos e desabamentos...). Queda na previsão do aumento do produto interno bruto (PIB) e aumento do desemprego. E por aí vai – angústia suficiente para o dia.

Passada a publicidade ou trocada a emissora, prevalece agora a alienação lúdica: carnaval estendido de muito antes até bem depois de seus dias normais, multidões nas ruas, alguns exaltados procurando seus segundos de glória (?) na telinha da TV. Sensacionalização das paradas gay. Glorificação do Rock in Rio. Praias cheias e rodovias congestionadas por turistas de fim de semana. Black friday que se estende por semanas. Consumismo natalino, substituto comercial da comemoração do nascimento de Jesus. Comentários entusiásticos sobre o Vasco x Flamengo da véspera; na falta de jogo desse gabarito vale qualquer outro, a mediocridade é transformada em espetáculo. E por aí vai, euforia sensacionalizada que deturpa a realidade.

É curioso observar que a classe alta participa da folia. O espetáculo lúdico e o ânimo folgazão do brasileiro serviriam à superação da desigualdade...? Talvez por curto tempo – o da folia espetacularizada.

Mas qual é o Brasil real? Nem o dramático nem o eufórico. Somos um país onde o povo vive condicionado por suas possibilidades e limitações, sujeito – por causa da sua fragilidade cultural – à desfiguração da realidade pela espetacularização do trágico e do eufórico.

A responsabilidade por essa situação cabe principalmente à condução política aquém do exigido pelos problemas brasileiros, do Brasil colônia até hoje. Vejamos o pós-1930.

O País viveu períodos autoritários e de democracia, contaminada em anos recentes pelo populismo. Em nenhum deles houve progresso efetivamente satisfatório na transição (que a Inglaterra viveu com tropeços na revolução industrial no século 18) da socioeconomia patriarcal/agrícola, ainda influenciada por sequelas culturais do passado, para a socioeconomia com o aumento expressivo da participação da indústria e dos serviços e o correlato aumento da classe média e do proletariado – ambos pretendentes à ascensão social e econômica, precariamente atendida. Sua complexidade foi agravada pela rápida e grande expansão demográfica (de 40 milhões para 207 milhões, quatro Argentinas em 90 anos) e pela urbanização desordenada, com suas periferias e favelas de baixo padrão de vida.

Atividades e empreendimentos de responsabilidade do Estado não evoluíram em ritmo compatível com a evolução demográfica e econômica e as razões do cenário do primeiro parágrafo não se vêm reduzindo, quando não têm aumentado. Como tem aumentado a ilusão psicótica do segundo parágrafo, tolerada ou até apoiada pelo poder público (aporte de recursos para o carnaval e outros eventos festivos...) porque anestesia o povo.

A interação da realidade mambembe dos serviços públicos com a expansão demográfica acelerada, a urbanização desordenada e a mediocridade cultural, vulnerável à alienação impulsionada pelo poder hipnótico da mídia, hoje sobretudo da TV, explica a receptividade popular dos noticiários que estimulam climas psicossociais tanto de indignação com as mazelas que flagelam o País como eufóricos, de alienação folgazã. Explica a indução de expectativas e pretensões de realização difícil e a predisposição do povo às manifestações de revolta – das ordeiras e pacíficas às violentas, dos delitos triviais à corrupção e às várias modalidades da delinquência criminosa –, até mesmo como alternativa de vida! E fato que se tem mostrado presente ajuda a explicar a visão e o comportamento político do povo com reflexos na eleição de poder político.

O quadro difuso sugere preocupação, porque ele pode vir a ser instrumento da tendência, que vem crescendo no mundo, de retrocesso da democracia, por ora discreto ou disfarçado – com exceções nem discretas nem disfarçadas: Venezuela, Turquia, Hungria... –, que flerta com ilusões redentoristas do nacionalismo autoritário.

O Brasil não está imune a esse risco e a pressão psicossocial do quadro negativo contribui para legitimar e até estimular o processo: o povo é levado a ver em lideranças populistas de propensão autoritária, na legislação forte e em políticas de questionável consistência democrática a solução para o déficit da condução política democrática. E a alienação-espetáculo alimenta a tolerância do povo com o cerceamento de liberdades, ressalvada, é claro, a da prática da folia.

