sexta-feira, abril 05, 2019

Presidencialismo de confrontação? - ROGÉRIO FURQUIM WERNECK

O GLOBO - 05/04

Paulo Guedes a cargo da articulação política é solução equivocada


Mal sabendo da crise que estava prestes a eclodir em Brasília, dei a meu último artigo, publicado há duas semanas, o título “Presidencialismo de improvisação”. Tivesse o artigo sido escrito na semana passada, em meio à ruidosa e desajuizada escalada de hostilidades entre o Planalto e o Congresso, o título talvez pudesse ter sido “Presidencialismo de confrontação”.

É bem possível que a forma desastrada com que o governo deu início às negociações com o Congresso já tenha condenado a reforma previdenciária a ser bem mais acanhada do que poderia ter sido. O certo é que o clima excepcionalmente favorável, de harmonia e colaboração, que se estabelecera entre o governo e os presidentes da Câmara e do Senado, foi perdido. E não será fácil restaurá-lo.

O estremecimento nas relações do Planalto com o Congresso deu novo alento às resistências à reforma. Os que a ela se opõem mostram-se agora bem mais aguerridos. E até dispostos a tentar barrar partes importantes da proposta do governo já na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), antes mesmo da sua tramitação na Comissão Especial e no plenário da Câmara.

Por sorte, a crise da última semana de março parece ter sido contornada, pelo menos por ora, com a celebração de um armistício pautado por gestos de reconciliação de lado a lado. E, nos segmentos mais lúcidos e ponderados do governo, ganhou força a percepção de que, além da incontrolável propensão ao destempero de Jair Bolsonaro, há algo de profundamente errado na forma com que o Executivo vem conduzindo sua relação com o Congresso.

Em audiência no Senado, na semana passada, o ministro da Economia reconheceu que estava havendo uma “falha dramática” do lado do governo. E, no próprio Planalto, os ministros militares começam a reconhecer que a articulação do Palácio com o Congresso não está funcionando e que a Casa Civil não está cumprindo seu papel. O ministro Santos Cruz, que responde pela Secretaria do Governo, não poderia ter sido mais franco: “O Onyx, como gaúcho da fronteira, não tem perfil conciliador” (“Valor”, 29/3).

Reconhecer com todas as letras que a articulação do Planalto com o Congresso não está funcionando foi um grande avanço. O problema é que, em face desse diagnóstico essencialmente correto, o governo está contemplando uma solução improvisada e altamente problemática para corrigir a deficiência: deixar a articulação com o Congresso a cargo do ministro Paulo Guedes.

Sobram razões para desaconselhar essa suposta “solução”. É bom lembrar que o ministro da Economia tem hoje sob sua alçada vasto leque de atribuições que, até dezembro, justificavam a existência de nada menos que quatro ministérios de porte: Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento, Indústria e Comércio e Trabalho.

Conciliar tais atribuições com a concepção e a tramitação de uma proposta tão complexa como a da reforma da Previdência já tem sido um desafio mais do que extenuante. Especialmente agora, quando perspectivas menos promissoras para a economia brasileira nos próximos meses passaram a exigir do ministro dedicação ainda mais intensa à condução da política econômica.

É completamente despropositado esperar que, além de dar conta de tudo isso, o ministro possa se desincumbir a contento das intrincadas articulações políticas requeridas para, ao longo de muitos meses, levar adiante a aprovação da reforma previdenciária, num Congresso fragmentado em pelo menos duas dezenas de partidos em que os líderes têm pouca ou nenhuma ascendência sobre suas bancadas.

Não bastassem todas essas dificuldades, há ainda que ter em conta argumentos adicionais, de ordem política, que apontam para a imprudência de se deixar o ministro da Economia exposto na linha de frente das negociações com o Congresso.

Tendo feito o diagnóstico correto, o governo precisa entender que sua articulação com o Congresso não pode ser entregue ao ministro da Economia. Trata-se de função indelegável da Presidência da República que, até o momento, verdade seja dita, não conta com quem possa desempenhá-la com sucesso.

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