FOLHA DE SP - 03/06
Notícia sobre Alckmin deu o inexistente como certo
Em nome de um país mais honesto, os brasileiros de bem apoiam firmemente o combate à corrupção. A nação vem sendo passada a limpo e vive um momento importante de sua história, enfrentando uma crise de natureza moral que atinge grande parcela dos homens públicos.
Pois é justamente nesse momento delicado, quando a imprensa confirma o seu protagonismo ao lado do Ministério Público, das polícias e do Judiciário, que a responsabilidade do jornalismo aumenta.
Fatos criados e propalados sem os compromissos próprios do jornalismo podem comprometer ou colocar em risco o processo democrático.
Erros, é claro, ocorrem. Mas erros graves podem punir injustamente, e de maneira irreparável, homens públicos de bem, pessoas honestas que têm, no nome, o seu primeiro e maior patrimônio.
Esta Folha publicou, no dia 20 de maio, reportagem afirmando que o ex-governador Geraldo Alckmin teria recebido dinheiro —R$ 5 milhões— da concessionária de estradas CCR para caixa dois de sua campanha ao Governo do Estado de São Paulo em 2010. Segundo o texto, tal fato constava de uma investigação a cargo do Ministério Público.
A defesa do ex-governador, depois de publicada a reportagem, obteve cópias integrais da tal investigação. Nela simplesmente não consta nenhuma referência, muito menos acusação, sobre Geraldo Alckmin. O fato, noticiado como verdadeiro, não existe. Não havia nem sequer menção indireta ao ex-governador.
Publicada às vésperas da sabatina Folha-UOL-SBT, essa reportagem fez com que, nessa entrevista, Geraldo Alckmin gastasse o tempo precioso destinado à divulgação de propostas apenas para se defender da falsa acusação.
Mais: a falsa notícia foi replicada em outros jornais e repercutiu nas TVs, nos sites de notícia e nas rádios —testemunho da credibilidade que esta Folha habitualmente tem. Uma simples busca no Google mostra a propagação da falsa notícia, assim como a sua inserção nociva no debate eleitoral.
A reportagem deu o inexistente como certo, e a Folha embarcou no erro jornalístico. Alertado, o jornalista buscou hipóteses futuras para justificar seu erro no presente.
Se alguma fonte passou ao jornalista a informação falsa, merece descrédito. Mas, se o jornalista fez a aposta de que o fato virá a existir, inaugurou um novo segmento do jornalismo: o da quiromancia investigativa.
O jornalismo trabalha com o presente e reconstrói o passado. Um fato não existente no processo, diz a ciência jurídica, simplesmente não existe. Não há justiça como aposta de que algo venha a se concretizar. Nem para os que trabalham na edificação de falsas realidades.
O jornalismo não deve e não pode agir sem o emprego da melhor técnica, com açodamento. Quanto mais fidedigna e precisa for a imprensa, mais livre ela será. Pois, sem ela, não existe justiça. Sem justiça, não há liberdade. E, sem liberdade, não existe democracia.
Marcelo Martins de Oliveira
Criminalista, advogado do ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e ex-conselheiro da OAB/SP
domingo, junho 03, 2018
A Petrobras “social” e “política” do senador Eunício Oliveira - MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
Nenhuma empresa estatal de país sério tem tais características
“Presidente de uma empresa como a Petrobras precisa de visão empresarial, sensibilidade social e responsabilidade política. Parente demonstrou apenas a primeira”. Assim falou Eunício Oliveira, presidente do Senado, após a renúncia do presidente da Petrobras, Pedro Parente. Nenhuma empresa estatal de país sério tem tais características.
Empresas estatais são um fenômeno relativamente recente. Elas surgiram basicamente no século XIX em países inspirados na Revolução Industrial da Inglaterra. Como não dispunham das mesmas condições, França, Bélgica, Itália, Japão e outros criaram empresas estatais em áreas como as de bancos e ferrovias. Mais tarde, suprida a falha, praticamente todas as estatais foram privatizadas.
Depois da II Guerra, apareceu um novo argumento: o caráter estratégico. Empresas foram criadas ou estatizadas: bancos, petróleo, aviação, ferrovias, mineração, siderurgia e outras. O argumento era ultrapassado. O Japão entrou no conflito, entre outras razões, para garantir o suprimento de petróleo de ilhas do Pacífico. O significado de “estratégico” mudou para áreas como educação e tecnologia. As empresas foram privatizadas.
No Brasil, como na América Latina, as empresas estatais nasceram desses dois argumentos. Aqui, no entanto, dada a matriz cultural contrária ao lucro privado e à força dos grupos de interesse formados em torno dessas empresas, as estatais se enraizaram no imaginário da sociedade em nível dificilmente encontrável em outras regiões. Segundo o DataFolha, mais de 70% dos brasileiros se opõem à privatização de estatais.
Desenvolveu-se, além disso, a ideia de que as estatais deviam vender bens e serviços abaixo dos custos de produção. Os bancos deveriam cobrar juros camaradas. Ações para controlar preços e forçar a queda dos juros resultaram na quebra e no salvamento dessas empresas pelo Tesouro Nacional, ou seja, pelos contribuintes. Exemplos abundam.
Nos países desenvolvidos, quase não mais existem empresas estatais. No petróleo, há a State Oil da Noruega. É Petrobras deles, mas regida por governança norueguesa. Seus dirigentes são escolhidos por head hunters. Muitos executivos são estrangeiros. A empresa privilegia a gestão responsável, incluindo o lucro, e constitui fonte de receitas para o governo. A State Oil não exerce qualquer função “social” ou política”.
O senador não está sozinho na visão equivocada sobre a Petrobras. Na recente greve dos caminhoneiros, foi grande o apoio à queda artificial do óleo diesel e a outras medidas que prejudicarão a empresa e o Tesouro (perdas de R$ 13,5 bilhões). Para alguns, a Petrobras deveria cobrar apenas os custos de refino, pois obtém o petróleo de graça. Por aí, esse também deveria ser o caso da Vale e das empresas de saneamento que vendem água.
Visões como essas estão na raiz do nosso atraso e no prejuízo monumental que as administrações petistas infligiram à Petrobras. E são as mesmas que levaram ao colapso da PDVSA da Venezuela.
Triste Brasil.
Contra a aventura autoritária - SERGIO FAUSTO
O Estado de S.Paulo - 03/06
O espectro da desordem deixou-se entrever nas últimas semanas. Com a greve dos caminhoneiros cresceu o medo de eventual colapso da ordem pública, sentimento instrumentalizado pelos que clamam por “intervenção militar já”.
Historicamente a direita preferiu a ordem à liberdade, quando julgou aquela ameaçada. Foi assim em 1964. O movimento que pôs fim ao período democrático iniciado em 1945 não foi uma revolução, como querem seus adeptos. Tampouco uma quartelada. Contou com apoio civil relativamente amplo e se assentou num projeto de poder voltado para a modernização conservadora do País.
Hoje parte da direita aposta na candidatura de Jair Bolsonaro. Corre o sério risco, se vitoriosa, de perder a liberdade sem obter a ordem. O ex-capitão é antes parte do problema que da solução para um país que clama pelo restabelecimento da autoridade pública. Representa o autoritarismo em estado primitivo, ao estilo “tiro, porrada e bomba”. É uma criatura pré-política, incapaz de compreender os requisitos mínimos para a estabilidade da ordem pública numa sociedade complexa e desigual como a brasileira.
