domingo, maio 26, 2019

Eleições colocam Europa entre o sonho e o pesadelo - CLÓVIS ROSSI

FOLHA DE SP - 26/05

Em risco, o modelo menos ruim até agora inventado


Se é fato que o modelo europeu corre riscos a partir da eleição para o Parlamento Europeu, que termina neste domingo (26), então está em risco o que, para o meu gosto, é a menos ruim de todas as fórmulas que o ser humano inventou até agora.

Por modelo, entendo não apenas o processo de integração, que agora abraça 28 países (ou 27, se o Reino Unido sair mesmo), mas também o sistema de bem-estar social. Não é comum a todos, mas cada país consegue preservar uma razoável coesão social.

Os caminhoneiros —que estão de novo na moda no Brasil— também deveriam gostar do que faz o Parlamento Europeu: aprovou regras para definir o tempo que cada motorista de caminhão pode dirigir e quanto deve descansar em países diferentes do seu próprio.

Não é mais saudável do que discutir a tabela de fretes?

Mais legislação que o Brasil deveria no mínimo copiar: em 2018, o Parlamento enfrentou o lobby da poderosa indústria automobilística alemã para obrigar fabricantes de veículos a cortar as emissões de poluentes mais do que havia determinado a própria Comissão Europeia (o braço executivo do conglomerado).

Para os muitos brasileiros preocupados com o vazamento de seus dados pessoais, outro exemplo: também em 2018, o PE negociou uma regulamentação de proteção de dados que limita os meios de cada empresa para coletar dados e o que fazer com eles.

Por fim, para a moçada e seus professores que foram às ruas contra os cortes na educação, saibam que os eurodeputados estão lutando bravamente para preservar polpudos orçamentos para pesquisa científica, educação e infraestrutura.

Para aqueles que adoram a Lava Jato e o combate à corrupção, a Europa também serve de modelo. Os países europeus ocupam os primeiros lugares em matéria de limpeza, no Índice de Percepção
de Corrupção da Transparência Internacional.

Dos cinco primeiros colocados, três são europeus (Dinamarca, a primeira, depois Finlândia e Suécia). Dos 28 países da UE, só cinco tiram nota inferior a 50 em uma escala que vai de 100 (limpinho, limpinho) a 0 (sujinho, sujinho). São Croácia, Romênia, Hungria, Grécia e Bulgária. Mesmo assim, a Bulgária, a pior de todas, tira 48 e fica no 77º lugar entre 180 países. Para comparação, o Brasil é o 105º, com nota 35.

A UE é também modelo de solidariedade, enquanto os países do Mercosul, por exemplo, vivem se estapeando uns aos outros. É verdade que a solidariedade foi esgarçada pela crise de 2008, a ponto de a
Europa ter esfolado a Grécia até limites insuportáveis.

Mas, mesmo assim, o Parlamento que está sendo eleito terá sobre a mesa para votação um pacotaço de € 330 bilhões (R$ 1,488 trilhão), a título do chamado fundo de coesão. São recursos para permitir ir fechando as brechas entre os países mais ricos e os mais pobres.

O fundo já representa um terço do orçamento europeu e, para o período 2021/2027, passará a ser o primeiro item, segundo o jornal italiano Il Sole 24Ore.

Dá para entender, pois, por que, na mais recente pesquisa do YouGov, 68% dos consultados disseram que a participação na UE é uma boa coisa, o mais alto índice em quase 40 anos. Dá para entender igualmente que uma maioria tema um colapso da Europa unida, sitiada pelos partidos eurocéticos.

O Parlamento que sai das urnas nestes dias será o grande campo de batalha entre o sonho e o pesadelo.

Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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