segunda-feira, maio 06, 2019

Trump agrava a crise, mas Cuba foi congelada na pobreza pela ditadura - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 06/05

Não se abriu um caminho próprio, trocou-se apenas a dependência soviética pela venezuelana


O pesadelo da escassez de energia e alimentos voltou ao imaginário de 11,5 milhões de cubanos. O avanço da crise é real, admitiu o governo. “Mas não vamos voltar à fase aguda do Período Especial”, atenuou o ex-presidente Raúl Castro em discurso.

Referia-se ao quadro crítico que marcou o início dos anos 90 do século passado, quando os blecautes ultrapassavam doze horas, as atividades econômicas caíram mais de 30%, e o poder de compra reduziu-se 60% em três anos. Castro só não explicou por que, agora, tudo seria diferente.

Uma das causas da nova crise tem nome: Donald Trump. Ele se empenha em liquidar os acordos diplomáticos do antecessor Barack Obama com a dinastia Castro, há seis décadas no poder na ilha, distante 150 quilômetros de Miami, na Flórida.

Trump intensifica pressões contra o regime de Cuba, apostando na asfixia do seu atual patrocinador, a cleptocracia de Nicolás Maduro.

A ilha está congelada na pobreza. A extinta União Soviética financiava 80% das necessidades em energia, alimentos e tecnologia. A ditadura da Venezuela supria com petróleo, até o ano passado, e era responsável por mais da metade da receita do país. Estima-se que ainda responda por 20% do PIB cubano.

Cuba trocou Moscou por Caracas. Desta vez, há uma diferença geopolítica fundamental. No regime chavista, a dinastia Castro chegou a ter mais de 20 mil militares infiltrados em áreas-chave do poder na Venezuela, como petróleo, defesa, inteligência e finanças.

É caso singular de país dependente que passou a controlar decisões do antigo protetor. O humor venezuelano até criou um neologismo para tal situação: “Cubazuela”.

Trump mira em Cuba e na Venezuela, assim como na Nicarágua, também dependente do petróleo chavista, com objetivos simultâneos: manter agitada sua base extremista republicana e seduzir a maioria conservadora do eleitorado latino na Flórida, estado que garantiu sua vitória em 2016 e continua decisivo ao projeto de reeleição.

Os cubanos amargam perdas nesse embate político, potencializadas pelos erros históricos da burocracia dirigente. Ela se provou incapaz de reverter a dependência externa e de aumentar a produtividade e a eficiência da economia doméstica.

Meio século de estagnação e os novos calotes na dívida externa — inclusive no Brasil, que financiou obras de infraestrutura — atestam que nem todas as agonias de Cuba têm origem na Casa Branca de Trump e de seus antecessores. O problema está mesmo no comitê central, em Havana.

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