O Brasil e o mundo de hoje não são os mesmos do início da década de 1960. O poder difundiu-se, descentralizou-se, democratizou-se. Reconcentrá-lo em moldes autoritários, supondo que assim se restabeleceria uma ordem política e moral estável e conservadora, é pesadelo de uma noite de verão. Subir nessa canoa é embarcar numa aventura.
Bolsonaro não é Humberto de Alencar Castelo Branco. A diferença de patente na hierarquia militar não é a única que marca a imensa distância entre o ex-capitão e o falecido marechal.
Castelo Branco era membro da elite miliar que emergiu no pós-guerra. Tinha trânsito e prestígio no establishment americano, na alta oficialidade das Forças Armadas brasileiras e conexões com a elite empresarial e burocrática do País. Bolsonaro é um deputado apagado, com produção legislativa pífia, mais conhecido por sua indisciplina quando militar da ativa e pelo raciocínio raso quando solicitado a falar sobre políticas e propostas de governo. No exterior é visto como uma figura folclórica, na melhor das hipóteses.
Preocupado em inibir o surgimento de caudilhos militares, fonte de instabilidade política na América hispânica, Castelo Branco acabou com a posição de marechal e marechal do ar na hierarquia militar e fixou tempo máximo de 12 anos para permanência no generalato. Bolsonaro quer restabelecer a ordem social entregando armas, até fuzis, à população... Deve ter-se inspirado em Chávez, caudilho militar venezuelano que armou os que, a seu ver, eram os homens e mulheres de bem da Venezuela.
Castelo Branco entronizou uma equipe econômica de alta qualificação técnica: Otávio de Bulhões, Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen. Liberais todos, os dois primeiros com larga trajetória prévia no alto escalão do Estado. Bolsonaro arrumou um economista ultraliberal, craque em formulações abstratas, sem nenhuma experiência de governo. A dupla Campos-Bulhões era parte orgânica do grupo castelista. Paulo Guedes é um enfeite útil à candidatura de Bolsonaro.
O Programa de Ação Econômica do Governo Castelo Branco (Paeg) resultou de longo amadurecimento dentro do núcleo econômico do grupo castelista. Reformas econômicas foram feitas sob o tacão da ditadura.
Bolsonaro já declarou “não entender porra nenhuma de economia”. Quando se pronunciava sobre a matéria, defendeu fuzilar o então presidente Fernando Henrique por privatizar a Vale do Rio Doce. Guedes vê Bolsonaro como instrumento a proporcionar-lhe a realização do sonho juvenil de ser o czar da economia para “privatizar tudo”. Essa bizarra aliança, se bem-sucedida, estouraria como bolha de sabão ao primeiro choque com a realidade política brasileira. Ninguém fará reformas liberais no Brasil “na marra”, felizmente. Ditadura nunca mais.
O restabelecimento da autoridade política no Brasil é fundamental. O Estado democrático depende em última instância de a sociedade aceitar como legítimos os termos de troca entre o que entrega em tributos e o que recebe em serviços, bem como entre o que entrega em obediência às leis e o que recebe em segurança de que seus direitos serão garantidos pelo poder estatal.
É crescente a percepção de que há uma desproporção nesses termos de troca, agravada pela má distribuição social da carga tributária e do gasto público e pelo desequilíbrio na imposição de lei ao cidadão comum e aos “poderosos”. A Lava Jato vem corrigindo esse desequilíbrio, mas com um efeito colateral negativo: a disseminação de visões radicalmente depreciativas sobre o Brasil e sobre a política.
Mexer nos termos da equação de que depende a legitimidade da autoridade pública democrática exigirá muito engenho e arte, pois as condições não são favoráveis. A sociedade odeia a política quando mais dela precisa. Embala quem quer rasgar de vez o desgastado pacto social da redemocratização, que presidiu os últimos 30 anos da vida brasileira, quando mais necessário é quem saiba renová-lo reconhecendo os novos padrões de legitimidade exigidos pelas transformações econômicas, políticas e sociais desse período, no Brasil e no mundo.
É tarefa para várias mãos e várias vozes, mas que requer liderança política. Democrática, nos métodos, nas palavras, nas atitudes, na condução de um processo de reforma cujo âmago diz respeito à equidade do pacto fiscal-tributário, à aplicação igualitária da lei, à eficiência na prestação dos serviços públicos, à honestidade pessoal e à transparência republicana na gestão da coisa pública.
Não é hora de lamentar a falta de “grandes políticos” ou de aderir ao exercício estéril de “falar mal do Brasil”. Não temos outro país para chamar de nosso. Chegou o momento de construir um pacto pela ordem democrática para conter o risco da aventura autoritária.
*SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC, COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP
O espectro da desordem deixou-se entrever nas últimas semanas. Com a greve dos caminhoneiros cresceu o medo de eventual colapso da ordem pública, sentimento instrumentalizado pelos que clamam por “intervenção militar já”.
Historicamente a direita preferiu a ordem à liberdade, quando julgou aquela ameaçada. Foi assim em 1964. O movimento que pôs fim ao período democrático iniciado em 1945 não foi uma revolução, como querem seus adeptos. Tampouco uma quartelada. Contou com apoio civil relativamente amplo e se assentou num projeto de poder voltado para a modernização conservadora do País.
Hoje parte da direita aposta na candidatura de Jair Bolsonaro. Corre o sério risco, se vitoriosa, de perder a liberdade sem obter a ordem. O ex-capitão é antes parte do problema que da solução para um país que clama pelo restabelecimento da autoridade pública. Representa o autoritarismo em estado primitivo, ao estilo “tiro, porrada e bomba”. É uma criatura pré-política, incapaz de compreender os requisitos mínimos para a estabilidade da ordem pública numa sociedade complexa e desigual como a brasileira.
O Brasil e o mundo de hoje não são os mesmos do início da década de 1960. O poder difundiu-se, descentralizou-se, democratizou-se. Reconcentrá-lo em moldes autoritários, supondo que assim se restabeleceria uma ordem política e moral estável e conservadora, é pesadelo de uma noite de verão. Subir nessa canoa é embarcar numa aventura.
Bolsonaro não é Humberto de Alencar Castelo Branco. A diferença de patente na hierarquia militar não é a única que marca a imensa distância entre o ex-capitão e o falecido marechal.
Castelo Branco era membro da elite miliar que emergiu no pós-guerra. Tinha trânsito e prestígio no establishment americano, na alta oficialidade das Forças Armadas brasileiras e conexões com a elite empresarial e burocrática do País. Bolsonaro é um deputado apagado, com produção legislativa pífia, mais conhecido por sua indisciplina quando militar da ativa e pelo raciocínio raso quando solicitado a falar sobre políticas e propostas de governo. No exterior é visto como uma figura folclórica, na melhor das hipóteses.
Preocupado em inibir o surgimento de caudilhos militares, fonte de instabilidade política na América hispânica, Castelo Branco acabou com a posição de marechal e marechal do ar na hierarquia militar e fixou tempo máximo de 12 anos para permanência no generalato. Bolsonaro quer restabelecer a ordem social entregando armas, até fuzis, à população... Deve ter-se inspirado em Chávez, caudilho militar venezuelano que armou os que, a seu ver, eram os homens e mulheres de bem da Venezuela.
