quinta-feira, agosto 08, 2019

Dinheiro do petróleo não pode pagar pessoal - RIBAMAR OLIVEIRA

Valor Econômico - 08/08

Novo pacto federativo prevê o fim da vinculação de receitas



Os cerca de R$ 21 bilhões que Estados e municípios receberão do megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa não poderão ser utilizados livremente. Em acordo feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em torno da divisão dos recursos do megaleilão, ficou definido que os recursos não podem ser utilizados para o pagamento de pessoal, de acordo com fonte credenciada do governo. Poderão ser usados para pagar dívidas com a União, pagar precatórios judiciais e investimentos.

A divisão dos recursos está prevista na proposta de emenda constitucional (PEC) 98/2019, já aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado. A PEC determina que a União transfira para os Estados 15% dos valores arrecadados com o megaleilão, depois de descontada a despesa que ela terá com o pagamento à Petrobras, como parte da revisão do contrato da cessão onerosa. Os municípios também receberão 15% dos valores líquidos arrecadados.

O megaleilão vai arrecadar R$ 106 bilhões em bônus de assinatura, de acordo com o governo. Como a Petrobras ficará com R$ 33,7 bilhões, sobrarão R$ 72,3 bilhões. Deste total, 30% ou R$ 21,7 bilhões vão para Estados e municípios.

Como os recursos serão divididos entre os Estados e municípios? Como eles serão aplicados? Tudo isso, segundo a PEC 98/2019, será definido em lei. Há, portanto, um cronograma a ser cumprido antes que governadores e prefeitos possam utilizar o dinheiro do megaleilão. Primeiro será preciso aprovar a PEC no Senado. Depois uma lei regulamentando a divisão e o uso dos recursos.

O megaleilão do excedente da cessão onerosa está marcado para o dia 6 de novembro e o dinheiro só ingressará nos cofres do Tesouro no dia 27 de dezembro deste ano. Até mesmo este cronograma, no entanto, está na dependência de uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a revisão do contrato da cessão onerosa e do próprio leilão do excedente. Não está inteiramente descartado o adiamento do leilão.

É muito provável, portanto, que a transferência do dinheiro da União para Estados e municípios somente ocorra no próximo ano. A Proposta de Emenda Constitucional 98 também prevê que a transferência dos recursos será excluída do teto de gastos da União, da mesma forma que o pagamento à Petrobras.

Nada garante, no entanto, que a lei que regulamentará a transferência dos recursos para Estados e municípios seja aprovada nos termos acordados entre Guedes, Alcolumbre e Maia. Tudo no Congresso depende de votos. E não é possível antecipar com segurança o resultado de votações na Câmara e no Senado, principalmente diante de eventual pressão que será feita por governadores e prefeitos. Há o risco, portanto, de que os recursos do leilão do excedente de petróleo terminem sendo usados para pagar despesas de forma indiscriminada.

Em breve, Guedes deverá apresentar a sua proposta de novo pacto federativo. A ideia do governo é descentralizar receitas, fortalecendo as finanças estaduais e municipais. Uma proposta prevê a divisão, com Estados e municípios, de parte da receita futura que será obtida pela União com royalties e participações especiais na exploração dos campos do pré-sal. A expectativa do governo é que essa receita crescerá muito nos próximos anos, atingindo seu pico em 2031.

A questão é saber se haverá contrapartidas a esse plano de fortalecimento das finanças estaduais e municipais. Em recente artigo na "Folha de S.Paulo", o economista Marcos Mendes afirmou que um pacto federativo que apenas dê dinheiro federal aos Estados, sem reformas que diminuam os incentivos a gastar mais, não funcionará. "Será tão eficiente quanto tentar manter uma banheira cheia abrindo mais a torneira, sem fechar o ralo", observou Mendes, que foi assessor especial do Ministério da Fazenda, nas gestões de Henrique Meirelles e Eduardo Guardia.

No artigo, Mendes argumentou que as vinculações de receitas estaduais a gastos com saúde e educação desestimulam a busca do equilíbrio fiscal pela via do aumento de receita, pois cada real a mais arrecadado aumenta o gasto, automaticamente, em R$ 0,37, por causa das vinculações.

Integrantes da equipe econômica disseram ao Valor que o pacto a ser proposto por Guedes prevê justamente o fim dessas vinculações que, no caso da União, já foram eliminadas pela emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos da União. Hoje, o gasto federal com educação e com saúde não está vinculado à receita. Os valores correspondem aos calculados para 2017, corrigidos, anualmente, pela inflação. A regra valerá, pelo menos, até 2026.

Outra preocupação da equipe econômica é que a receita descentralizada, principalmente a proveniente do petróleo, não seja utilizada para conceder aumentos salariais ou outro tipo de vantagens aos servidores, como ocorreu em passado recente em alguns Estados e municípios. Os técnicos argumentam que a receita do petróleo é instável, podendo cair repentinamente, em decorrência da redução dos preços internacionais do produto. Assim, ela não pode custear despesas permanentes.

Orçamento impositivo

Há um grande temor na área técnica do Ministério da Economia sobre os efeitos da emenda constitucional 100/2019, que instituiu o chamado "Orçamento impositivo". A preocupação principal é com o novo parágrafo 10 do artigo 165 da Constituição, que estabelece o dever da administração de executar as programações orçamentárias, adotando as medidas e os meios necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.

O problema é que, no texto da emenda aprovado, não há comando definindo que as dotações orçamentárias poderão sofrer contingenciamento em caso de receita menor que a prevista no Orçamento nem que elas não poderão ser executadas em caso de impedimento técnico. Os assessores do governo acreditam que esse parágrafo compromete o cumprimento da meta de resultado primário em 2020. Por isso, torcem para que a PEC 98/2018, que corrige essas lacunas da emenda 100, seja aprovada pelo Senado. Já passou pela Câmara.

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