Passageiros pagarão pela bagagem de qualquer jeito
Todo serviço ou produto oferecido no mercado possui um preço. Imagine que você seja proprietário de um restaurante e o governo estabeleça que, a partir de hoje, deva fornecer as sobremesas gratuitamente.
Como empresário, seu objetivo não é fazer caridade nem ter prejuízos. Para compensar a sobremesa “gratuita”, certamente você irá diluir os custos em outros produtos ou serviços do estabelecimento, como bebidas ou prato principal, por exemplo.
E como fica o cliente que não gosta de sobremesa? Ele será obrigado a pagar pela sobremesa dos outros, simples assim. A princípio, parece que os clientes terão um benefício na concessão de algo grátis, quando, na verdade, haverá clientes pagando por algo que não estão consumindo. Isso seria justo?
O raciocínio é o mesmo quando se analisa o mercado de transporte aéreo de passageiros e todo o debate sobre a franquia no despacho de bagagens. O ponto central é simples: nós pagaremos pelas bagagens de qualquer maneira. Resta saber se queremos ter transparência na composição dos preços ou não.
A maioria dos consumidores escolhe a passagem aérea pelo preço. A definição das tarifas conforme o perfil do cliente —aquele que carrega mais bagagem ou aquele que precisa ou gosta de mais espaço— beneficia diretamente o consumidor, que paga somente pelo serviço que está efetivamente utilizando.
A proibição de cobrança por franquia de bagagem por parte das companhias aéreas afeta o mercado de maneira extremada e negativa. A medida é prejudicial à concorrência e também aos passageiros.
Todos queremos serviços de melhor qualidade e menores preços. Porém, não existe mágica em economia. Os preços são resultado, além da estrutura de custos, da dinâmica entre oferta e procura. As tentativas do Estado em intervir na vida empresarial e impor preços quase sempre dão mau resultado. O papel que cabe ao Estado é garantir a segurança jurídica para o ambiente de negócios e assegurar uma concorrência justa no mercado.
O mercado interno de transporte aéreo de passageiros é dominado por poucas empresas, cenário agravado pela crise da Avianca. O setor apresenta inúmeras condições que limitam a concorrência e, por esses e outros motivos, trata-se de um mercado concentrado que, por ter a competição prejudicada, atinge drasticamente o consumidor final.
O Brasil precisa amadurecer com relação aos princípios concorrenciais e entender seus benefícios. Sob uma perspectiva concorrencial, retirar reservas de mercado e trazer mais transparência sobre a composição dos serviços prestados traria inúmeros impactos positivos para a economia e para o consumidor.
Diversas companhias aéreas estrangeiras têm mostrado interesse em ingressar no mercado brasileiro após a abertura do setor ao capital estrangeiro. Mas é importante lembrar que grande parte dessas companhias adotam o modelo de negócio “low cost”, no qual o valor da bagagem não está embutido no preço final do bilhete aéreo, o que permite ofertas mais atrativas.
Portanto, a atual regulação, que possibilita a cobrança por bagagem despachada e outros serviços, caso mantida, facilitará a entrada de novas empresas no setor, o que gerará aquecimento no mercado, acirrará a concorrência e se refletirá no preço das passagens. Em contrapartida, a volta da franquia de bagagens afetaria negativamente o investimento de empresas internacionais no mercado brasileiro, uma vez que esse tipo de regulamento impacta diretamente o seu modelo de negócios.
Importante destacar que as empresas precisam observar as regras de mercado e toda a legislação vigente. Além da queda do preço da passagem, destacam-se dois pontos importantes que afetam diretamente o consumidor: a informação —por parte das empresas— prestada com clareza no momento da compra de passagem, bagagem, assento ou qualquer outro item que a empresa ofereça; e os valores cobrados pela bagagem despachada, que não podem ser abusivos.
A gratuidade de qualquer coisa (de sobremesas em restaurantes a bagagens despachadas) pode parecer ótima, mas nem tudo é o que parece.
Definitivamente, não existe sobremesa grátis.
Alexandre Barreto de Souza
Presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica)
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