Castelo Branco entronizou uma equipe econômica de alta qualificação técnica: Otávio de Bulhões, Roberto Campos, Mario Henrique Simonsen. Liberais todos, os dois primeiros com larga trajetória prévia no alto escalão do Estado. Bolsonaro arrumou um economista ultraliberal, craque em formulações abstratas, sem nenhuma experiência de governo. A dupla Campos-Bulhões era parte orgânica do grupo castelista. Paulo Guedes é um enfeite útil à candidatura de Bolsonaro.
O Programa de Ação Econômica do Governo Castelo Branco (Paeg) resultou de longo amadurecimento dentro do núcleo econômico do grupo castelista. Reformas econômicas foram feitas sob o tacão da ditadura.
Bolsonaro já declarou “não entender porra nenhuma de economia”. Quando se pronunciava sobre a matéria, defendeu fuzilar o então presidente Fernando Henrique por privatizar a Vale do Rio Doce. Guedes vê Bolsonaro como instrumento a proporcionar-lhe a realização do sonho juvenil de ser o czar da economia para “privatizar tudo”. Essa bizarra aliança, se bem-sucedida, estouraria como bolha de sabão ao primeiro choque com a realidade política brasileira. Ninguém fará reformas liberais no Brasil “na marra”, felizmente. Ditadura nunca mais.
O restabelecimento da autoridade política no Brasil é fundamental. O Estado democrático depende em última instância de a sociedade aceitar como legítimos os termos de troca entre o que entrega em tributos e o que recebe em serviços, bem como entre o que entrega em obediência às leis e o que recebe em segurança de que seus direitos serão garantidos pelo poder estatal.
É crescente a percepção de que há uma desproporção nesses termos de troca, agravada pela má distribuição social da carga tributária e do gasto público e pelo desequilíbrio na imposição de lei ao cidadão comum e aos “poderosos”. A Lava Jato vem corrigindo esse desequilíbrio, mas com um efeito colateral negativo: a disseminação de visões radicalmente depreciativas sobre o Brasil e sobre a política.
Mexer nos termos da equação de que depende a legitimidade da autoridade pública democrática exigirá muito engenho e arte, pois as condições não são favoráveis. A sociedade odeia a política quando mais dela precisa. Embala quem quer rasgar de vez o desgastado pacto social da redemocratização, que presidiu os últimos 30 anos da vida brasileira, quando mais necessário é quem saiba renová-lo reconhecendo os novos padrões de legitimidade exigidos pelas transformações econômicas, políticas e sociais desse período, no Brasil e no mundo.
É tarefa para várias mãos e várias vozes, mas que requer liderança política. Democrática, nos métodos, nas palavras, nas atitudes, na condução de um processo de reforma cujo âmago diz respeito à equidade do pacto fiscal-tributário, à aplicação igualitária da lei, à eficiência na prestação dos serviços públicos, à honestidade pessoal e à transparência republicana na gestão da coisa pública.
Não é hora de lamentar a falta de “grandes políticos” ou de aderir ao exercício estéril de “falar mal do Brasil”. Não temos outro país para chamar de nosso. Chegou o momento de construir um pacto pela ordem democrática para conter o risco da aventura autoritária.
*SUPERINTENDENTE EXECUTIVO DA FUNDAÇÃO FHC, COLABORADOR DO LATIN AMERICAN PROGRAM DO BAKER INSTITUTE OF PUBLIC POLICY DA RICE UNIVERSITY, É MEMBRO DO GACINT-USP
Intervenção já - ROBERTO POMPEU DE TOLEDO
REVISTA VEJA edição nº 2585
O colunista, num esforço de comunicação telepática, teve acesso à mente desse novo espécime da rica diversidade nacional que é o intervencionista de estrada — aquele que pede intervenção militar do alto da boleia do caminhão ou no aglomerado dos acostamentos. O resultado:
“Podem chamar de golpe, mas que a vida era melhor naquela época, era. Criticam que havia censura às notícias. Pois hoje não há, e de que servem tantas notícias? Que faz essa balbúrdia de jornais, TVs, internet, Facebook senão confundir? A informação é um direito da cidadania, alegam os demagogos. Nosso povo reclama é por uma orientação construtiva, vinda do alto, da parte de gente responsável, e nesse sentido a censura só traz benefício. Em novembro de 1971 o governador do Paraná foi forçado a renunciar, depois de apenas oito meses no cargo. Nenhum jornal explicou por quê. A revista VEJA, em capa sob o título ‘A queda do governador Haroldo Leon Peres e seus ensinamentos’, ousou noticiar que ‘o governador teria exigido de Cecílio Rêgo Almeida, o mais poderoso empreiteiro do Paraná, um depósito de 1 milhão de dólares no exterior para liberar o pagamento de 60 milhões de cruzeiros devidos pela construção da Estrada de Ferro Central do Paraná’. Foi punida com a apreensão de seus exemplares nas bancas. O que lucraria o povo em saber que governantes nomeados pelo regime possuíam suas fraquezas?
Em 1974 ocorreu um surto de meningite no país, e a imprensa, de novo por mais do que justificadas razões, foi proibida de usar a palavra surto. Claro, um ou outro pode ter tido sua saúde comprometida, ou mesmo morrido por falta de alerta, mas esses são danos colaterais inevitáveis. Importante foi não alarmar a população com notícia tão desagradável. O povo precisa de mão forte e atenta, para conduzi-lo num rumo que, deixado a si mesmo, não alcançaria trilhar. Por essa razão, naquela época era poupado de eleger os governantes. Os militares se incumbiam disso. Em São Paulo a escolha para prefeito recaiu sobre o doutor Paulo (Paulo Maluf, para os menos próximos). A Bahia foi entregue aos cuidados de Antonio Carlos Magalhães e o Maranhão aos de José Sarney. Grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica, puderam ser levadas a bom termo graças à proibição de que a imprensa metesse o bedelho e, em sua infinita arrogância, exigisse contas e cumprimento de prazos.
Em 1968 o brigadeiro Burnier, segundo denúncia depois apresentada pelo capitão Sérgio Miranda de Carvalho, seu subordinado, elaborou o plano de bombardear o gasômetro da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo uma bomba seria jogada na embaixada americana e outra no Citibank, e a culpa lançada nos comunistas. Até hoje se fala nesse episódio, em que, na confusão, seriam mortos comunistas e políticos incômodos como Carlos Lacerda. Por que tanto barulho, se nada disso aconteceu? E, se tivesse acontecido, não poderia ter o efeito de livrar o regime do entulho humano que lhe obstruía o caminho? Há momentos, e aquele fatídico ano de 1968 foi um deles, que exigem um pouco de energia.
Em 1981 dá-se o episódio do Riocentro. Até hoje acredito que o sargento morto e o capitão ferido eram dois moços altruístas que preferiram estourar a bomba no próprio carro a deixá-la provocar um massacre em meio à multidão. Um historiador do período chama de ‘anarquia militar’ a situação em que generais e coronéis agiam da própria cabeça, algumas vezes em desafio uns aos outros. Prefiro chamá-la de ‘democracia militar’, a democracia justa, praticada entre si pelos honestos e responsáveis, não a democracia de hoje, em que o poder se desmancha na rua, ao arbítrio da ralé.
