sexta-feira, agosto 09, 2019

E depois da Previdência? - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 09/08

A agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos


O governo terá de fazer bom uso da preciosa ampliação de espaço de manobra para condução da política econômica propiciada pela aprovação da reforma da Previdência. É mais do que natural que a equipe econômica esteja tentada a aproveitar o embalo para fazer avançar, tão rapidamente quanto possível, a pauta de reformas pendentes. Sobram, contudo, boas razões para desaconselhar a aposta de todas as fichas nessa possibilidade.

Em primeiro lugar, a agenda pendente de reformas terá de ser conciliada com o enfrentamento de desafios mais imediatos, advindos da recuperação decepcionante da economia. Com a persistência de um crescimento medíocre, da ordem de 0,8% em 2019, e de 12,8 milhões de pessoas desempregadas, a equipe econômica enfrentará, nos próximos meses, pressões cada vez maiores, de dentro e de fora do governo, para mostrar resultados.

Em segundo lugar, as duas reformas que o governo agora contempla são extremamente complexas e encerram enorme potencial de conflito com Congresso. Seria um erro insistir em tratar a reforma tributária e o que vem sendo chamado de Novo Pacto Federativo como precondições para a retomada do crescimento. O mais prudente, a esta altura, é passar a defender as duas reformas como esforços de ampliação das possibilidades de crescimento econômico do país. E evitar transformá-las num desastroso campo de batalha com o Congresso.

Não cabe dúvida de que o país terá de continuar a encarar a pesada agenda de reconstrução fiscal que tem pela frente. Mas a aprovação da reforma da Previdência dará credibilidade à ideia de que há um esforço sério de ajuste fiscal em andamento. E o aumento de receitas extraordinárias provenientes do pré-sal, do BNDES e da aceleração do programa de privatização poderá dar mais tempo ao governo para articular novas medidas de ajuste fiscal.

É importante que, em paralelo à agenda pendente de reformas, o governo saiba dar o alento necessário ao delicado círculo virtuoso de expectativas favoráveis deflagrado pela aprovação da reforma da Previdência na Câmara. Sem excesso de ativismo e — Bolsonaro permitindo — sem choques desestabilizadores.

É bem verdade que o excesso de capacidade que se observa em boa parte da economia dá lugar a muita incerteza sobre em que momento os investimentos serão, afinal, destravados. Mas é perfeitamente possível apressar a retomada de investimentos que prescindem da recuperação prévia da economia, em setores promissores importantes que já vêm contando com o apoio de políticas públicas bem concebidas, como óleo e gás, infraestrutura e agronegócios.

Quanto às reformas pendentes, as dificuldades vêm sendo agravadas em grande medida por propostas equivocadas do próprio governo. Basta ter em mente o que vem ocorrendo com o debate sobre a reforma tributária. Como há nada menos do que cinco propostas distintas em consideração, é fundamental evitar que o entrechoque desses projetos no Congresso converta a discussão da reforma numa desastrosa pororoca parlamentar. Em meio ao pandemônio, a última novidade é que os governadores estão agora fascinados com a estapafúrdia ideia de permitir que os estados voltem a taxar ostensivamente as exportações.

O governo terá de reconhecer que sua proposta — equivocada como está, e sem respaldo da sociedade — não terá passagem no Congresso. Diante de tal profusão de projetos e da ferrenha disputa por protagonismo, entre o Executivo, a Câmara e o Senado, é fundamental que o governo tenha condições de pôr ordem no debate e fazer valer o seu peso para tentar negociar e aprovar um projeto viável. O que, em princípio, exigiria o que o Planalto vem se recusando a fazer: montar uma ampla coalizão governista baseada no compartilhamento de poder com o Congresso.

Não há como fugir à constatação mais geral de que a ambição das reformas pendentes terá de ser compatível com as possibilidades, necessariamente mais acanhadas, de um governo que se recusa a arregimentar e manter uma coalizão sólida no Congresso.

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