A crise política mina a credibilidade das instituições, e isto precisa ser revertido.
A reforma da Previdência, de indiscutível mérito, deveria servir de meio para mudar o jogo, a forma de fazer política, e não um fim a justificar a prática cujos resultados incluem o enfraquecimento das instituições.
Em 1932, com a economia americana em profunda crise, Franklin Roosevelt decidiu que seria essencial a aprovação de mudanças ambiciosas, conhecidas como New Deal. 25% da força de trabalho estavam sem emprego. Dentre as medidas estava, vejam só, a lei da previdência social. As reformas foram aprovadas no Congresso, mas a Suprema Corte as considerou inconstitucionais. Roosevelt, então, propôs acelerar a aposentadoria dos juízes. Quatro deles seriam substituídos, mas era necessário alterar a Constituição. Dessa vez ele esbarrou no Congresso, que achou temerário restringir o poder da Suprema Corte e o equilíbrio entre os poderes - checks and balances. É por essas e outras que os Estados Unidos possuem instituições políticas fortes.
Na Argentina, por duas vezes o equilíbrio entre poderes foi abalado. Por Juan Perón, em 1946, que estimulou, e conseguiu, o impeachment de membros da Suprema Corte. E depois por Carlos Menem, em 1990, que ampliou o número de juízes da Corte. O passo seguinte foi mudar a Constituição para que se reelegesse sem a resistência do Judiciário. Desnecessário detalhar a consequência disso também para a Venezuela, Bolívia e Equador.
No Brasil, com as tratativas para aprovar a Constituição de 1988, quando o toma-lá-dá-cá virou sinônimo de convencimento político, as crises ficaram mais frequentes, com o impeachment de dois presidentes, a prisão de dois outros e a falta de rumo da economia, com ciclos de recessão maiores que os de crescimento. As fronteiras entre poderes são muito permissivas. Não é claro até onde vai o poder do Supremo Tribunal Federal, que pode até censurar, como em caso recente de um site de notícias.
É sintomático, portanto, o potencial afastamento, pelo governo atual, de um dos seus marcos, e logo aquele que mais o diferenciava dos demais: a busca de uma alternativa de fazer política, que seria, do ponto de vista das instituições, sua principal entrega, que espero não seja abandonada.
É racional, e desejável, a harmonia entre aliados e opositores. E há uma compreensível justificativa
para a iminente guinada: aprovar a reforma da Previdência. Importantes atores pensam assim. Porém, não se preocupam em comparar os palpáveis efeitos do toma-lá-dá-cá para as instituições. Não há dúvida que o desequilíbrio das contas públicas, agravado pelos custos do sistema previdenciário, é o principal gargalo para a retomada do crescimento. Por isto, a reforma é primordial. Minha dúvida é se o fim justifica os meios, se os desgastes institucionais do modus operandi não acentuariam um problema tão importante quanto.
Nosso presidencialismo de coalizão tem resultados desabonadores. O loteamento de ministérios e de estatais é determinante da crise política que atormenta o desempenho da economia. Nem toda indicação ou loteamento de cargos deriva em corrupção, mas é impossível eliminar a baixa produtividade motivada pelo excesso de burocracia ou pelo que os economistas chamam de rent seeking — buscar benefícios para fins privados.
Em 2016, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento estimou em 5% o impacto da corrupção no Produto Interno Bruto mundial. No Brasil, isto representaria mais de R$ 300 bilhões. Como o Brasil não é o país mais corrupto do mundo, esses custos são reduzidos a 1/3, algo como R$ 100 bilhões. Assim, uma das consequências do toma-lá-dá-cá equivaleria, em 10 anos, ao que se economizaria com a reforma da Previdência (R$ 1 trilhão).
Mas há sim outras formas políticas de persuadir e ser persuadido. Até porque o parlamento é um espelho da sociedade, sendo formado também por pessoas de bem, mesmo que sem o altruísmo de Ulisses Guimarães e Petrônio Portela. E temos um bom exemplo. O que de melhor fizemos nos últimos 50 anos, o Plano Real, não precisou de acordos heterodoxos. O convencimento era essencialmente técnico, combinado com vigorosos argumentos políticos.
Na reforma da Previdência, as justificativas econômicas são igualmente sólidas (“gastamos 10 vezes mais com o passado do que com o futuro”, como diz o perspicaz Ministro da Economia), mas não suficientes para aprová-la. Precisa ser aditivada com o loteamento de cargos, fruto do fisiologismo, um dos símbolos do fracasso das nações. No campo político, o debate não pode limitar-se ao que é velho ou novo. O foco deve ser a criação de instituições fortes, que criam um ambiente propício à atração de investimentos.
D. Accemoglu e J. Robinson, no livro que dá título a este artigo, e de onde retirei os episódios descritos no início, mostram que as nações fracassam por não possuírem instituições políticas e econômicas fortes e inclusivas. Mas, no Brasil, parece que não há outro caminho, e, para quem teme os reflexos positivos da reforma, é mais importante o futuro pessoal do presidente do que o destino do país, o que é típico de regimes absolutistas, que não somos, e de instituições frágeis, que insistimos em ser.
A evolução adaptativa pode criar um formato virtuoso do toma-lá-dá-cá? Não é o esperado. Instituições fortes surgem de restrições de condutas que são impostas pela tradição, costumes e tabus, que são formalizadas na Constituição e em leis. Não é tarefa simples, sobretudo quando essas restrições são moldadas por práticas que reproduzem um ciclo vicioso. O ritual e a frequência de mudanças na Constituição são reveladores disso, como detalhado em O Globo de 8 de abril. Esse ímpeto por mudar a Constituição evidencia a insegurança jurídica, marca das nações com instituições frágeis. (Neste mesmo Valor, em novembro de 2015, abordei este tema).
O fim do toma-lá-dá-cá é caminho não trivial para o fortalecimento das instituições, por isso muitos o desprezam. E seus custos não afetam diretamente o caixa do Tesouro, impondo-o um segundo plano. Um novo approach com o Congresso, restringindo as discussões de apoio ao caso-a-caso, combinado com a escolha de indicados por meio de um “banco de talentos”, tende a reduzir os efeitos do toma-lá-dá-cá, mas é uma pulverização de convencimentos que aumentará os custos de transação.
Na prática, a falta de dinamismo para o crescimento econômico é explicada pela crise política que mina a credibilidade das instituições, e isto precisa ser revertido.
O parlamento é um espelho da sociedade, sendo formado também por pessoas de bem, mesmo sem altruísmo
Prezado, gostaria de lhe compartilhar issa crítica do livro Por que as nações fracassam https://moangu.blogspot.com/2018/03/171-why-professors-fail.html (em espanhol). Tem versão em inglês https://en-moangu.blogspot.com/2017/12/5-why-professors-fail.html mas infelizmente ainda não em português): Atte.
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