Em 1968 houve greve em Osasco, resolvida pela oportuna ação de um batalhão da Polícia Militar. Seu líder, um tal Zequinha, foi preso e torturado com espancamento, choques elétricos e sabão em pó nos olhos. Sim, nesse caso reconheço que, excepcionalmente, houve tortura, e não se diga que mal aplicada: Zequinha viria a morrer como terrorista, ao lado do famigerado capitão Lamarca. Nós também, neste maio de 2018, cinquentenário do providencial Ato Institucional nº 5 (que naquele tempo o doutor Paulo quis ver incorporado à Constituição), fizemos uma greve, mas uma greve redentora, para acabar com todas as greves. Nossa ação (e refiro-me não ao conjunto dos caminhoneiros, mas a nós, os intervencionistas) teve por objetivo plantar a semente de um futuro de paz e união, sob a proteção de senhores patriotas, honestos, capazes e devotados à causa comum”.
O colunista, num esforço de comunicação telepática, teve acesso à mente desse novo espécime da rica diversidade nacional que é o intervencionista de estrada — aquele que pede intervenção militar do alto da boleia do caminhão ou no aglomerado dos acostamentos. O resultado:
“Podem chamar de golpe, mas que a vida era melhor naquela época, era. Criticam que havia censura às notícias. Pois hoje não há, e de que servem tantas notícias? Que faz essa balbúrdia de jornais, TVs, internet, Facebook senão confundir? A informação é um direito da cidadania, alegam os demagogos. Nosso povo reclama é por uma orientação construtiva, vinda do alto, da parte de gente responsável, e nesse sentido a censura só traz benefício. Em novembro de 1971 o governador do Paraná foi forçado a renunciar, depois de apenas oito meses no cargo. Nenhum jornal explicou por quê. A revista VEJA, em capa sob o título ‘A queda do governador Haroldo Leon Peres e seus ensinamentos’, ousou noticiar que ‘o governador teria exigido de Cecílio Rêgo Almeida, o mais poderoso empreiteiro do Paraná, um depósito de 1 milhão de dólares no exterior para liberar o pagamento de 60 milhões de cruzeiros devidos pela construção da Estrada de Ferro Central do Paraná’. Foi punida com a apreensão de seus exemplares nas bancas. O que lucraria o povo em saber que governantes nomeados pelo regime possuíam suas fraquezas?
Em 1974 ocorreu um surto de meningite no país, e a imprensa, de novo por mais do que justificadas razões, foi proibida de usar a palavra surto. Claro, um ou outro pode ter tido sua saúde comprometida, ou mesmo morrido por falta de alerta, mas esses são danos colaterais inevitáveis. Importante foi não alarmar a população com notícia tão desagradável. O povo precisa de mão forte e atenta, para conduzi-lo num rumo que, deixado a si mesmo, não alcançaria trilhar. Por essa razão, naquela época era poupado de eleger os governantes. Os militares se incumbiam disso. Em São Paulo a escolha para prefeito recaiu sobre o doutor Paulo (Paulo Maluf, para os menos próximos). A Bahia foi entregue aos cuidados de Antonio Carlos Magalhães e o Maranhão aos de José Sarney. Grandes obras, como a Ponte Rio-Niterói e a Transamazônica, puderam ser levadas a bom termo graças à proibição de que a imprensa metesse o bedelho e, em sua infinita arrogância, exigisse contas e cumprimento de prazos.
Em 1968 o brigadeiro Burnier, segundo denúncia depois apresentada pelo capitão Sérgio Miranda de Carvalho, seu subordinado, elaborou o plano de bombardear o gasômetro da Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo uma bomba seria jogada na embaixada americana e outra no Citibank, e a culpa lançada nos comunistas. Até hoje se fala nesse episódio, em que, na confusão, seriam mortos comunistas e políticos incômodos como Carlos Lacerda. Por que tanto barulho, se nada disso aconteceu? E, se tivesse acontecido, não poderia ter o efeito de livrar o regime do entulho humano que lhe obstruía o caminho? Há momentos, e aquele fatídico ano de 1968 foi um deles, que exigem um pouco de energia.
Em 1981 dá-se o episódio do Riocentro. Até hoje acredito que o sargento morto e o capitão ferido eram dois moços altruístas que preferiram estourar a bomba no próprio carro a deixá-la provocar um massacre em meio à multidão. Um historiador do período chama de ‘anarquia militar’ a situação em que generais e coronéis agiam da própria cabeça, algumas vezes em desafio uns aos outros. Prefiro chamá-la de ‘democracia militar’, a democracia justa, praticada entre si pelos honestos e responsáveis, não a democracia de hoje, em que o poder se desmancha na rua, ao arbítrio da ralé.
Em 1968 houve greve em Osasco, resolvida pela oportuna ação de um batalhão da Polícia Militar. Seu líder, um tal Zequinha, foi preso e torturado com espancamento, choques elétricos e sabão em pó nos olhos. Sim, nesse caso reconheço que, excepcionalmente, houve tortura, e não se diga que mal aplicada: Zequinha viria a morrer como terrorista, ao lado do famigerado capitão Lamarca. Nós também, neste maio de 2018, cinquentenário do providencial Ato Institucional nº 5 (que naquele tempo o doutor Paulo quis ver incorporado à Constituição), fizemos uma greve, mas uma greve redentora, para acabar com todas as greves. Nossa ação (e refiro-me não ao conjunto dos caminhoneiros, mas a nós, os intervencionistas) teve por objetivo plantar a semente de um futuro de paz e união, sob a proteção de senhores patriotas, honestos, capazes e devotados à causa comum”.
Arminio Fraga: ‘a ideia de tabelar preço é totalmente fracassada’
O GLOBO - 03/06
Ex-presidente do BC acredita que país continua sendo vítima fácil para o populismo
POR CÁSSIA ALMEIDA
RIO - Ao GLOBO, o economista e sócio da Gávea Investimentos disse que reajustes de combustíveis com periodicidade mais espaçada não seriam um problema — hoje, a Petrobras pratica reajustes até diários, e política foi estopim para greve de caminhoneiros. Leia abaixo os destaques da entrevista.
Como o sr. analisa essa crise?
A opção histórica pelo transporte rodoviário não foi a ideal. A concentração nesse tipo de transporte claramente foi excessiva. Faltou todo o lado ferroviário. Mais recentemente, houve o programa de subsidiar compra de caminhões e, como todo subsídio, tende a desequilibrar a economia. O quadro foi agravado pela recessão que o país viveu e, sob certa maneira, ainda vive. Então, teve uma tesoura com duas lâminas: o lado da oferta, que confirmou uma opção que até já se sabia que não era a ideal, por uma concentração maciça no transporte rodoviário, e depois uma série de equívocos de política econômica que levaram a essa depressão que o país vive hoje.
A resposta do governo foi adequada?
Num primeiro momento teve um impacto muito grande nas ações da Petrobras, colocando em risco o magnífico trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Pedro Parente e sua equipe (a entrevista foi dada antes da renúncia do presidente da Petrobras), o que considero uma grande pena. É um choque clássico de oferta e isso pegou um governo fragilizado. É uma combinação: problemas antigos, problemas novos e o impacto em alguns setores do aumento do preço do petróleo. Regionalmente foi bom, Norte do Estado do Rio, Espírito Santo, toda a cadeia do setor de petróleo se beneficia; outros setores, não. E aí os perdedores, que são em maior número, se mobilizaram.