Impõe-se dar solução aos problemas que embasam o cenário dramático e procurar moderar – no respeito à moldura democrática – em limites sensatos a deturpação mental do espetáculo sensacionalizado. Depende, portanto, do desempenho da condução política eleita pelo povo.

Devaneios - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo/ O GLOBO - 05/05

Nos devaneios do presidente Jair Bolsonaro, dos seus filhos e dos ministros do que se chama equivocadamente de ala “ideológica” do governo, a realidade é inimiga a ser combatida.



O governo de Jair Bolsonaro vem mantendo uma relação conflituosa com a realidade. O presidente e alguns de seus assessores, incluindo aí seus filhos, parecem incapazes de refletir de modo racional sobre os problemas do País. Suas reações indicam um consistente alheamento, situação em que referências concretas são ignoradas ou, pior, são consideradas um entrave para a realização de sua visão de mundo, ou um inimigo a ser enfrentado.

Nos devaneios de Bolsonaro, dos filhos e dos ministros do que se chama equivocadamente de ala “ideológica” do governo, a realidade é a inimiga a ser combatida, e com frequência o núcleo duro do poder bolsonarista trava essa guerra cultivando entre si fantasias sobre complôs de ateus esquerdistas, profecias apocalípticas e missões divinas.

A ilustrar esse desvario, Bolsonaro costuma recitar o versículo bíblico “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Em sua excêntrica exegese, Bolsonaro dá a entender que seria o portador da “verdade” revelada por Deus, num missão para “libertar” o País. Quando diz que não sabe ser presidente e não sabe como foi eleito, Bolsonaro, ao contrário de se desmerecer, reforça o mistério em torno de sua “escolha” para governar o País neste momento. “Estou cumprindo uma missão de Deus”, disse Bolsonaro, ainda durante a campanha.

Quase todos no entorno do presidente não apenas aparentam crer firmemente nessa visão, como a alimentam entre si e nas redes sociais, uma forma de proteger o governo do mundo real – aquele em que os atos têm consequências.

Movido a impulsos claramente desordenados, o presidente Bolsonaro desconsidera os limites concretos de sua atuação – legais, institucionais e econômicos – e parece convencido de que sua vontade basta para tornar realidade o que não passa de fantasia. Quando confrontado com os fatos – e eles existem, a despeito das crenças do presidente –, Bolsonaro os denuncia como “fake news”. A imprensa, cuja função é retratar a vida como ela é, torna-se naturalmente inimiga de quem prefere o conforto de suas convicções.

Assim, Bolsonaro julga-se livre de qualquer amarra – ética, legal ou racional – para impor suas vontades. A cada dia o presidente, os filhos e alguns de seus ministros dão inquietantes mostras de alienação – em alguns momentos, acarretando apenas constrangimento; em outros, graves riscos para o País.

Há poucos dias, por exemplo, o presidente achou-se com poder para pedir que o Banco do Brasil (BB) reduzisse suas taxas de juros – segundo ele, seria uma medida “patriótica”. Na semana passada, Bolsonaro já havia interferido no BB, ao mandar suspender uma campanha publicitária da instituição, por considerá-la inadequada. Nos dois casos, houve intromissão descabida nas decisões do banco. Não à toa, depois de suas declarações sobre os juros do BB, as ações do banco despencaram, pois ninguém gosta de investir em negócios cujo planejamento esteja sujeito não às condições de mercado, mas às idiossincrasias do presidente da República – que, aliás, não manda no banco.

Alguns dias antes, Bolsonaro já havia causado prejuízo semelhante à Petrobrás, também por interferência indevida em sua política de preços.

Assim, o presidente Bolsonaro e alguns de seus ministros, em pouco mais de quatro meses de governo, vêm colecionando decisões autoritárias, fruto desse voluntarismo. A área da educação tem sido particularmente atingida, em razão da ofensiva que o governo empreende contra um certo “marxismo cultural”.

Outro terreno em que a ideologia substituiu o bom senso é o da política externa, hoje pautada por discípulos de um ex-astrólogo que vive na Virgínia. Conforme essa doutrina, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o “salvador do Ocidente”, razão pela qual é preciso alinhar o Brasil incondicionalmente aos americanos e desprezar organismos multilaterais. Não se sabe o que o Brasil ganhará com isso, mas sabe-se o que corre o risco de perder: o respeito internacional e boas oportunidades de negócios.

