quarta-feira, junho 12, 2019

Moro sem capa - VERA MAGALHÃES

O Estado de S. Paulo - 12/06


Em política, os agentes costumam sentir cheiro de sangue na água. E o ex-todo-poderoso Moro sangrou pela primeira vez.


Juízes usam capa em tribunais de júri e cortes superiores. Heróis usam capa nos quadrinhos. Sérgio Moro não é mais juiz, ainda não chegou ao Supremo Tribunal Federal, seu sonho declarado, e perdeu nos últimos dias, ao menos por ora, a capa de herói com que foi retratado em atos no dia 26. Moro está momentaneamente sem capa, pela primeira vez desde que se notabilizou pela Lava Jato.

Isso significa que o ministro da Justiça perdeu o respaldo das ruas e das redes? Não. Os atos em apoio ao governo foram mais um aval à agenda de Moro que à de Jair Bolsonaro. Mas as hashtags de apoio ao ex-juiz depois da revelação de trechos de conversas obtidas de forma, ao que tudo indica, ilegal e divulgadas pelo site The Intercept Brasil rivalizaram com as de críticas à Lava Jato, e medições feitas nas interações no Twitter mostram o campo de centro dividido entre o apoio à operação e a decepção com a revelação de interações não institucionais entre acusação e juiz.

Em política, o ambiente em que Moro escolheu transitar quando deixou a magistratura, os agentes costumam sentir cheiro de sangue na água. E o ex-todo-poderoso sangrou pela primeira vez de forma consistente depois de quatro anos praticamente sem contestações. Deputados, senadores, ministros do Supremo, derrotados nas últimas eleições, advogados. A fila dos que veem no episódio a chance de ir à forra contra Moro e os procuradores é imensa. E leva a consequências imediatas.

O projeto anticrime, que estava em banho-maria, subiu no telhado. A indicação ao STF, antes dada como certa pelo próprio presidente, hoje é vista com ceticismo entre colegas de ministério e integrantes da Corte. O acordo para que o ministro deponha diante do Senado atende em parte a essa sede de sangue indisfarçada.

“Ao mal tudo se permite; da virtude tudo se exige”, lamentou para mim um ministro de Bolsonaro, solidário ao colega. Pode parecer injusto, mas o juiz Moro vestiu como uma capa de herói esse figurino da virtude intransigente. Justamente por isso, e por ter visto de perto casos como Banestado e Castelo de Areia, sabia melhor que ninguém que vícios de forma podem, sim, macular uma virtuosa operação de combate à corrupção – cujo acervo de provas de escândalos revelados, diga-se, segue intacto.

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