Quais os efeitos?
Do lado econômico, está acontecendo num momento muito delicado. O governo vem trabalhando com o cobertor muito curto, o que agrava a situação. O governo optou por postergar o ajuste, tomando medidas de longo prazo, mas acabou que a mais importante não aconteceu: a reforma completa da Previdência. O teto de gastos ficou fragilizado, com a falta da reforma da Previdência. É um estado muito precário das finanças do país em geral, governo federal e vários entes da federação. E essa é uma das muitas questões que deveria fazer parte do debate presidencial. Vamos ver se isso acontece de forma clara que sinalize a eventual construção de um consenso. Minha visão não é otimista, mas alguma esperança eu ainda tenho.
Quais os reflexos para a economia subsidiar o diesel?
No mundo inteiro o que se faz é o oposto. Uma visão de sustentabilidade ambiental recomendaria fortemente não subsidiar. O que está acontecendo é um desequilíbrio num mercado que foi estimulado pelo próprio governo. A ideia de tabelar preço tem um histórico muito longo no nosso país e é uma ideia totalmente fracassada. Eu não acredito em controle de preços, tampouco em subsídios. Pode acontecer alguma forma de suavizar o aumento (dos combustíveis), que eu acho que é para onde parece caminhar. Seria um aperfeiçoamento razoável que poderia ter acontecido, inclusive, sem greve. Suavizar em tese não traz custo fiscal. Não vejo como isso pode ser feito através de impostos com grande impacto. Uma média móvel trimestral ajudaria.
Para que os reajustes não sejam diários?
Sim. Agora, subsídio a essa altura do jogo eu tenho sérias dúvidas. Na minha leitura, o país está quebrado, não tem como pensar em subsídio.
Os reajustes no diesel poderiam funcionar como o do gás de cozinha, trimestralmente?
Ajustes mais espaçados, algo assim. Sair do modelo de reajuste frequente não seria um problema maior.
Apesar de ter sido prejudicada, houve apoio da população à greve.
Há um mal-estar, uma descrença no futuro, na política, e todo mundo quer mais. É natural que assim seja, e o nosso sistema não está em condições de processar isso, desde o colapso fiscal de 2014, que foi agravado pelo colapso econômico que também teve origem por ali. É natural, mas não é desejável. A maior parte das pessoas quer expressar seu descontentamento de alguma maneira. É um sinal dos tempos e um sinal também que nós continuamos vítimas fáceis do populismo, para o imediatismo, para o atalho, para o gatilho, para política do “meu primeiro”. Eu espero que tudo isso se resolva de uma maneira mais racional.
Pode fortalecer o discurso populista?
É um terreno fértil para que ideias que parecem ousadas e superficialmente boas prosperem. A nossa história está lotada disso e a dos nossos vizinhos, também. Há inúmeros casos de populismo triunfando e depois se esborrachando.
O governo anunciou cortes em subsídio para exportadores e indústria química para compensar o diesel...
Não precisa nem listar, eu não acredito em nada disso. É a mesma lenga-lenga de sempre, o mesmo Brasil, cada um tentando fazer lobby para defender o seu quinhão, a sua capitania, isso não dá em nada. O Brasil precisa ter uma estrutura tributária simples, onde essas pessoas, em vez de ficarem fazendo lobby, cuidem de seus negócios e procurem se proteger dos riscos de mercado. Esse modelo do barbante, do band-aid, isso aí esquece. Dá um alívio durante alguns dias, mas não é solução para nada. Tem que fazer uma reforma tributária para valer, simplificar as coisas. Essa agenda que já está conosco há um quarto de século.
Que sinal o governo dá ao cortar programas sociais para subsidiar o diesel?
Está faltando espaço para tudo que gostaríamos. Hoje temos um orçamento amarrado, que precisa de um ajuste. O grau do desequilíbrio é tal que, ou as coisas se ajustam ou vão piorar. Assim que houver um governo novo, tem de desvincular o orçamento todo e repensar tudo. E não há muito espaço. Uma parte do que é vinculado está dentro da previdência e folha de pagamento. É uma discussão bem difícil, mas que precisa ser feita depois de eleito um novo governo. Se a opção for para um caminho populista, aí tudo bem. Opção meio suicida, mas não vai ser a primeira vez que faremos isso.
Quais consequências?
Num momento em que o PIB per capita caiu 10%, isso é incrivelmente ruim, a economia está desorganizada, o investimento está parado, e o país precisa, para sair desse círculo vicioso, arrumar a casa, não só no lado macro, do lado micro também. Essa outra agenda de um modelo pesadamente intervencionista, fechado, sem foco em produtividade, na construção de estado mais eficiente e transparente, se for por aí, a receita é bem conhecida. A gente vê algumas sinalizações já nesse início de debate que, se arranhar um pouco a superfície, sugerem que esse risco não desapareceu.
POR CÁSSIA ALMEIDA
RIO - Ao GLOBO, o economista e sócio da Gávea Investimentos disse que reajustes de combustíveis com periodicidade mais espaçada não seriam um problema — hoje, a Petrobras pratica reajustes até diários, e política foi estopim para greve de caminhoneiros. Leia abaixo os destaques da entrevista.
Como o sr. analisa essa crise?
A opção histórica pelo transporte rodoviário não foi a ideal. A concentração nesse tipo de transporte claramente foi excessiva. Faltou todo o lado ferroviário. Mais recentemente, houve o programa de subsidiar compra de caminhões e, como todo subsídio, tende a desequilibrar a economia. O quadro foi agravado pela recessão que o país viveu e, sob certa maneira, ainda vive. Então, teve uma tesoura com duas lâminas: o lado da oferta, que confirmou uma opção que até já se sabia que não era a ideal, por uma concentração maciça no transporte rodoviário, e depois uma série de equívocos de política econômica que levaram a essa depressão que o país vive hoje.
A resposta do governo foi adequada?
Num primeiro momento teve um impacto muito grande nas ações da Petrobras, colocando em risco o magnífico trabalho que vem sendo desenvolvido pelo Pedro Parente e sua equipe (a entrevista foi dada antes da renúncia do presidente da Petrobras), o que considero uma grande pena. É um choque clássico de oferta e isso pegou um governo fragilizado. É uma combinação: problemas antigos, problemas novos e o impacto em alguns setores do aumento do preço do petróleo. Regionalmente foi bom, Norte do Estado do Rio, Espírito Santo, toda a cadeia do setor de petróleo se beneficia; outros setores, não. E aí os perdedores, que são em maior número, se mobilizaram.
Quais os efeitos?
Do lado econômico, está acontecendo num momento muito delicado. O governo vem trabalhando com o cobertor muito curto, o que agrava a situação. O governo optou por postergar o ajuste, tomando medidas de longo prazo, mas acabou que a mais importante não aconteceu: a reforma completa da Previdência. O teto de gastos ficou fragilizado, com a falta da reforma da Previdência. É um estado muito precário das finanças do país em geral, governo federal e vários entes da federação. E essa é uma das muitas questões que deveria fazer parte do debate presidencial. Vamos ver se isso acontece de forma clara que sinalize a eventual construção de um consenso. Minha visão não é otimista, mas alguma esperança eu ainda tenho.