Mas isso não importa. Afinal, para quem se faz conhecer por “mito” – designação comum a narrativas fantasiosas –, nada mais natural do que fazer de devaneios a própria realidade.

Assim não dá - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

O Globo - 05/05

Como imaginar um futuro melhor se as taxas de desemprego não se reduzem? Como reduzi-las sem investimento?

Já recordei em outras oportunidades o que ouvi de Bill Clinton em Camp David. Quando visito um país, disse ele, pergunto e procuro responder: qual seu maior temor e seu maior sonho? Palavras simples e profundas. No âmago do sentimento de cada povo sempre há algo em torno dessas questões. Aplicando ao Brasil, penso que no inconsciente nacional o que mais tememos é não “dar certo” e o que mais desejamos é crescer, ter desenvolvimento. Estes sentimentos raramente são conscientes. Traduzem-se de forma concreta, por exemplo, em “quero ter emprego”, quero que “os meus” tenham percursos prósperos; ou, pelo contrário: o país não vai para frente porque “os políticos”roubam muito,“os governos”não ajudam. Ou ainda, na versão mais antiga, não avançamos porque “eles” não deixam (o imperialismo, os estrangeiros ou quem seja). Até agora, porém, não perdemos a esperança de “dar certo”. Depois de 1988, com a nova Constituição, passamos a entender que desenvolvimento requer democracia e inclusão social. Talvez estejamos começando a viver outro momento. O da desesperança. As pessoas deixam, aos poucos, de acreditar nelas próprias como coletividade. A “culpa” não é de ninguém, é de todos. Nem culpa é, trata-se de desalento. Também, dirão os mais ácidos, “com esta classe política...” e imaginam que o país seria melhor sem os políticos. Com quem, então: com tecnocratas, com autoritários? Os que assim pensam, sem dar continuidade a seus temores, nos deixam com eles. Para contrastar, li recentemente um texto sobre a China. Chama-se: “O sonho chinês ou como evitar a dupla armadilha”, de Osvaldo Rosales. Desde o governo de Deng XiaoPing, os chineses têm metas aceitas pela maioria (ou inculcadas nela), o governo dispõe de estratégias para orientá-las e de táticas para pô-las em prática. Dispensa, contudo, a democracia que conhecemos e queremos.

Será que não é possível para os brasileiros voltarmos a ter esperança? Nos momentos de incerteza é quando mais se precisa de crença. Falta chacoalhar o país outra vez, como fez Juscelino em seu tempo e mesmo o Plano Real, e vislumbrar um futuro mais venturoso. É melhor sonhar com os pés no chão, logo, é preciso dar os primeiros passos. Como imaginar um futuro melhor se as taxas de desemprego não se reduzem? Como reduzi-las sem investimento e como investir sem acreditar no futuro? Parece a quadratura do círculo, mas não é.

A reforma da Previdência vem neste contexto: é preciso demonstrar que o Estado faliu e, sem concentrar todos os males na Previdência e muito menos nos pobres ou só no funcionalismo, falar francamente com a nação, e não só com o mercado. É necessário aprovar a reforma da Previdência não só para obter o “equilíbrio fiscal”, mas para progredirmos. Ela é necessária porque o Estado, num país de desigualdades e pobreza como o nosso, precisa atuar em todos os setores da sociedade e não dispõe mais de recursos. A reforma da Previdência, além de ser fiscalmente essencial, é necessária para dar ao Estado condições de ampliar os recursos para a Educação, a Saúde etc. E também para assegurar o pagamento futuro de pensões. Precisamos de um Estado hígido, o que não quer dizer pequeno, e precisamos de mais investimentos, que terão de vir principalmente do setor privado. Sem crescimento da economia, por mais que se reduzam os gastos, faltará pão às pessoas e combustível para o governo andar. Não basta a reforma da Previdência. Para o país ter rumo é preciso ver os que mandam empenhados no bem-estar coletivo. Os problemas, por sua multiplicidade, parecem intransponíveis; sua solução, por isso mesmo, não pode ser unitária. É preciso que o povo veja sinais de avanço em várias áreas. Isso requer o uso do “verbo” —da palavra — não para alvejar inimigos, mas para despertar entusiasmo (que etimologicamente quer dizer “Deus no coração”, crença). Que contraste entre o necessário para o país voltar a sonhar e o bate-boca diário, via redes sociais, mantido pelos familiares da República! Não roubar é obrigação e é pouco; é preciso ter compostura e pensar grande. O desânimo só cederá se houver recuperação da confiança. Caso contrário, na prática, as esperanças no governo se desvanecerão como as pesquisas de opinião estão mostrando. Sei, por experiência, que governar é difícil. Não convém, pois, precipitação no julgamento.

