segunda-feira, agosto 12, 2019

Chatos não vão à Lua - LUIZ FELIPE PONDÉ

FOLHA DE SP - 12/08

Quantas etnias e orientações sexuais teriam que estar no projeto Apollo millennial?


Vivemos num mundo de chatos. Basta você ver alguém fazer o pedido num restaurante para ver a chatice em ação nos detalhes da alimentação. E se o restaurante não tiver aquele prato especialmente saudável, com a última moda da nutrição vietnamita para pessoas espiritualizadas?

Mas, infelizmente, as coisas não são simples assim. Hoje em dia, nem achar algo idiota está livre de ser, em si, um ato idiota ou míope. O mundo é chato, inclusive, porque temos informação o suficiente para saber que ele é muito mais complicado do que pensava nossa vã filosofia.

Num excelente artigo escrito no LA Times, e replicado no Jerusalem Post, de Israel, no dia 21 de julho, assinado por Ralph Vartabedian e Samantha Masunaga, vemos um painel social, político, econômico e psicológico do que tornou possível Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisarem na Lua no dia 20 de julho de 1969. Este texto é um excelente ponto de partida para pensarmos em algumas coisas que mudaram muito dos anos 1960 para cá.

Alguns dos entrevistados, pessoas que estiveram envolvidas diretamente no projeto Apollo ou trabalham na Nasa hoje em dia, na sua maioria, acham que não conseguiríamos realizar o mesmo feito nos dias atuais.

Por quê? Resumindo o argumento: porque o mundo de agora, apesar de ter mais repertório técnico e tê-lo tornado mais barato do que então, não tolera riscos, gestões violentas ou úlceras e ataques cardíacos “em nome de uma boa causa”. Além de não vivermos mais a Guerra Fria nem termos a União Soviética ameaçando a hegemonia americana. Pensemos a partir do artigo em algumas fronteiras do argumento em questão.

O enorme investimento econômico realizado dependia, por exemplo, de um grau de confiança nas pessoas que já não temos: não confiamos em ninguém.

Essa confiança aparecia na parceria entre políticos dos partidos democrata e republicano, hoje inexistente em consequência da polarização político-ideológica; na relação entre governo e iniciativa privada, atualmente refém de uma enorme burocracia; na opinião pública, agora enraivecida nas mídias sociais e infernalmente volátil.

Mas a confiança também existia nos vínculos profissionais: jovens engenheiros desconhecidos recebiam responsabilidades gigantescas. Nos dias de hoje, os jovens são millennials que querem apenas comida saudável, praias do Vietnã e patinetes.

Um millennial faria xixi na calça se dissessem a ele que um erro seu explodiria três homens num foguete, como ocorreu com a Apollo 1 em 27 de janeiro 1967. Ele diria que isso seria injusto com ele, millennial, afinal, tanta responsabilidade para uma pessoa assim, seria muito injusto!

Como afirma um dos entrevistados, hoje é muito mais difícil montar uma equipe de trabalho. O tipo de liderança que assimilava graus distintos de violência e coragem na tolerância dos riscos que realizou o projeto Apollo hoje morreria nas mãos de alguma polêmica politicamente correta. Quantas etnias e orientações sexuais teriam que integrar a elaboração de um projeto Apollo millennial?

O desaparecimento da confiança em nome do controle de riscos é um fato do mundo contemporâneo, seja na Nasa, nos relacionamentos afetivos, na geração de filhos ou nos campos do trabalho e da criação artística e conceitual. O mundo ficou, como diziam as avós, “amofinado”. Olhe no Google se você não sabe o que é.

Se pensarmos na tripulação morta na Apollo 1, formada por Gus Grissom, Edward White e Roger Chaffee, e no suicídio desesperado da esposa de Chaffee na sequência, num cenário atual, o projeto Apollo seria afogado na viralização de pessoas indignadas com o ocorrido.

Os líderes olhariam para suas redes sociais para decidir o que fazer. A tolerância para os riscos e erros era muito maior. Acusariam o projeto Apollo de machismo, seguramente. Famílias foram destruídas devido ao estresse e às horas de trabalho sem fim que toda a equipe envolvida experimentava no seu dia a dia. A solidão das esposas e dos filhos era enorme.

Talvez, a Lua não valesse aquela grana toda. Melhor investir no desaquecimento global do que na conquista espacial. Talvez o turismo espacial refaça as viagens lunares, quem sabe. Tem praia na Lua?

Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

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