Quais os reflexos para a economia subsidiar o diesel?
No mundo inteiro o que se faz é o oposto. Uma visão de sustentabilidade ambiental recomendaria fortemente não subsidiar. O que está acontecendo é um desequilíbrio num mercado que foi estimulado pelo próprio governo. A ideia de tabelar preço tem um histórico muito longo no nosso país e é uma ideia totalmente fracassada. Eu não acredito em controle de preços, tampouco em subsídios. Pode acontecer alguma forma de suavizar o aumento (dos combustíveis), que eu acho que é para onde parece caminhar. Seria um aperfeiçoamento razoável que poderia ter acontecido, inclusive, sem greve. Suavizar em tese não traz custo fiscal. Não vejo como isso pode ser feito através de impostos com grande impacto. Uma média móvel trimestral ajudaria.
Para que os reajustes não sejam diários?
Sim. Agora, subsídio a essa altura do jogo eu tenho sérias dúvidas. Na minha leitura, o país está quebrado, não tem como pensar em subsídio.
Os reajustes no diesel poderiam funcionar como o do gás de cozinha, trimestralmente?
Ajustes mais espaçados, algo assim. Sair do modelo de reajuste frequente não seria um problema maior.
Apesar de ter sido prejudicada, houve apoio da população à greve.
Há um mal-estar, uma descrença no futuro, na política, e todo mundo quer mais. É natural que assim seja, e o nosso sistema não está em condições de processar isso, desde o colapso fiscal de 2014, que foi agravado pelo colapso econômico que também teve origem por ali. É natural, mas não é desejável. A maior parte das pessoas quer expressar seu descontentamento de alguma maneira. É um sinal dos tempos e um sinal também que nós continuamos vítimas fáceis do populismo, para o imediatismo, para o atalho, para o gatilho, para política do “meu primeiro”. Eu espero que tudo isso se resolva de uma maneira mais racional.
Pode fortalecer o discurso populista?
É um terreno fértil para que ideias que parecem ousadas e superficialmente boas prosperem. A nossa história está lotada disso e a dos nossos vizinhos, também. Há inúmeros casos de populismo triunfando e depois se esborrachando.
O governo anunciou cortes em subsídio para exportadores e indústria química para compensar o diesel...
Não precisa nem listar, eu não acredito em nada disso. É a mesma lenga-lenga de sempre, o mesmo Brasil, cada um tentando fazer lobby para defender o seu quinhão, a sua capitania, isso não dá em nada. O Brasil precisa ter uma estrutura tributária simples, onde essas pessoas, em vez de ficarem fazendo lobby, cuidem de seus negócios e procurem se proteger dos riscos de mercado. Esse modelo do barbante, do band-aid, isso aí esquece. Dá um alívio durante alguns dias, mas não é solução para nada. Tem que fazer uma reforma tributária para valer, simplificar as coisas. Essa agenda que já está conosco há um quarto de século.
Que sinal o governo dá ao cortar programas sociais para subsidiar o diesel?
Está faltando espaço para tudo que gostaríamos. Hoje temos um orçamento amarrado, que precisa de um ajuste. O grau do desequilíbrio é tal que, ou as coisas se ajustam ou vão piorar. Assim que houver um governo novo, tem de desvincular o orçamento todo e repensar tudo. E não há muito espaço. Uma parte do que é vinculado está dentro da previdência e folha de pagamento. É uma discussão bem difícil, mas que precisa ser feita depois de eleito um novo governo. Se a opção for para um caminho populista, aí tudo bem. Opção meio suicida, mas não vai ser a primeira vez que faremos isso.
Quais consequências?
Num momento em que o PIB per capita caiu 10%, isso é incrivelmente ruim, a economia está desorganizada, o investimento está parado, e o país precisa, para sair desse círculo vicioso, arrumar a casa, não só no lado macro, do lado micro também. Essa outra agenda de um modelo pesadamente intervencionista, fechado, sem foco em produtividade, na construção de estado mais eficiente e transparente, se for por aí, a receita é bem conhecida. A gente vê algumas sinalizações já nesse início de debate que, se arranhar um pouco a superfície, sugerem que esse risco não desapareceu.
Dilma, Temer, Parente, os entreguistas - VINICIUS TORRES FREIRE
FOLHA DE SP - 03/06
País já importou mais gasolina e pagou mais pelo diesel, mas tudo isso é conversa fiada
O Brasil de Dilma Rousseff chegou a importar mais gasolina do que o país de Pedro Parente, acusado de entregar o mercado de combustíveis para importações estrangeiras.
O diesel já esteve mais caro em momentos de governos petistas, se considerada a inflação.
Estas comparações simples, porém, são um equívoco rudimentar. Servem à picuinha partidária, não ao debate do que fazer da Petrobras, no interesse público.
Houve júbilo com a queda de Parente. Para a euforia esquerdóide ou populista de direita, teria sido a primeira vitória de um levante popular contra a “Petrobras que serve ao mercado, não ao interesse popular e nacional”, “ensaio geral” de algo maior.
Importar diesel e gasolina é entregar o mercado nacional para estrangeiros e cobrar preço de mercado é espoliar o povo no interesse de acionistas privados, diz a lenda do levante popular. Isso não faz sentido, ainda menos para defensores da estatal e de sua contribuição para o crescimento do país.
Em meados de Dilma 1, 2012-13, o país importava tanta ou mais gasolina que na gestão Parente. As importações líquidas de diesel, é verdade, jamais foram tão altas neste século (23% do total consumido nos últimos 12 meses, ante picos de 18% sob Dilma).
O valor da importação de combustíveis em geral está na casa de 8% do total de exportações (estiveram acima de 10% entre 2004 e 2016). Entreguismo?
Antes ou agora, por que importar derivados? Por insuficiência de produção, porque refinar menos e vender mais a certo preço é mais rentável para a companhia: “x” motivos.
O problema de fundo dos mitos do levante popular é ignorar as consequências do que propõem e situações alternativas.
O que acontece se a empresa cobra menos? Tudo mais constante, cai sua capacidade de investir em exploração de petróleo, de pagar sua dívida e de entregar impostos para o governo, seu maior acionista.
Também por causa da dívida, que explodiu entre 2011 e 2014, o crédito ficou mais caro para a Petrobras, o que contribuiu para sua ruína, como ficou claro em momentos críticos desse descrédito, em 2014 e 2015. No mito do levante popular, é possível se endividar sem limite, a juros baixos.
A Petrobras fabrica 97% da gasolina e 99% do diesel no país, um monopólio, dizem, sem mais. Mas que empresa privada investirá em refinarias se tiver de vender derivados a preços inferiores aos de mercado?
Sim, no último ano a gasolina nas bombas subiu 18% e o diesel 12,5%, ante inflação de 2,7% (na crise, o deus mercado impede repasses maiores da carestia dos combustíveis). O preço doméstico foi inferior ao do mercado mundial entre 2009 e 2014; superior de 2015 a fins de 2017, quando a concorrência de importados limitou tal política.
Preços contidos por tabela não cumprem seu papel. Petróleo caro é um sinal para que se procurem alternativas: biocombustíveis, eletricidade, equipamentos eficientes, como ocorreu nos choques do
petróleo dos anos 1970 e 2010.
