sexta-feira, junho 28, 2019

Uma lei para as autoridades - EDITORIAL O ESTADÃO

O Estado de S. Paulo - 28/06


Senado deu um importante passo para que todos estejam sob o império da lei.


Ao aprovar o projeto de lei que criminaliza o abuso de autoridade, o Senado deu um importante passo para um maior equilíbrio institucional e, principalmente, para que todos – também as autoridades – estejam sob o império da lei. Num Estado Democrático de Direito, não faz sentido que os abusos cometidos no exercício da função pública fiquem impunes.

Há muito tempo é sentida a necessidade de uma lei sobre abuso de autoridade. Não se trata de uma novidade e tampouco é uma reação à Lava Jato, como alguns querem apresentar o projeto de lei aprovado pelo Senado, que agora será encaminhado à Câmara dos Deputados. Por exemplo, no II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo, assinado em abril de 2009 pelos chefes dos Três Poderes, consta, entre as matérias prioritárias de estudo, a “revisão da legislação relativa ao abuso de autoridade, a fim de incorporar os atuais preceitos constitucionais de proteção e responsabilização administrativa e penal dos agentes e servidores públicos em eventuais violações aos direitos fundamentais”.

O texto final aprovado pelo Senado é bastante cuidadoso com os juízes e os promotores. Por exemplo, o projeto rejeitou a criminalização da interpretação de juízes, o chamado crime de hermenêutica. Com isso, ficou claro que divergências na interpretação da lei e na análise dos fatos e das provas não configuram crime. Continua sendo plena a liberdade do juiz no exercício da profissão. O que não pode é utilizar deliberadamente o cargo para outras finalidades.

O elenco das condutas abusivas é também muito pedagógico e pode contribuir para que haja maior respeito à lei e à função pública. Por exemplo, o projeto de lei prevê punição para o juiz que proferir julgamento em caso de impedimento legal. Também criminaliza a instauração de procedimento sem indícios, a atuação com evidente motivação político-partidária ou o exercício de atividade empresarial ou outra função pública, exceto o magistério.

O texto aprovado pelo Senado também estipula pena para a manifestação de juízo de valor sobre processo pendente de julgamento. Essa previsão recebeu inúmeras críticas. Houve quem tenha qualificado a restrição como “lei da mordaça”. Nada mais distante da realidade. O projeto simplesmente ratifica uma proibição que já consta da Lei Orgânica da Magistratura (Lei Complementar 35/1979): “É vedado ao magistrado manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, seu ou de outrem, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças, de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos e em obras técnicas ou no exercício do magistério” (art. 36, I). Ora, é próprio do regime republicano estabelecer consequências para o descumprimento da lei.

Para a configuração do crime de abuso de autoridade, o projeto exige a existência de dolo específico. Trata-se de um ponto importante, que traz segurança jurídica e evita que a lei seja usada para perseguições indevidas. Para que a conduta de uma autoridade seja qualificada como abuso de autoridade é preciso que ela tenha sido praticada com a finalidade específica de prejudicar ou beneficiar ou seja motivada por capricho ou satisfação pessoal.

O Senado também diminuiu a pena prevista para quem cometer o crime de abuso de autoridade. Se antes a previsão era de pena de reclusão, agora é de detenção de 6 meses a 2 anos, podendo começar em regime aberto ou semiaberto, além de multa. “O que fizemos aqui foi um amadurecimento do texto para torná-lo o mais equilibrado possível. O que não se pode é deixar de punir o abuso de autoridade”, disse o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

O projeto de lei sobre abuso de autoridade não é uma necessidade momentânea. É elemento essencial de um ordenamento jurídico equilibrado, que se preocupa em proteger os direitos e as liberdades de todos os cidadãos ante o mau uso – o abuso – das funções públicas. Nunca é demais reiterar que manipular o poder estatal para fins abusivos é crime.


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