Como ainda estamos em crise (basta olhar o desemprego), é preciso haver sinais positivos para que a crença se mantenha. É hora de apresentar e explicar ao país uma agenda para vencer os desafios do crescimento econômico, da redução da pobreza e da injustiça social. Uma agenda que convoque a nação sem sectarismo para a reconstrução do caminho difícil, mas possível, de desenvolvimento. Políticas que sejam de Estado e não deste ou daquele governo. No mundo contemporâneo, o governo precisa explicar os porquês de sua agenda para alavancar o desenvolvimento. Este requer a conjugação entre políticas governamentais (inclusive as distributivas e demais pertinentes na área social), um grande esforço na área de ciência e pesquisa para aumentar a produtividade, e requer ainda a cooperação da “iniciativa privada”, nacional e estrangeira, sobretudo na área de infraestrutura. O Estado, por si, será incapaz de tal proeza. Pior, poderá embaraçar a gestão sem conseguir o aumento da produtividade na economia e nas ações públicas.

Sem elas, como generalizar a crença no país e fazer o povo sentir bem-estar? Falta explicar o porquê das reformas, no plural, e estabelecer uma ligação clara entre a agenda do governo com os interesses nacionais e populares de longo prazo. Só assim voltaremos a crer em nós. Sem isso, assistiremos a uma indefinida transição entre a estagnação que herdamos do lulopetismo e não se sabe o quê. Assim não dá.


Grita por verbas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 05/05

Tensão com cortes de recursos se espalha pela máquina pública e na sociedade

A sociedade se alarma com os efeitos da limitação da despesa do governo federal, imposta pela ruína orçamentária e formalizada pelo teto vigente desde 2017. A tensão da disputa por recursos minguantes tornou-se mais evidente.

Ainda que por meio de declarações desastradas do ministro da Educação, o público tomou conhecimento do corte expressivo de verbas nas universidades federais; na área da pesquisa científica, a reclamação também é grande; o censo demográfico de 2020 deverá ter alcance menor.

Empresários se frustram com a redução drástica dos recursos disponíveis para investimentos, no Minha Casa Minha Vida ou em obras viárias e de infraestrutura. O país atrasa compromissos com organismos internacionais.

O teto de gastos inscrito na Constituição quase se impôs como solução, tanto gradual quanto provisória, para os problemas do déficit do Tesouro Nacional, da dívida pública galopante e do risco de caos econômico duradouro.

Não obstante, como previsto, o mecanismo será insustentável em termos sociais, políticos e financeiros caso não haja um controle sistemático, estrutural, das despesas principais, que ainda não ocorreu.

Em razão dos dispêndios obrigatórios ou na prática incontornáveis, restam apenas 6% da arrecadação disponível para custeio da máquina pública e investimentos, nas contas da Instituição Fiscal Independente (IFI), centro de estudos vinculado ao Senado.

Sem reformas e outras medidas enérgicas, restarão menos de 2% em 2022. Ou acabará o dinheiro para obras ou não haverá como pagar serviços de informática, limpeza, materiais, água, luz e outros.

A dimensão do problema é tal que, mesmo com a aprovação integral da reforma da Previdência, haveria de imediato apenas uma estabilização da penúria em nível mais ou menos equivalente ao do ano passado. Mudanças mais modestas apenas adiam a crise para o início do próximo governo.

Torna-se evidente que há mais a fazer. Cumpre, em primeiro lugar, conter a expansão do gasto com servidores por meio de reajustes salariais e contratações. Urge, ainda, a revisão dos subsídios tributários excessivos —no mínimo, para uma distribuição mais justa da carga de impostos na sociedade.

Seria possível flexibilizar o teto, de modo prudente? Decerto, se garantido o controle dos desembolsos obrigatórios e caso a receita do governo volte a crescer de modo robusto o bastante para sustar mais à frente a alta da dívida —o que dificilmente acontecerá antes de 2026, num cenário otimista.