O Brasil tem alternativa parcial a derivados de petróleo, como o etanol, produto de uma cadeia que engrena agricultura, indústria, ciência e engenharia. Os preços tabelados da gasolina em 2010-14
muito contribuíram para arruinar esse negócio.
Mas o levante popular quer subsidiar o uso de carros privados e de poluentes, favorecendo de resto mais ricos, abortando empreendimentos nacionais de energia nova ou mais limpa.
Isso não vai prestar.
País já importou mais gasolina e pagou mais pelo diesel, mas tudo isso é conversa fiada
O Brasil de Dilma Rousseff chegou a importar mais gasolina do que o país de Pedro Parente, acusado de entregar o mercado de combustíveis para importações estrangeiras.
O diesel já esteve mais caro em momentos de governos petistas, se considerada a inflação.
Estas comparações simples, porém, são um equívoco rudimentar. Servem à picuinha partidária, não ao debate do que fazer da Petrobras, no interesse público.
Houve júbilo com a queda de Parente. Para a euforia esquerdóide ou populista de direita, teria sido a primeira vitória de um levante popular contra a “Petrobras que serve ao mercado, não ao interesse popular e nacional”, “ensaio geral” de algo maior.
Importar diesel e gasolina é entregar o mercado nacional para estrangeiros e cobrar preço de mercado é espoliar o povo no interesse de acionistas privados, diz a lenda do levante popular. Isso não faz sentido, ainda menos para defensores da estatal e de sua contribuição para o crescimento do país.
Em meados de Dilma 1, 2012-13, o país importava tanta ou mais gasolina que na gestão Parente. As importações líquidas de diesel, é verdade, jamais foram tão altas neste século (23% do total consumido nos últimos 12 meses, ante picos de 18% sob Dilma).
O valor da importação de combustíveis em geral está na casa de 8% do total de exportações (estiveram acima de 10% entre 2004 e 2016). Entreguismo?
Antes ou agora, por que importar derivados? Por insuficiência de produção, porque refinar menos e vender mais a certo preço é mais rentável para a companhia: “x” motivos.
O problema de fundo dos mitos do levante popular é ignorar as consequências do que propõem e situações alternativas.
O que acontece se a empresa cobra menos? Tudo mais constante, cai sua capacidade de investir em exploração de petróleo, de pagar sua dívida e de entregar impostos para o governo, seu maior acionista.
Também por causa da dívida, que explodiu entre 2011 e 2014, o crédito ficou mais caro para a Petrobras, o que contribuiu para sua ruína, como ficou claro em momentos críticos desse descrédito, em 2014 e 2015. No mito do levante popular, é possível se endividar sem limite, a juros baixos.
A Petrobras fabrica 97% da gasolina e 99% do diesel no país, um monopólio, dizem, sem mais. Mas que empresa privada investirá em refinarias se tiver de vender derivados a preços inferiores aos de mercado?
Sim, no último ano a gasolina nas bombas subiu 18% e o diesel 12,5%, ante inflação de 2,7% (na crise, o deus mercado impede repasses maiores da carestia dos combustíveis). O preço doméstico foi inferior ao do mercado mundial entre 2009 e 2014; superior de 2015 a fins de 2017, quando a concorrência de importados limitou tal política.
Preços contidos por tabela não cumprem seu papel. Petróleo caro é um sinal para que se procurem alternativas: biocombustíveis, eletricidade, equipamentos eficientes, como ocorreu nos choques do
petróleo dos anos 1970 e 2010.
O Brasil tem alternativa parcial a derivados de petróleo, como o etanol, produto de uma cadeia que engrena agricultura, indústria, ciência e engenharia. Os preços tabelados da gasolina em 2010-14
muito contribuíram para arruinar esse negócio.
Mas o levante popular quer subsidiar o uso de carros privados e de poluentes, favorecendo de resto mais ricos, abortando empreendimentos nacionais de energia nova ou mais limpa.
Isso não vai prestar.
Decifra-me ou te devoro - FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
O Estado de S.Paulo - 03/06
A semana que acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando a quem não percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito tempo. As incongruências da política econômica dos governos de Lula e Dilma, em sua fase final, já haviam levado a economia à paralisação e o sistema político a deixar de processar decisões. Daí o impeachment do último governo, ainda que baseado em arranhões de normas constitucionais.
Todo impeachment é traumático. Fui ministro de um governo que resultou de um impeachment, o do presidente Itamar Franco. Este, com sabedoria, percebeu logo que precisaria de um Ministério representativo do conjunto das forças políticas. Como o PT, que apoiara o impeachment do presidente Collor, se recusava a assumir responsabilidades de governo (com olho eleitoral), Itamar conseguiu a aceitação de uma pasta por Luiza Erundina, então no PT. Mesmo eu, eleito presidente por maioria absoluta no primeiro turno sem precisar buscar o apoio do PT, tive como um de meus ministros um ex-secretário-geral do PT.
De lá para cá os tempos mudaram. A possibilidade de algum tipo de convivência democrática, facilitada pela estabilização econômica graças ao Plano Real, que tornou a população menos antigoverno quando viu em marcha uma política econômica que beneficiaria a todos, foi substituída por um estilo de política baseado no “nós”, os supostamente bons, e “eles”, os maus. Isso somado ao descalabro das contas públicas herdado pelo governo atual, mais o desemprego facilitado pela desordem financeira governamental, levou a uma exacerbação das demandas e à desmoralização dos partidos. A Lava Jato, ao desnudar as bases apodrecidas do financiamento partidário pelo uso da máquina estatal em conivência com empresas para extrair dinheiro público em obras sobrefaturadas (além do enriquecimento pessoal), desconectou a sociedade das instituições políticas e desnudou a degenerescência em que o País vivia.
A dita “greve” dos caminhoneiros veio servir uma vez mais para ignição de algo que estava já com gasolina derramada: produziu um contágio com a sociedade, que, sem saber bem das causas e da razoabilidade ou não do protesto, aderiu, caladamente, à paralisação ocorrida. Só quando seus efeitos no abastecimento de combustíveis e de bens essenciais ao consumo e mesmo à vida, no caso dos hospitais, se tornaram patentes houve a aceitação, também tácita, da necessidade de uma ação mais enérgica para retomar a normalidade.
Mas que ninguém se engane: é uma normalidade aparente. As causas da insatisfação continuam, tanto as econômicas como as políticas, que levam na melhor das hipóteses à abstenção eleitoral e ao repúdio de “tudo o que aí está”. Portanto, o governo e as elites políticas, de esquerda, do centro ou da direita, que se cuidem, a crise é profunda. Assim como o governo Itamar buscou sinais de coesão política e deu resposta aos desafios econômicos do período, urge agora algo semelhante.
Dificilmente o governo atual, dada a sua origem e o encrespamento político havido, conseguirá pouco mais do que colocar esparadrapos nas feridas. Nada de significativo será alcançado sem que uma liderança embasada no voto e crente na democracia seja capaz de dar resposta aos atuais desafios econômicos e morais. Não há milagres, o sistema democrático-representativo não se baseia na “união política”, senão que na divergência dirimida pelas urnas. Só sairemos da enrascada se a nova liderança for capaz de apelar para o que possa unir a Nação: finanças públicas saudáveis e políticas adequadas, taxas razoáveis de crescimento que gerem emprego, confiança e decência na vida pública.
