domingo, junho 02, 2019

SANEAMENTO - Congresso precisa acabar com o atraso no setor - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 02/06

Um grande obstáculo a melhorias é a ineficiência de empresas estatais, geralmente sob proteção política


A instituição de novas regras para o setor de saneamento produziu no Congresso Nacional um daqueles eventos decisivos na luta política contra o atraso social e econômico.

Numa época em que se debatem os efeitos sociais da inteligência artificial e se planejam viagens interplanetárias, o Brasil ainda mantém110 milhões de pessoas reféns na miséria, sem direito ao acesso a serviços básicos de coleta de esgoto, e 35 milhões sem dispor de água tratada. Para esses cidadãos, saneamento é, sim, sinônimo de progresso.

A reversão desse drama brasileiro só é viável com a retomada de investimentos no setor. Para tanto, são necessários novos regulamentos, capazes de prover segurança jurídica nos contratos para infraestrutura e prestação de serviços à população.

O governo Michel Temer abriu caminho ao editar, no ano passado, uma Medida Provisória (nº 868). O Congresso a aperfeiçoou, num trabalho diligente e competente do relator, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), que negociou o texto com os partidos. O prazo de validade da MP acaba nesta semana.

Na semana passada, alguns governadores estaduais recuaram em pontos-chave do texto, já acertados, como o que determina a obrigatoriedade de as prefeituras realizarem licitações ao término dos contratos atualmente em vigor.

O que seria uma demanda legítima, passível de discussão, serviu de senha para o recrudescimento das ações do lobby corporativo de entidades de empregados das empresas públicas de saneamento. São contra quaisquer mudanças num setor que, nas condições atuais, representa uma síntese do atraso social, da perversidade da concentração de renda e do reacionarismo político.

Não parece que se importam se, nessa área, o desenvolvimento do Brasil está estagnado em patamar inferior ao de nações muito mais empobrecidas, como a Bolívia, ou afligidas pela catástrofe de uma guerra sem fim, como o Iraque. O interesse predominante está, fundamentalmente, nos privilégios de classe, com resultado expresso num custo operacional das empresas estaduais em média 30% superior ao das empresas privadas de saneamento.

Criado o novo impasse, optou-se por outro adiamento da decisão legislativa sobre as mudanças nas regras setoriais. Assim, a MP do governo Temer perderá validade nesta semana, mas, em tese, servirá de base a um projeto consensual para ser votado na próxima quinzena.

Resta torcer pelo acerto dessa aposta feita pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Não é mais possível conviver com a situação de calamidade social, responsável pela morte de cerca de 15 mil pessoas e 340 mil internações anuais no Sistema Único de Saúde.

A defesa do estatismo, em nome da “soberania popular” ou de um “direito que não pode ser tratado como mercadoria”, só atende a conveniências eleitorais e a interesses pecuniários de uma casta de servidores públicos. A tragédia permanece visível na degradação da vida dos mais pobres, sem acesso a água e esgoto tratados. Todos no Congresso sabem que, mantido o modelo atual, a universalização dos serviços de saneamento no Brasil só acontecerá na segunda metade do Século XXI. Por isso, os parlamentares têm a obrigação da urgência nessa luta decisiva contra o atraso.
VERGONHA MUNDIAL
Acesso à água
Serviço de esgoto
(Em %)
98,6
99,1
99
96,9
96,1
95,5
93,2
90
88,6
86,7
86,5
85,4
85,2
83,3
76,7
76,5
76,2
66,4
51,9
50,3
África
China
Peru
Chile
Jordânia
México
Bolívia
Marrocos
Iraque
Brasil
do Sul
Ineficiência técnica
(em R$ bilhões)
Investimentos totais
Média 20 anos
Média 10 anos
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Por incapacidade, estados e municípios usaram apenas 51% do total de recursos federais que tiveram à disposição em 2018
99
00
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15
16
1998
2017
Tempo e dinheiro perdidos
Obras paradas
2003
2004
2005
2006
2007
2008
16
50 delas estão paralisadas há pelo menos 15 anos, com mais de 80% de execução. Custam R$ 4,6 bilhões em financiamento com dinheiro do FGTS
13
21
33
43
35
Causa e efeitos
26,9%
110 milhões
35 milhões
dos municípios
reportaram ocorrência de dengue
Não têm o seu esgoto tratado. Destes, 73% não possuem nem mesmo coleta
Não estão conectados à rede de abastecimento de água. E isso não significa que aqueles que estão abram suas torneiras e encontrem água
1.933
municípios tiveram
epidemias ou endemias em 2017
(34,7% do total)
Fonte: Ministério da Economia

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