Há meios de evitar a crise. Mas nem o presidente Jair Bolsonaro (PSL) nem parte relevante da sociedade organizada parecem ter consciência da gravidade do momento.

"Previdência: as ambiguidades do “centrão” - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 05/05


"Na próxima terça-feira (7), a Comissão Especial que discute a reforma da Previdência se reúne pela primeira vez depois de sua instalação, no último dia 25. A comissão tem até 40 sessões de reuniões do plenário para votar seu parecer opinativo, o que só pode acontecer depois de no mínimo 10 sessões do plenário, prazo que os deputados têm para apresentar emendas, que podem ou não ser incluídas no parecer que será apresentado pelo relator Samuel Moreira (PSDB-SP). No momento, porém, o governo passa por um impasse quanto ao ritmo que deve ser dado à tramitação da proposta – que, também, começará a ser discutida sobre a sombra de uma declaração sincera demais do deputado Paulinho da Força (SD-SP).

Na quarta-feira (1º), no ato unificado pelo Dia do Trabalho, em São Paulo, Paulinho da Força, que é presidente licenciado da Força Sindical, afirmou que “precisamos de uma reforma da Previdência que não garanta a reeleição do Bolsonaro”. Pelo relato do deputado, o “centrão” estaria trabalhando para aprovar uma reforma desidratada, que resulte em uma economia entre R$ 500 e $ 600 bilhões em 10 anos, para dificultar uma eventual reeleição do atual presidente em 2022.

Está na hora de as lideranças da maioria assumirem de uma vez por todas sua responsabilidade nesse processo.


Embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tenha se apressado – e corretamente – em afirmar que a posição de Paulinho não reflete a maioria do centrão, a declaração de fato contempla as preocupações de deputados do bloco da maioria, agrupamento informal que reúne PP, PR, PRB, SD, DEM, MDB e PTB. Tanto é assim que, nos bastidores, deputados desse grupo reconheceram o “sincericídio” do líder sindical – expressão que ganhou as manchetes.

Por mais que o bloco da maioria tenha suas reservas ao atual governo federal, que não abriria canais de diálogo eficazes com o parlamento e não respeitaria os congressistas, a intenção de desidratar a reforma da Previdência de olho no calendário eleitoral é uma irresponsabilidade sem tamanho com o país. Afora os atuais 13 milhões de desempregados, o Brasil já caminha para mais uma década perdida, com a economia patinando e em risco de entrar novamente em recessão. Reverter esse quadro passa por uma reforma da Previdência robusta e por uma série de outras reformas, a começar pela tributária, que dependerão do Congresso Nacional.

A atual inexistência de uma base parlamentar e essas rusgas com o bloco da maioria estão criando um impasse para a tramitação da reforma na Comissão Especial: pelo prazo de 40 sessões, a votação em plenário seria jogada apenas para agosto – e, depois, o texto ainda deve passar pelo Senado. Se esse atraso pode ter impactos negativos na formação de expectativas e criar a oportunidade de novos questionamentos à atual proposta, também é verdade que, por enquanto, o governo não tem apoio para conseguir os 308 votos necessários para aprovar a reforma no plenário da Câmara. O desafio, portanto, será contemplar todas as mudanças no texto exigidas pelo bloco da maioria ainda na Comissão Especial, enquanto se garante um estofo de 330 a 340 votos para colocar a matéria em votação no plenário com alguma folga.

Enquanto o centrão adota posições dúbias, que oscilam entre questionamentos legítimos e declarações irresponsáveis como a do deputado Paulinho da Força, Bolsonaro faz o que pode para não trair suas promessas eleitorais de não lotear cargos para garantir apoio no Congresso. Já apontamos neste espaço que o governo avançou bastante na defesa da reforma, embora ainda haja arestas a aparar na comunicação e na liderança política do Congresso. Nesta semana, o governo deu mais um passo positivo para isso: a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) anunciou a criação de um “gabinete de inteligência”, que contará com técnicos do Ministério da Economia, para tirar dúvidas de parlamentares sobre a reforma. Está na hora de as lideranças da maioria assumirem de uma vez por todas sua responsabilidade nesse processo."