É por isso que há algum tempo venho pregando a união entre os setores progressistas (que entendam o mundo e a sociedade contemporâneos), que tenham uma inclinação popular (que saibam que, além do emprego, é preciso reduzir as desigualdades), que se deem conta de que o mundo não mais funciona top/down, mas que “os de baixo” são parte do conjunto que forma a Nação, e que, em vez de se proporem a “salvar a pátria”, devem conduzi-la no rumo que atenda, democraticamente, com liberdade, aos interesses do povo e do País.
Não se trata de formar uma aliança eleitoral apenas, muito menos de fortalecer o dito “centrão”, um conjunto de siglas que mais querem o poder para se assenhorearem de vantagens do que se unir por um programa para o País. Nas democracias é natural que os partidos divirjam quando as eleições majoritárias se dão em dois turnos, quando os “blocos sociais e políticos” podem ter mais de uma expressão partidária. Mas é preciso criar um clima que permita convergência. E, uma vez no caminho e no exercício do poder, quem represente esse “bloco” precisará ter a sensibilidade necessária para unir os que dele se aproximam e afastar o risco maior: o do populismo, principalmente quando já vem abertamente revestido de um formato autoritário.
Na quadra atual, entre o desemprego e a violência cada vez mais assustadora do crime organizado, a perda de confiança nas instituições é um incentivo ao autoritarismo. O bloco proposto deve se opor abertamente a isso. Não basta defender a democracia e as instituições, é preciso torná-las facilitadoras da obtenção das demandas do povo, saber governar, não ser leniente com a corrupção e entender que sem as novas tecnologias não há como atender às demandas populares crescentes. E, principalmente, criar um clima de confiança que permita investimento e difundir a noção de que num mundo globalizado de pouco vale dar as costas a ele.
Tudo isso requer liderança e “fulanização”. Quem, sem ser caudilho, será capaz de iluminar um caminho comum para os brasileiros? “Decifra-me ou te devoro”, como nos mitos antigos.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA
A semana que acabou ontem foi plena de tensão, demonstrando a quem não percebera antes a profundidade das dissensões que vêm de há muito tempo. As incongruências da política econômica dos governos de Lula e Dilma, em sua fase final, já haviam levado a economia à paralisação e o sistema político a deixar de processar decisões. Daí o impeachment do último governo, ainda que baseado em arranhões de normas constitucionais.
Todo impeachment é traumático. Fui ministro de um governo que resultou de um impeachment, o do presidente Itamar Franco. Este, com sabedoria, percebeu logo que precisaria de um Ministério representativo do conjunto das forças políticas. Como o PT, que apoiara o impeachment do presidente Collor, se recusava a assumir responsabilidades de governo (com olho eleitoral), Itamar conseguiu a aceitação de uma pasta por Luiza Erundina, então no PT. Mesmo eu, eleito presidente por maioria absoluta no primeiro turno sem precisar buscar o apoio do PT, tive como um de meus ministros um ex-secretário-geral do PT.
De lá para cá os tempos mudaram. A possibilidade de algum tipo de convivência democrática, facilitada pela estabilização econômica graças ao Plano Real, que tornou a população menos antigoverno quando viu em marcha uma política econômica que beneficiaria a todos, foi substituída por um estilo de política baseado no “nós”, os supostamente bons, e “eles”, os maus. Isso somado ao descalabro das contas públicas herdado pelo governo atual, mais o desemprego facilitado pela desordem financeira governamental, levou a uma exacerbação das demandas e à desmoralização dos partidos. A Lava Jato, ao desnudar as bases apodrecidas do financiamento partidário pelo uso da máquina estatal em conivência com empresas para extrair dinheiro público em obras sobrefaturadas (além do enriquecimento pessoal), desconectou a sociedade das instituições políticas e desnudou a degenerescência em que o País vivia.
A dita “greve” dos caminhoneiros veio servir uma vez mais para ignição de algo que estava já com gasolina derramada: produziu um contágio com a sociedade, que, sem saber bem das causas e da razoabilidade ou não do protesto, aderiu, caladamente, à paralisação ocorrida. Só quando seus efeitos no abastecimento de combustíveis e de bens essenciais ao consumo e mesmo à vida, no caso dos hospitais, se tornaram patentes houve a aceitação, também tácita, da necessidade de uma ação mais enérgica para retomar a normalidade.
Mas que ninguém se engane: é uma normalidade aparente. As causas da insatisfação continuam, tanto as econômicas como as políticas, que levam na melhor das hipóteses à abstenção eleitoral e ao repúdio de “tudo o que aí está”. Portanto, o governo e as elites políticas, de esquerda, do centro ou da direita, que se cuidem, a crise é profunda. Assim como o governo Itamar buscou sinais de coesão política e deu resposta aos desafios econômicos do período, urge agora algo semelhante.
Dificilmente o governo atual, dada a sua origem e o encrespamento político havido, conseguirá pouco mais do que colocar esparadrapos nas feridas. Nada de significativo será alcançado sem que uma liderança embasada no voto e crente na democracia seja capaz de dar resposta aos atuais desafios econômicos e morais. Não há milagres, o sistema democrático-representativo não se baseia na “união política”, senão que na divergência dirimida pelas urnas. Só sairemos da enrascada se a nova liderança for capaz de apelar para o que possa unir a Nação: finanças públicas saudáveis e políticas adequadas, taxas razoáveis de crescimento que gerem emprego, confiança e decência na vida pública.
É por isso que há algum tempo venho pregando a união entre os setores progressistas (que entendam o mundo e a sociedade contemporâneos), que tenham uma inclinação popular (que saibam que, além do emprego, é preciso reduzir as desigualdades), que se deem conta de que o mundo não mais funciona top/down, mas que “os de baixo” são parte do conjunto que forma a Nação, e que, em vez de se proporem a “salvar a pátria”, devem conduzi-la no rumo que atenda, democraticamente, com liberdade, aos interesses do povo e do País.
Não se trata de formar uma aliança eleitoral apenas, muito menos de fortalecer o dito “centrão”, um conjunto de siglas que mais querem o poder para se assenhorearem de vantagens do que se unir por um programa para o País. Nas democracias é natural que os partidos divirjam quando as eleições majoritárias se dão em dois turnos, quando os “blocos sociais e políticos” podem ter mais de uma expressão partidária. Mas é preciso criar um clima que permita convergência. E, uma vez no caminho e no exercício do poder, quem represente esse “bloco” precisará ter a sensibilidade necessária para unir os que dele se aproximam e afastar o risco maior: o do populismo, principalmente quando já vem abertamente revestido de um formato autoritário.
Na quadra atual, entre o desemprego e a violência cada vez mais assustadora do crime organizado, a perda de confiança nas instituições é um incentivo ao autoritarismo. O bloco proposto deve se opor abertamente a isso. Não basta defender a democracia e as instituições, é preciso torná-las facilitadoras da obtenção das demandas do povo, saber governar, não ser leniente com a corrupção e entender que sem as novas tecnologias não há como atender às demandas populares crescentes. E, principalmente, criar um clima de confiança que permita investimento e difundir a noção de que num mundo globalizado de pouco vale dar as costas a ele.
Tudo isso requer liderança e “fulanização”. Quem, sem ser caudilho, será capaz de iluminar um caminho comum para os brasileiros? “Decifra-me ou te devoro”, como nos mitos antigos.
*SOCIÓLOGO, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA