domingo, junho 23, 2019

Errar e seguir errando - ASCÂNIO SELEME

O GLOBO - 23/06

Bolsonaro admitiu que que estava errada a divisão de tarefas que fez no Palácio


Todo mundo sabe que o presidente da República tem enorme dificuldade para se expressar com clareza. Por vezes ele diz uma coisa pensando estar afirmando outra. Jair Bolsonaro tem mais problemas quando tenta exprimir uma sentença longa. Eventualmente ele emprega palavras fora do seu contexto e comete erros vernaculares. Além disso, tem dicção ruim e vícios de linguagem que tornam os finais das suas falas repetitivos. Seu desconforto oral é ainda mais evidente quando ele não domina o assunto. Mas sexta-feira passada ele passou por cima de todas essas questões para dizer que errou na condução da articulação política do governo.

Ao explicar por que retirou do ministro Onyx Lorenzoni a condução da pauta política, Bolsonaro disse: “Depois que a gente faz as coisas, a gente plota que podia ter feito melhor ou não ter cometido aquele erro”. O presidente admitiu que estava errada a divisão de tarefas que fez no Palácio, e que voltar ao modelo do governo de Michel Temer era a melhor alternativa. Faz sentido, em parte. O modelo do governo anterior, ao qual Bolsonaro disse estar retornando, era de negociação permanente com o Congresso das pautas de interesse do governo.

Bolsonaro tem ainda mais obrigação com sua pauta do que Temer. O ex-presidente não tinha programa próprio, foi eleito vice sob uma agenda petista. Seu projeto, quando assumiu a Presidência, foi baseado no documento Ponte para o Futuro, com o qual tentara antes salvar o mandato da sua antecessora Dilma Rousseff. Bolsonaro, ao contrário, tem um programa de governo. Com ele foi eleito e por ele foi incumbido de governar o país. Não batalhar pelo seu êxito pode parecer traição aos olhos de quem o colocou no Palácio.

A prática até aqui adotada, de entregar tudo ao Congresso e deixar que deputados e senadores se entendam e resolvam como achar melhor, pode parecer democrática porque valoriza o Poder Legislativo. Mas não é. Ela é resultado de uma mistura de preguiça com medo. Preguiça, porque negociar exige muito trabalho e noites mal dormidas. Medo, porque uma derrota do governo pode soar — e, de verdade, soa — como derrota do presidente. A desculpa de não negociar para não trocar cargos por votos é esfarrapada. Por quê? Porque ninguém governa sozinho. E porque existem muitos quadros excelentes no Legislativo que podem governar muito bem. Caso do ex-deputado Rogério Marinho, por exemplo.

Nesse aspecto, Bolsonaro fez muito bem ao reconhecer que errou e que vai adotar o modelo do governo anterior. Mas, como toda ação política tem pelo menos dois lados, cabe ressaltar que a escolha do novo interlocutor com o Congresso parece inteiramente equivocada. Um governo com tantos propósitos polêmicos como o de Bolsonaro deveria ancorar-se em um nome forte e de prestígio junto aos parlamentares para tentar tocar sua pauta. Se Onyx, ex-parlamentar de quatro legislaturas, não era adequado para a função, o que dizer do general da ativa Luiz Eduardo Ramos, novo ministro da Secretaria de Governo?

Por favor, não vale alegar que o general tem experiência porque foi chefe da Assessoria Parlamentar do Exército no Congresso. Quem conhece a atividade dos assessores parlamentares de ministérios, estados e de outras instituições no Congresso sabe que dois anos na função não servem para nada. O fato de Ramos ser amigo de Bolsonaro ajuda mais do que sua experiência congressual. Claro, se Ramos chegou ao posto de general de Exército, última etapa da carreira militar, é um homem preparado, experiente e articulado. Mas isso não lhe confere capacidade para articular e negociar sob pressão permanente. Sabe-se por experiência histórica que fazer política não é o forte de generais.


Quem sentou com Telmário
O senador Telmário Mota (PROS-RR) estava empolgado na sessão da Comissão de Constituição e Justiça do Senado que ouviu o ministro Sergio Moro, na quarta-feira. A certa altura deixou parte do plenário com a pulga atrás da orelha. Ele disse que a Casa tinha que olhar para dentro antes de acusar outros. Foi aí que ele acrescentou a fagulha da curiosidade: “Ontem mesmo, na votação do decreto das armas, eu estava sentado ao lado do senador mais ladrão deste país”.

Hein?
Chamou atenção na sessão do Moro na CCJ a cara de brabo do senador Paulo Rocha (PT-PA). Brabo e confuso. O senador trocou e engoliu palavras, leu trechos de um texto sem conseguir interpretar o seu sentido, por vezes iniciou e não concluiu um pensamento. Chegou a reclamar por ter sido absolvido pelo STF de crime a ele imputado. Talvez por isso mantenha aquele semblante sempre carrancudo. Para intimidar e impedir que alguém vire-se para ele e diga “hein?”.

Outros Tempos
O ex-senador Antônio Carlos Magalhães, que dominou a Bahia e foi importante figura da política nacional durante mais de duas décadas, chamava seu interlocutor para tomar um banho de mar sempre que queria falar alguma coisa mais sensível. O ex-ministro Pedro Malan, chefe da Fazenda durante os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, convidava a pessoa para caminhar no calçadão de Ipanema e Leblon. Naquela época não havia Telegram, mas tinha e-mail.

Show de Besteiras
O general Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, disse à revista Época que o governo é um “show de besteiras”. É, parece que Santos Cruz descobriu a pólvora.

Febeapá
O deputado Otto Alencar (BA), líder do PSB, reagiu indignado à declaração do presidente Bolsonaro de armar a população para eventualmente depor governos. Aos jornalistas disse ser absolutamente contra a ideia e bradou peremptoriamente: “Só quem pode dar golpe é o Exército!”. Viva Stanislaw Ponte Preta.

Bola dentro
Para não dizer que o presidente Bolsonaro não merece eventuais elogios, aqui vai um. Muito boa a medida provisória que facilita a venda de bens do tráfico. Era mesmo uma piada o formato em vigor antes da MP. Qualquer advogado de porta de cadeia podia suspender a venda de aviões, helicópteros, carros, casas, fazendas e outros bens dos traficantes com a alegação de que a propriedade é um direito fundamental. Depois, era só antecipar a soltura do bandido (que também não é nenhum bicho de sete cabeças no Brasil) para ele voltar a usufruir livremente do resultado do seu crime.

Vamos falar de Minc
Leitor escreveu reclamando que jornalistas não dedicam ao deputado estadual Carlos Minc (PSB) a mesma atenção dada a Flávio Bolsonaro no caso da rachadinha dos salários dos seus funcionários. É verdade, ambos foram apanhados com a mão na botija e tiveram sigilos quebrados, mas Minc não é filho do presidente e seu chefe de gabinete não desapareceu.

Melhores universidades
São brasileiras seis das dez melhores universidades da América Latina, segundo ranking da Times Higher Education (THE). Se consideradas apenas as 20 melhores, 13 são do Brasil. O Rio coloca duas entre as 20 mais bem pontuadas. A PUC ficou em quarto lugar, com 85,5 pontos, e a UFRJ chegou em 13º, com 77,5 pontos. A melhor brasileira é a USP, segunda colocada com 88 pontos.
Boa notícia

Um tanque de ideias está sendo criado pela faculdade ESPM para pensar o Rio. O “Think Rio” será um fórum permanentemente aberto aos cariocas, que são convidados a buscar saídas para a crise da cidade e do estado na inovação, no empreendedorismo, na educação e na economia criativa. Sorte nossa que há cidadãos e instituições privadas buscando soluções para o Rio, já que pela via oficial não se pode esperar muita coisa mesmo.
Aplausos para o inspirador

José Márcio Camargo foi eleito pela publicação Latin Trade como um dos 25 economistas que mudaram a cara da América Latina no último quarto de século. Seu reconhecimento se deu por ter sido ele um dos principais inspiradores de programas de transferência de renda como o Bolsa Família, o Progresa, do México, e o Familias en Acción, da Colômbia. Estudos de José Márcio mostraram que meninos de famílias pobres que trabalham contribuem com até 30% da renda per capita da família. Para levá-lo à escola, era necessário competir com o mercado de trabalho, dando para sua família em forma de bolsa a renda que ele gerava.

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