terça-feira, fevereiro 20, 2018

O fetiche Huck passou. Próximo! - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 20/02

Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também, por artifício próprio, o forasteiro


A ansiedade é normal. E é preciso entender a aflição juvenil de um Fernando Henrique Cardoso. Não se pode cobrar maturidade de quem governou o país por oito anos. Nem responsabilidade. Nem que tenha aprendido algo com os fracassos eleitorais recentes. Nem que desça do pedestal para, em vez de aventar candidaturas com base em laços familiares de afeto, enxergar o tabuleiro político brasileiro em 2018 e perceber que o tal lugar do outsider já foi ocupado por estratégia de quem outsider não é: Lula — aquele que, por método, judicializou o processo eleitoral e impôs à Justiça que respondesse com política.

Esta é a tragédia: Lula, a âncora do sistema, variável em função da qual todos se orientam, é também — por artifício próprio — o forasteiro. Ou há outra definição para quem disputará a eleição nos tribunais, talvez até preso (não creio), e que ainda assim tem — terá — lugar, ele próprio ou aquele que o representar, no segundo turno? Lula é o outsider de dentro; e, contra esse estado de anomia, garanto, a resposta aventureira é atalho para a derrota.

Acorda, professor!

Sou um homem da tradição. Vivemos mesmo, eu sei, o período das pequenas traições — aquele, clássico, em que, por exemplo, o PSDB se boicota. É espantosa a valentia da covardia dos frouxos entre si. Mas, pergunto: que tal cultivar os costumes com moderação? Sim. É tempo dos balões de ensaio; época pré-eleitoral em que atores — competitivos ou não — inflam a própria estatura, até como postulantes (de assessoria de imprensa) ao Planalto, tudo para afinal costurarem a aliança que garantirá ao partido um candidato a vice. É o caso do estadista de jornal Rodrigo Maia, em busca de tirar o DEM da irrelevância. Funciona assim mesmo. E, tudo bem, há lugar para uma ou outra extravagância. As candidaturas de Dr. Rey e Fernando Collor, por exemplo.

Excentricidade nenhuma, porém, encobre — não por muito tempo — o fundamento constrangedor do que é e sempre foi, sem descartar hipóteses combinadas, oportunismo, burrice ou delírio. Chego ao ponto. Há uma óbvia explicação para a fantasia “Luciano Huck presidente”; mas, se quiserem entender a prosperidade dessa quimera, os encantados pelo desvario precisarão admitir a própria compreensão infantil do que seja atividade política, o paraíso dos arrivistas.

A Lava-Jato, como símbolo de um país que se revoluciona (ou que assim se ilude), ensejou o fetiche segundo o qual, criminalizada a política, haveria uma janela de oportunidade a tal renovação, mesmo apesar de o mundo real informar diariamente sobre a reafirmação do establishment e o esmagamento de brechas para eleitos que não os de sempre. O sonho será — já está — frustrado. Mas: como descartá-lo? Como, se houve o impeachment (conquista, claro, das ruas, e não de Eduardo Cunha), se há grande empreiteiro preso (e solto) e se um ex-presidente estaria em vias de? Ora: neste cenário de Walt Disney, o novo (que já foi Doria), na figura de um outsider (que ainda será Flavio Rocha), seria inevitável; a política sem político, o porvir incontornável. É onde a resiliência Huck entra: o Macron brasileiro (porque se prefere ignorar quem é o presidente francês e qual a sua origem); Peter Pan a fazer acreditar na Terra do Nunca — a mais importante candidatura da história entre as nunca levadas a sério pelos jogadores com acesso à mesa.

Ou terá algum partido grande (ou médio) se mobilizado por ele ou lhe aberto portas, ou dirigido seu planejamento em função de o apresentador ser ou não candidato? Aliás: quererá a abstração “eleitor”, ainda que cansada de políticos, alguém de fora da política ou um nome que, de dentro ou de fora, apresente-se como capaz de lhe resolver o problema?

O anseio por um outsider — supostamente indicado em pesquisas — é ficção de cientista político que vende o que o cliente quer comprar. Huck só foi uma possibilidade presidencial onde nada se resolve (FHC não tem a mais mínima influência no PSDB); onde há busca por garoto-propaganda que fizesse publicidade gratuita para movimentos antipolíticos como os tais Agora! e RenovaBR; e para quem, sem ter o que perder, poderia especular, certo de que terá lugar no esquema profissional, uma vaga na coligação de sempre, quando chegar a hora de sair do parquinho: o PPS de Roberto Freire, antigo Partido Comunista Brasileiro e atual satélite tucano. O mesmo serve para Henrique Meirelles, o fantoche por meio do qual Gilberto Kassab negociará — a subir o preço — o apoio certo a Alckmin. E para o tal namoro entre Joaquim Barbosa e PSB — um partido que, cindido talvez em quatro, nem para se vender como conjunto prestará; o que dizer de lançar candidato à Presidência?

Luciano Huck chegou até aqui — mesmo sem nunca haver tido existência eleitoral senão para a sobrevida de políticos sem voto ou na bolha em que vivem os empresários culpados pela própria riqueza — como espécie de acomodação da fé renovadora, como muleta da novidade que envelhece sem vir, como encarnação do adiamento por meio do qual o Brasil que voa de jatinho (financiado pelo BNDES) atrasa o quanto pode o contato com o Brasil de verdade; esse no qual Huck aderirá ao Aécio da vez; se muito rebelde, à Marina de turno.

Carlos Andreazza é editor de livros

O escopo da reforma tributária - BERNARD APPY

ESTADÃO - 20/02

Precisamos migrar para um modelo que onere menos a atividade empresarial


Na coluna desta terça-feira, 20, vou apresentar uma visão geral, sem entrar em detalhes, daquela que entendo ser a agenda de reformas do sistema tributário brasileiro. As distorções do nosso modelo de tributação são tão grandes, que é possível fazer mudanças que simultaneamente elevem o potencial de crescimento da economia e melhorem a distribuição de renda do País.

Simplificadamente, os tributos podem ser agregados em quatro grandes categorias: tributos sobre o consumo, sobre a renda, sobre a propriedade e tributos sobre a folha de salários, usualmente vinculados ao financiamento da Previdência Social.

Consumo. O Brasil possui hoje cinco tributos gerais que incidem sobre o consumo de bens e serviços – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins. A complexidade destes tributos é a principal responsável pelo alto custo burocrático do pagamento de impostos, bem como pelo elevado grau de litígio sobre matérias tributárias no País. As distorções resultantes da tributação de bens e serviços também provocam uma redução relevante da produtividade e do PIB potencial.

Há um razoável consenso de que a solução para estes problemas passa pela migração para o modelo internacionalmente estabelecido do imposto sobre o valor adicionado (IVA). A grande questão é como migrar do sistema atual para um novo modelo. Uma proposta que busca equacionar esta transição foi desenvolvida pelo Centro de Cidadania Fiscal e está disponível em www.ccif.com.br.

Renda. O modelo brasileiro de tributação da renda (das pessoas jurídicas e físicas) apresenta dois problemas principais. Por um lado, devido a isenções e falhas nos regimes simplificados de tributação, parte importante dos rendimentos das pessoas de alta renda do País não é adequadamente tributada. Em segundo lugar, em um contexto de disputa tributária mundial, o modelo de tributação das empresas no Brasil reduz a competitividade do País como polo de investimentos.

No caso da tributação da renda, ao contrário dos tributos sobre bens e serviços, não é necessária uma revolução. Mas é preciso um ajuste que corrija os problemas existentes. Simplificadamente, precisamos migrar para um modelo que onere menos a atividade empresarial, mas que feche as brechas que permitem que pessoas ricas paguem pouco imposto.

Folha. O Brasil tributa excessivamente a folha de salários, o que desestimula o emprego formal dos trabalhadores tanto de baixa renda quanto de alta renda (neste caso, por conta do processo de “pejotização”).

A solução para estes problemas – descrita em maior detalhe em minhas colunas de 9 e 23 de janeiro – passa pela redução da carga sobre a folha de salários, através de três medidas. Em primeiro lugar, pela criação de um benefício não contributivo universal para idosos, reduzindo-se fortemente a tributação de todos os salários até o valor deste benefício. Em segundo lugar, pela eliminação da contribuição patronal sobre folha acima do teto dos benefícios previdenciários. Em terceiro lugar, pela eliminação da incidência sobre a folha de contribuições não previdenciárias, como as destinadas ao Sistema S e ao Salário-Educação.

Tais medidas implicariam uma renúncia relevante de receita que precisaria ser compensada pela elevação de outros tributos, preferencialmente sobre a renda das pessoas físicas e sobre a propriedade.

Propriedade. No caso dos impostos brasileiros sobre a propriedade e a transferência de patrimônio, há espaço para alguns ajustes pontuais. O mais importante seria a elevação da alíquota máxima do imposto sobre heranças e doações, hoje de apenas 8%. Outra mudança positiva seria a revisão da legislação do ITR, tributo que hoje arrecada muito pouco.

Regimes simplificados. Por fim, a simplificação dos tributos sobre o consumo, a renda e a folha permitiria uma ampla revisão dos regimes simplificados de tributação (Simples e Lucro Presumido), que, embora importantes, hoje geram distorções distributivas e alocativas relevantes.

* DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL

O custo econômico da violência - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR

GAZETA DO POVO - PR - 20/02

A persistir a derrota do Estado para os bandidos, em alguns anos a maior parte da população brasileira viverá sob o manto do crime, do sangue e do terror


As perdas econômicas no país decorrentes da violência contra a vida e contra o patrimônio são facilmente visualizadas. Os criminosos e suas atividades ilícitas consomem parte da produção nacional de bens e serviços; destroem vidas e coisas; impõem custos individuais e coletivos com aparato de policiamento, sistemas de segurança (com seus equipamentos, gastos de operação e salários do efetivo de pessoal); sistema judicial de processamento e julgamento; sistema prisional e gastos para manutenção dos encarcerados etc. Enxergar esse leque de problemas e seus custos não é um exercício difícil, mas a mensuração dos reais impactos econômicos é algo complexo.

O Institute For Economics and Peace (IEP), sediado na Austrália, é especializado em estudos e pesquisas sobre os impactos econômicos da violência no mundo e, em estudo tomando como base o ano de 2014, concluiu que a violência no Brasil consumiu US$ 255 bilhões no ano, equivalente a 8% do Produto Interno Bruto (PIB). Para um país pobre, é uma tragédia econômica e social de elevadas proporções. Ao fazer comparação com outros 161 países estudados, o Brasil aparecia na quinta posição no ranking dos que mais gastam com a violência, atrás apenas de Estados Unidos, China, Rússia e Índia. O estudo referido pode não ser completo, mas dá boa medida do tamanho do problema ao analisar despesas militares com exército e guerras externas, crimes contra a pessoa e a propriedade, conflitos internos (terrorismo, guerra civil) e despesas públicas e privadas com segurança.

A cifra de 60 mil pessoas assassinadas por ano é uma tragédia individual, familiar, social e econômica de grandes proporções

Os Estados Unidos estão entre os que mais gastam não porque o país esteja entre as sociedades mais violentas do mundo, mas em razão dos altos gastos com sua participação nos conflitos mundiais e a imensa rede de segurança privada típica daquela sociedade. No caso do Brasil, a razão é inversa, ou seja, os elevados gastos decorrem dos altos índices de violência interna, pois os gastos militares brasileiros em conflitos e missões no exterior são baixos. Disparadamente, o maior problema do Brasil está nos crimes contra a pessoa e nas elevadas taxas de homicídio. A cifra de 60 mil pessoas assassinadas por ano, quando comparada com a população de 208,5 milhões de habitantes, é uma tragédia individual, familiar, social e econômica de grandes proporções, pior que a de certos países em guerra interna.

A se tomar por base a criminalidade descontrolada do Rio de Janeiro, cidade dominada pelos criminosos, as previsões para os próximos anos em relação à violência urbana são pessimistas, sobretudo porque outras capitais já estão sentindo a escalada da violência que ameaça transformá-las em réplicas da tragédia carioca. Especialistas no assunto vêm alertando para o alastramento do crime organizado nas grandes cidades, cujas estatísticas levam a crer que, a persistir a derrota do Estado para os bandidos, em alguns anos a maior parte da população brasileira viverá sob o manto do crime, do sangue e do terror. A situação é tão grave que o presidente Michel Temer decretou intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, com o beneplácito do governo do estado, em uma tentativa de derrotar os bandidos e o crime.

O custo da violência não é apenas o custo direto, mas inclui também os recursos gastos para combater o crime que, de outro modo, poderiam ser investidos em outros setores. O IEP faz um exercício de imaginação e diz que, se os custos com a violência no mundo fossem reduzidos em apenas 10%, a poupança seria de US$ 1,43 trilhão, valor suficiente para reduzir parte da pobreza no mundo. Transposto esse raciocínio para o Brasil, dá para estimar o quanto o país deixa de investir no combate à pobreza por causa da violência social. O fato é que, além de ser uma tragédia humana de grande monta, a violência solapa o crescimento econômico, limita a liberdade de ir e vir e produz uma verdadeira tragédia econômica. A sociedade brasileira terá de, junto do governo, decidir o que fazer com esse flagelo social que ameaça fugir de qualquer controle.

O que está à nossa frente? - AFFONSO CELSO PASTORE

O ESTADÃO - 20/02

Precisamos de um governo apoiado por uma coalizão comprometida com as reformas e com a ética

O governo Temer se iniciou anunciando a construção de uma ponte para o futuro. Seu objetivo era a criação de condições para a retomada do crescimento sustentado.

Crescem mais os países que mais investem e que elevam a produtividade, mas por que alguns têm sucesso e outros fracassam? Usando a história econômica e a distinção entre instituições extrativistas e inclusivas, Acemoglu e Johnson (Why Nations Fail) mostram evidências de que os sucessos de desenvolvimento sustentado somente ocorrem quando as instituições políticas e econômicas são inclusivas, isto é, voltadas para os interesses da maioria da população, e fracassam quando permitem que minorias “extraiam” permanentemente recursos em benefício de partidos e amigos que apoiam o governo.

O Brasil não chegou ao extremo extrativista que inviabilizou o crescimento de muitos países, mas a política econômica desde o segundo mandato de Lula, e os resultados das apurações da Lava Jato mostram que enveredávamos por esse caminho. Dois exemplos são: o direcionamento de investimentos com retornos sociais duvidosos a empresas como a Odebrecht; e o crédito abundante aos “campeões nacionais”, como a JBS, ambos fornecendo propinas para abastecer partidos da base aliada.

Para voltar a crescer era preciso retornar à ética na política e basear as decisões no princípio que todos são iguais perante a lei; preservando o direito de propriedade; garantindo a execução rápida da justiça, e dando ao setor privado os incentivos corretos, que na definição de Zingales (Capitalism for the People) levam a políticas “pró-mercado” e não “pró-negócios”. Uma redução de impostos estimulando todo e qualquer investimento é um exemplo de política “pró-mercado”. Já a desoneração da folha para setores escolhidos arbitrariamente; ou a redução do IPI no Inovar-Auto; ou a decisão de construir aRrefinaria Abreu e Lima, caracterizam políticas “pró-negócios”, que elevam os lucros dos beneficiados, mas não a produtividade e o crescimento econômico.

O Brasil progrediu nesse campo. Um exemplo é o disciplinamento do BNDES abandonando a concessão de créditos com subsídios implícitos não justificáveis pela divergência entre retornos sociais e privados. O outro é a melhoria na governança da Petrobrás, que deixou de ser uma “supridora indireta” de recursos que abasteciam os cofres de alguns partidos, e readquiriu o poder de repassar ao mercado as variações nos preços internacionais do petróleo, defendendo sua capacidade de investir na busca de petróleo.

Progredimos, também, com a reforma que corrigiu a rigidez no mercado de trabalho. Mais do que tudo, progredimos na execução da política monetária, e se hoje temos a expectativa de um crescimento do PIB de 3% em 2018, devemos isso ao Banco Central. Porém, a médio prazo a tarefa do Banco Central será impossível caso não se consiga progredir na reforma fiscal. O congelamento dos gastos primários em termos reais foi apenas um sinal, indicando o rumo, cujo cumprimento requer que sejam aprovadas reformas – nos campos dos tributos e das despesas primárias - a mais importante das quais é a da previdência.

Estivemos próximos de aprová-la, mas os acontecimentos de maio de 2017 começaram a fechar a janela de oportunidade, que praticamente acabou de se fechar com a intervenção no Rio de Janeiro. Não tenho nenhuma simpatia pela teoria de que uma conspiração de corporações contrárias à reforma da Previdência deliberadamente forjou a denuncia que enfraqueceu o presidente. Na minha interpretação Temer é muito mais um ator responsável pelos acontecimentos do que uma vítima das circunstâncias. Seu fracasso veio da contradição entre uma atitude “inclusiva” no campo das reformas na economia, com a manutenção de um comportamento próximo do “extrativismo” no campo da política. Como, a 10 meses de uma eleição, poderia ser aprovada uma reforma altamente impopular proposta por um governo igualmente impopular?

Precisamos acentuar o compromisso com o fortalecimento de instituições que estimulem o crescimento e a redução das desigualdades de renda e riqueza. Para isso precisamos de um governo apoiado por uma coalizão comprometida com as reformas e com a ética.

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS

Tiro n’água? - ELIANE CANTANHÊDE

O Estado de S.Paulo - 20/02


Nada como passar uma semana em Portugal para concluir, de uma vez por todas, que a violência no Brasil está totalmente fora do controle e é necessário um choque de segurança envolvendo todos os Poderes e todas as unidades da Federação. A distância, porém, a semi-intervenção no Rio de Janeiro deixou mais dúvidas do que certezas.

Anda-se de dia, de noite e de madrugada pelas ruas de Lisboa ou de qualquer cidade portuguesa tranquilamente, sem medo da primeira pessoa que aparece, sem agarrar a bolsa e sem temer pela vida. Isso é tão natural na rotina dos portugueses quanto extraordinário para nós, brasileiros. Então, é assim que as pessoas vivem nos outros países? A gente até esquece.

No Brasil, os criminosos, grandes ou pés de chinelo, organizados ou solitários, não apenas roubam dinheiro, joias, carteiras, celulares. Eles roubam vidas. Vida de crianças dentro de escolas, no sofá de suas casas, no parquinho do bairro. Vida de universitários com suas namoradas, seus carros, suas bicicletas. Vida de adultos e idosos, não importa a classe social. A vida não vale nada. Vale menos que um celular.

Qualquer bandido menor de idade no Rio anda com facas e revólveres e os maiores bandidos têm armas de dar inveja na polícia. São fuzis e até metralhadoras que entram pelas fronteiras, circulam de um Estado para outro e caem nas mãos das quadrilhas. Os agentes do Estado ou jogam a toalha ou são cooptados.

Logo, algo tem de ser feito, e algo de grande envergadura, como em Nova York ou na Colômbia. Mas que raios é uma semi-intervenção como a decretada pelo governo federal? Como intervir na segurança e deixar o resto para lá? Como separar a crise da segurança da má gestão, da corrupção, da corrosão das instituições?

E por que o Rio, ou só o Rio, se no Recife e Fortaleza, por exemplo, é igual ou até pior? O Rio tem mais mídia no Brasil e repercute mais no exterior? A vida de uma criança e de um adolescente é mais importante no Rio do que no resto do País? Ou, enfim, as ações políticas no Rio têm mais efeito de marketing? Como sabemos, marketing não faz milagres nem tem o poder de mudar a realidade.

A grande suspeita é de que o presidente Michel Temer tenha decidido intervir na segurança do Rio para escamotear a verdade nua e crua de que não conseguiu os 308 votos da Câmara para aprovar o que restou da reforma da Previdência. A intervenção não apenas desvia as atenções como tem o efeito prático de suspender as votações no Congresso. Sem votações não há derrotas, certo?

O mais dramaticamente irônico disso é que a crise do Rio ilustra também a crise do sistema de Previdência. Como princípio universal, segurança depende de policiais nas ruas, mas cadê os policiais do Rio? Se não estão entre os mais de cem assassinados em 2017, estão em serviços burocráticos ou aposentados.

Estima-se que mais de 90% dos policiais se aposentam antes dos 50 anos de idade e, como são homens e mulheres com bom preparo físico, tendem a viver longos anos além disso. Para cada policial em ação, a sociedade paga quantos, e por quanto tempo, para não fazerem nada? O que fazer? Chama-se o Exército! Num primeiro momento, tem efeito psicológico, dissuasivo. Mas, se cair na rotina, deixa de ser extraordinário e passa a ser natural – como a segurança em Portugal e a violência no Brasil.

Logo, o que o governo federal, o governo do Rio e todos os poderes e instâncias envolvidos precisam é de urgência: é mostrar resultados logo, capitalizar o impacto e mostrar para a população descrente que a situação tem jeito. Se não, vai ser um tiro n’água. Nem reforma da Previdência, nem controle da violência, só mais uma vitória do crime organizado.

Mudar o jeito de resolver problemas - FERNÃO LARA MESQUITA

ESTADÃO - 20/02

O que falta não são mais leis, é poder para o povo tornar efetivas as suas cobranças


É a hora do tiroteio. Quem foram os policiais, as mulheres grávidas, as crianças despedaçadas a tiros de fuzil do dia? Não ha mais singular nesses relatos. Aonde é mesmo aquele mar de miséria amontoada em barracos de bloco? Qual estado deixou de pagar a polícia agora? Onde é que o crime passou a correr oficialmente solto? Que prisão está tendo a sua quinzena de matadouro? Onde está batendo hoje a epidemia do século retrasado?

A peste, a guerra, a fome e a morte galopam soltas pela geografia do caos dos jacarezinhos, das rocinhas, dos “complexos” e periferias do favelão nacional que vai engolindo o país que nós quase fomos. A toda hora os dois brasis cruzam “a Linha” e a morte sem edição fica registrada num canto de câmera do nosso sistema de hiper-vigilância só das consequências. Não ha como deter isso com polícia. Nada - nem o Exército Brasileiro - resistirá ao contato direto com esse grau de infecção. Enquanto as mães da favela não tiverem um argumento convincente para demonstrar aos seus filhos que vão ganhar mais estudando que pegando o fuzil, o sistema seguirá nos comendo por dentro.

Corta...

É a hora dos “especialistas”. Gente que tem o que vestir, gente que tem onde morar. Mas o Brasil de que eles falam não é esse do Rio de Janeiro. Nada no deles está fundamentalmente errado senão o eleitor que “escolhe” sempre mal. “Basta escolher a pessoa certa. Um homem ético...” (...mas que compre tempo na TV e ponha votos na urna, seja como for...). O compromisso com a impassibilidade chega às raias da lobotomia. Uns só falam do que os outros disseram. Nenhum alarme, nenhum sinal das hemorragias maciças cá de fora. “Se isto, então aquilo”. “Na hipótese um, dois. Na hipótese dois, três”. “O governo perdeu”. “O governo ganhou”. A bolsa sobe ou a bolsa cai mas as tertúlias nunca vêm ao chão. Não ha “país”. As consequências não têm causas e as causas não têm consequências.

É proibido constatar, mas na espreita rosna a Venezuela. É o que resgata o assunto“eleição” da irrelevância absoluta. Mas não ha qualquer espaço para a esperança. É o campeonato do nada. Os “especialistas” estão aposentados. O futuro do Brasil está aposentado.

Circulam pela internet um monte de listas de medidas para “resolver o problema nacional”.“Assine aí! Não se omita!”Mudar o nome de um crime, multiplicar penas cujo cumprimento não se exige,“proibir”mais isto ou aquilo,“acabar”com não sei o quê, criar mais uma“politica pública"...

O que nos falta não são mais leis vindas de cima, é poder para o povo de tornar efetivas as suas cobranças. Transparência, fiscalização, ética não se pede. Arma-se a mão do povo para exigi-las contra a sobrevivência do emprego de quem foi contratado ou eleito para entregá-las, assim como se exige (e por isso se entrega) todo e qualquer trabalho contratado no Brasil ou fora do Brasil, menos o público.

As hipérboles são o invólucro da mentira. Toda lei pétrea seria estupida se não fosse como são as nossas apenas desonesta. A única exceção é para a que mantem o jogo sendo jogado.“É proibido tornar antidemocrático o jogo democrático". Em tudo o mais, amarrar o leme e esperar que o barco ande sozinho é a maneira mais certa de naufragar.

Essa violência das ruas é de fera acuada nas carências da Idade Média em plena era da abundância. É de continuar estrebuchando na doença com a cura ao alcance da mão. É de ser cobrado pelo erro alheio mesmo tendo pago o preço de fazer tudo certo. É da certeza do triunfo da mentira sempre.

O Brasil não tem de resolver este ou aquele problema. Tem é de mudar o seu jeito de resolver problemas. O Brasil precisa de uma revolução: das vitórias irrecorríveis do bem que só as deseleições à mão armada podem garantir. É preciso abrirmo-nos à reforma permanente para habilitarmo-nos a desconstruir, pedra por pedra, esse edifício torto em que nos enfiaram. Os candidatos, que têm“porteiros”com quem se acumpliciar, vá lá. Mas a imprensa não precisa disputar a próxima eleição. É a ela que cabe criar esse novo tipo de demanda no mercado do voto. Nada que precise ser inventado nas redações. É só informar como funciona o mundo que funciona.

Democracia é um“software livre". Um aplicativo de código aberto. O primeiro passo é montar um sistema real de representação para a nossa “democracia representativa”. Enquanto continuarmos sem saber quem é quem na hora de decidir prevalecerão os seis do STF. E enquanto puderem prevalecer os seis do STF eles serão isso em que se transformaram. Voto distrital puro, com um único representante eleito por cada pedaço da população (para poder ser legitimamente deseleito em caso de necessidade, nada mais) é o jeito testado e aprovado de esclarecer isso. Dizermos nós de que leis estamos precisando com leis de iniciativa popular é o jeito democrático de estabelecer prioridades. Deixar bem claro quem manda em quem com recall para político que trai seu eleitor e para juiz que trai a justiça; desafiar com referendos as leis que saírem deformadas dos legislativos é o jeito democrático de garantir que não haverá falcatruas.

Essas três ferramentas, quando andam juntas e somente quando andam juntas, são infernais. Invertem a direção do vetor primordial de forças sobre o sistema. Põem todo o poder nas mãos de cada cidadão mas só permitem que ele o exerça sobre o seurepresentante. Dão a todo o mundo o poder de obrigar o governo a se mexer mas aninguém força bastante para agir sozinho ou para se impor a quem quer que seja.

O Brasil só se salva enriquecendo, e rápido. Mas felizmente não é preciso esperar o resultado inteiro. Basta o poder enriquecer que se destrava com os velhos remédios da política. Não é preciso estudar medicina para salvar a própria vida tomando antibióticos. Eles curam até os idiotas. Democratizar o nosso jeito de resolver problemas daria aos brasileiros a condição de voltar a jogar com as próprias pernas. E os brasileiros sempre se dão bem quando jogam com as próprias pernas. Eles provam isso todos os dias sobrevivendo aos governos que têm.

(Escrito antes do anúncio da intervenção na segurança pública do RJ).

*Jornalista, escreve em www.vespeiro.com

O incrível espectro partidário - ALMIR PAZZIANOTTO PINTO

ESTADÃO - 20/02

O lema nas eleições de outubro será: ‘para vencer faço acordo com o demônio’


O cadastro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) revela a existência de 39 partidos registrados e 76 em processo de fundação. Temos, por enquanto, 115 legendas com pretensões às delícias do poder, cada qual com proprietários, dirigentes e filiados virtuais.

Durante o Império (1822-1889) existiam dois partidos, o Liberal e o Conservador, ambos poderosos e integrados por homens cujo nome a História perpetua como exemplos de honestidade e de honradez. Na Primeira, na Segunda e na Terceira Repúblicas não teria sido muito diferente. Ao longo do regime militar (1964-1985) as atividades partidárias foram inibidas pela força de atos institucionais e complementares, que davam ao presidente da República a prerrogativa de dissolver partidos e controlar a fundação de entidades de caráter partidário. Assim nasceram a Aliança Renovadora Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o primeiro como instrumento de sustentação do governo e o segundo incumbido de lhe fazer oposição.

O site Wikipédia relaciona partidos registrados e em processo de regularização. Relativamente aos primeiros, encontramos singular coluna com a denominação “espectro político”, que nos permite avaliar o conteúdo programático de cada legenda. Desconheço as fontes de informações. Reconheço, porém, que os dados contêm mais acertos do que erros e retratam, de maneira simples e didática, o perfil dos dirigentes.

Seriam de centro o PMDB, o PSL, o PV, o PTB e o Avante. Do centro-esquerda à esquerda, o PDT, o PT e o PSB. De centro-direita, o PR, o PHS, o PRP, o Pros, o DEM. De centro-esquerda, o PMB, o PMN, o PPS, o SD, a Rede. De extrema esquerda, o PCO, o PSTU, o PCB. De direita, o PRTB, o PP e o Novo. De direita para a extrema direita, o PEN. De esquerda e extrema esquerda, o PSOL e o PCdoB. De centro-esquerda, o PSD. Posição singular é a do PSDB, apontado como versátil partido de centro, de centro-esquerda e de centro-direita.

Na realidade, os 35 partidos reconhecidos e os 76 em processo de organização são carecedores de consistência ideológica. As agremiações que se definem como de extrema esquerda, esquerda, direita e extrema direita, ao se submeterem ao teste das urnas, revelam maciça rejeição do eleitorado. Algumas não elegem um único deputado sequer.

O que temos no Poder Legislativo é a presença de bancadas evangélicas, da bancada ruralista, de sindicalistas, de políticos profissionais e da maioria fisiológica na busca imoral de nomeações para ministérios, de dinheiro e de empregos. Pessoas jurídicas de direito privado, as legendas agem como empresas a serviço do acionista controlador, como se dá com o PDT, o PTB, o PRTB e o PSC, cujos dirigentes são detentores do domínio absoluto da legenda. Poderiam estar registrados na Junta Comercial.

Os conceitos políticos de direita, centro e esquerda surgiram na Revolução Francesa, durante o período conhecido como Terror, conforme registra o historiador norte-americano Stanley Loomis (1922-1972) em Paris sob o Terror (Ed. Civil. Bras., 1965). Para o inglês Edward H. Carr (1892-1982), a distinção é fruto da antítese entre utopia e realidade, teoria e prática, radical e conservador, embora ressalve que seria imprudente presumir que partidos que carregam esses rótulos representem tais tendências. Nas palavras do historiador e jurista inglês, “o radical é necessariamente utópico e o conservador, realista” (Vinte Anos de Crise: 1919-1939, Ed. Universidade de Brasília, 1981). O filósofo espanhol Ortega Y Gasset afirmou que “ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser imbecil” (A Rebelião das Massas, Livro Ibero-Americano, 1959).

É inútil buscar agremiações definidas ideologicamente – observe-se a troca de legendas como garantia de reeleição. Existem, mas nunca alimentadas por ideias e consagradas à execução de programas permanentes. Sobrevivem financiadas pelo Tesouro Nacional, provedor do Fundo Partidário. Leiam o número declarado de filiados no site do TSE. O PMDB, cuja ideologia é o governismo a qualquer preço, aponta 2,4 milhões de filiados. O PT, em acentuada decadência, vem em segundo lugar, com 1,6 milhão. A seguir o PSDB, com 1,45 milhão. O PPS, 481 mil. O PCO, 2.930. Pela quantidade de inscritos, qualquer deles desenvolveria suas atividades mediante módicas contribuições mensais de R$ 10, o suficiente para devolver ao erário o dinheiro retirado da educação, da saúde, da segurança, da infraestrutura.

Nas democracias, a rigor, bastariam dois partidos: situação e oposição. Entre os 35 registrados, não mais do que meia dúzia tem presença política. Os demais fazem número, à espera do momento pré-eleitoral para negociar a legenda, aspirar à eleição de um ou dois representantes, conseguir cargos e ganhar dinheiro.

As eleições de outubro confirmarão a fragilidade dos partidos e a falta de limites éticos dos dirigentes. Para conquistar a Presidência da República, governos estaduais, cadeiras na Câmara dos Deputados, no Senado e nas Assembleias Legislativas, todos os recursos serão válidos. O importante, como disse alguém, é juntar. O lema será: “para vencer faço acordo com o demônio”. Na composição das chapas de candidatos prevalecerão o requisito popularidade entre as classes C e D, a posição nas congregações evangélicas, o dinheiro que se dispõem a gastar com cabos eleitorais, dobradinhas, marqueteiros e demagogia, ao mentir e prometer.

O paradoxo brasileiro está em a força dos partidos resultar do vácuo ideológico. Nesse tópico o PMDB é insuperável. Quem desejar vencer dependerá dele como aliado. Por outro lado, com ele no Palácio do Planalto será impossível governar, tal a volúpia por ministérios, cargos, estatais, sociedades de economia mista.

*Advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Problema da vida moderna não é excesso de solidão, mas escassez - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 20/02

E que tal um ministro para a solidão? Não é ideia minha. Já existe. No Reino Unido, a premiê Theresa May considerou a solidão "a mais triste realidade da vida moderna". Para combater esse mal, indicou a ministra Tracey Crouch para "desenvolver" uma "estratégia" adequada.

Confesso que a ideia me parece absurda. Tão absurda como haver um ministro para a tristeza ou uma ministra para o fracasso. Razão óbvia: Theresa May está errada quando acredita que a solidão é uma "realidade" moderna. Não é.

A solidão, tal como a tristeza e o fracasso, faz parte da condição humana, provavelmente desde o momento em que os membros da espécie tiveram consciência de si próprios.

A solidão não tem "cura" porque, em rigor, não é uma doença. Exceto para a tradição racionalista —antiga e moderna— em que Theresa May, ironicamente tida por "conservadora", se inspira.

Sobre o racionalismo antigo, não é preciso um conhecimento íntimo de Aristóteles para lembrar o seu argumento político primeiro: o homem é um animal social. O que significa que o reverso desse desígnio só é admissível se estivermos na presença de deuses ou bestas.

Por outras palavras: viver é viver em sociedade, participando nos assuntos da cidade. Eis a célebre "liberdade dos antigos", na definição posterior de Benjamin Constant (1767-1830): para os antigos, os homens só são livres pela submissão dos interesses individuais às necessidades da comunidade.

Claro que o cristianismo introduziu nesse conceito de liberdade uma mudança relevante, ao proteger a inviolável (e solitária) "liberdade interior" dos homens —e, no limite, o direito dos mesmos em repudiarem a cidade terrestre.

Mas o racionalismo floresceu e triunfou a partir de inícios do século 16: se todos os problemas humanos têm solução, o desafio passa por encontrar a "técnica" adequada para responder a tais problemas. "Ministério da Solidão" poderia perfeitamente ser o título de um livro de Francis Bacon (1561-1626).

Mas Theresa May também está errada por outro motivo: e se o grande problema da "vida moderna" não for o excesso de solidão, mas a sua escassez?

Essa é a tese de Michael Harris em "Solitude: In Pursuit of a Singular Life in a Crowded World". O livro é mediano, confesso, mas existem duas ou três observações que merecem leitura e concórdia.

A primeira delas é que a "vida moderna" é uma gigantesca conspiração para abolir a solidão. Basta escutar os desejos utópicos de um qualquer Zuckerberg ensandecido: para os novos profetas do Vale do Silício, o ideal a atingir é um mundo de conversas contínuas, em que a privacidade não passa de uma relíquia —e todos podem espionar todos.

Alguns números: em 2006, 18% da população mundial estava ligada à internet; em 2009, 25%; em 2014, 41%. E, para ficarmos nas "redes sociais", 8% dos americanos frequentavam esses espaços virtuais em 2005. Em 2013, o número andava nos 73%. Em breve, a "conectividade permanente" não será apenas total; será totalitária.

Infelizmente, essas quimeras de "conectividade permanente" nunca questionam qual o preço que pagamos pela perda de solidão. Para Michael Harris, o prejuízo é triplo.

Sem uma boa dose de solidão, perdemos o tempo de quietude no qual as melhores e mais inesperadas ideias acontecem.

Sem uma boa dose de solidão, somos incapazes de entender o que somos e não somos —no fundo, o ponto de partida para haver um ponto de chegada que seja significativo e real.

Sem uma boa dose de solidão, nem sequer ganhamos o que de mais importante podemos oferecer aos outros: uma disponibilidade genuína e limpa de ruído.

No Reino Unido, Theresa May quer combater a solidão. Se o objetivo do governo for ajudar os abandonados, os doentes e os desprovidos, nada a opor. Para os restantes, talvez fosse mais útil ensinar que a solidão não é uma anormalidade; é parte do que somos. Mas não apenas do que somos; também do que precisamos.

De igual forma, mais importante do que abolir a solidão é aprender a viver com ela; a habitá-la com os instrumentos de uma cultura —a fruição da beleza, da memória, do pensamento; a tratá-la pela segunda pessoa do singular. Quem sabe?

Pode ser que, um dia, o medo da solidão se transforme em gratidão sincera por termos encontrado a nossa companhia.


Alguns são mais iguais do que os outros? - IVES GRANDA DA SILVA MARTINS

FOLHA DE SP - 20/02

Apesar de considerar correto o encarceramento antes da sentença final, a Constituição não o permite

Ninguém discute o nível intelectual, o conhecimento jurídico ou a idoneidade dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal. São, todos eles, autênticos juristas.

No entanto, o protagonismo individual que se manifesta em alguns casos e a invasão da competência de outros Poderes por parte dos ministros transformaram o debate -travado até 2003 no plenário, em nível elevado- em algo diferente, semelhante aos protagonizados pelos parlamentares nas casas legislativas com direito, inclusive, a ofensas pessoais e manifestação de preferências ideológicas.

Tal protagonismo em questões exclusivas de outros Poderes -o artigo 103, 2º, da Constituição não permite, nem nas ações diretas de inconstitucionalidade por omissão do Legislativo, que o pretório excelso legisle- colocou o Supremo em posição, no mínimo, vulnerável.

O ex-presidente Lula, por seus advogados pretéritos e atuais, ingressou com pedido de habeas corpus no STF para que o artigo 5º, inciso LVII, da lei suprema seja-lhe aplicado: "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

Dessa maneira, se infrutíferos os embargos de declaração contra a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não seria recolhido ao cárcere, como foram todos aqueles outros políticos, burocratas e criminosos comuns desde que o STF entendeu que bastaria a condenação em segunda instância, antes de seu trânsito em julgado, para que o acusado fosse colocado atrás das grades.

Embora por contagem apertada, 6 a 5, a decisão prevalece por tempo considerável, inúteis tendo sido até o presente as tentativas de modificar tal inteligência da Suprema Corte.

Agora, seguidores do ex-presidente Lula defendem -embora não tivessem essa interpretação legal quando outros adversários políticos, como Eduardo Cunha, foram encarcerados- que apenas com o trânsito em julgado da decisão condenatória pode-se efetuar a prisão.

Na minha modesta opinião de velho advogado, a exegese correta do dispositivo é a seguinte: efetivamente, só com o trânsito em julgado de uma decisão condenatória alguém será considerado culpado.

O STF, porém, com apoio até cinematográfico do Ministério Público e o aplauso generalizado da sociedade, decidiu que a condenação por tribunal de segunda instância autoriza a decretação da prisão.

Pessoalmente, não interpreto a lei segundo minhas preferências, pois, apesar de considerar correto o encarceramento antes da sentença final, a Constituição não o permite, razão pela qual expus meu desconforto de professor provinciano com a decisão dos iluminados membros do pretório excelso.

A Suprema Corte terá agora que decidir mais uma vez a questão, visto que o eminente ministro Edson Fachin passou para o plenário a apreciação do habeas corpus.

Recentemente, o também ilustrado ministro Alexandre de Moraes incorporou-se à tese do encarceramento após decisão de segunda instância, e a competente presidente da corte, Cármen Lúcia -cujos estudos e escritos sempre admirei, embora com pequenas divergências-, declarou que, se a Suprema Corte tivesse que mudar sua orientação por se tratar do ex-presidente, estaria se "apequenando".

Está o país, portanto, na expectativa de saber se o pretório excelso confirma, e de forma definitiva, a decisão anterior, segundo a qual o ex-presidente deverá ser recolhido ao cárcere como o foram inúmeros outros políticos, burocratas e cidadãos, ou se muda a inteligência do caso, para gáudio de seus seguidores.

Nesta hipótese, passará para o povo não para mim a impressão de que a Suprema Corte assim decidiu por ser o ex-presidente quem é, abrindo, por outro lado, fantástica avenida para que os atuais encarcerados sejam também libertados.

No livro "A Revolução dos Bichos", George Orwell faz a paradigmática afirmação de que "todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais do que os outros". Numa eventual mudança de jurisprudência, ficará no ar tal sensação?

Intervenção é oportunidade para sanear instituições - EDITORIAL O GLOBO

O GLOBO - 20/02
Trabalho de depuração é fundamental para que ações coordenadas entre forças federais e polícias do estado possam surtir efeito, o que não vinha ocorrendo

A intervenção decretada pelo governo federal na segurança do Rio de Janeiro será avaliada por sua capacidade de entrar em instituições essenciais, como as polícias Militar e Civil e a Secretaria de Administração Penitenciária, oportunidade para que elas sejam saneadas.

O desconforto de autoridades federais com o que se passa nas polícias fluminenses sempre ficou evidente, especialmente a partir das ações conjuntas entre as forças de segurança da União e as do estado, no ano passado.

Em julho, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, defendeu uma força-tarefa integrada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Federal e pela Justiça para fazer uma “assepsia” no Rio, onde, segundo ele, parte do poder público fora capturada pela criminalidade. Um dos objetivos seria combater a corrupção nas polícias. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, foi ainda mais longe. Em outubro, afirmou que o governador Luiz Fernando Pezão e o secretário de Segurança, Roberto Sá, não controlavam a Polícia Militar e que comandantes de batalhões da PM eram sócios do crime organizado. As declarações fortes causaram mal-estar no Palácio Guanabara e nas corporações, mas não foram desmentidas.

De fato, o crime dentro das próprias instituições é um problema no combate à violência, mas não costuma ser tratado com prioridade. Como mostrou reportagem do GLOBO, de janeiro a outubro do ano passado, nenhum caso de corrupção ativa de PM chegou à Auditoria da Justiça Militar na capital. Em 2016, houve apenas um, e, no ano anterior, três. Nos últimos dez anos, 373 policiais civis e militares foram exonerados por desvios de conduta, número considerado modesto por especialistas.

Certamente, eles não refletem o alcance da chamada banda podre. Em junho do ano passado, quase cem PMs do Batalhão de São Gonçalo foram acusados de integrar um grande esquema de corrupção. Segundo a Operação Calabar, eles recebiam propina de traficantes para não reprimir a venda de drogas em favelas do município.

A Secretaria de Administração Penitenciária é outra área que deverá merecer atenção especial. No mês passado, o secretário Erir Ribeiro Costa Filho foi afastado do cargo, por determinação da Justiça, sob acusação de conceder regalias ao ex-governador Sérgio Cabral no presídio de Benfica.

Não deixam de ser sintomáticos o alerta máximo decretado nos 54 presídios do estado e a rebelião no Milton Dias Moreira, em Japeri, domingo.

Sanear essas instituições é fundamental para que as ações coordenadas entre as forças federais e as polícias do estado possam surtir efeito, o que não vinha acontecendo. Mas é preciso que elas sejam duradouras. Operações tópicas, realizadas no varejo, já se mostraram ineficazes. Podem funcionar por algum tempo, mas, quando as forças se retiram, tudo volta a ser como era antes. Portanto, não se pode cometer o mesmo erro.

Caixas-pretas - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 20/02

É imperativo conferir transparência aos gastos com funcionários das estatais


Não há como evitar o espanto diante da revelação, por esta Folha, de que a remuneração média total dos diretores do BNDES, o banco federal de fomento, ultrapassa a casa dos R$ 100 mil mensais.

Não apenas pelas dimensões das cifras, ainda que estas sejam inimagináveis para a esmagadora maioria da população, mas em especial por informações como essa só estarem chegando agora ao conhecimento público.

Argumenta a instituição estatal que os salários e outros benefícios pagos a seus dirigentes são inferiores aos observados em grandes bancos privados. Compreende-se, decerto, a necessidade de atrair profissionais qualificados para os postos de comando.

Entretanto o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, fundado em 1952, pertence integralmente ao governo federal e atua no financiamento de projetos de longo prazo sem ter de se preocupar com competidores.

Sua administração tampouco precisa esforçar-se na busca de depositantes. O banco conta com uma fonte permanente de recursos do contribuinte brasileiro, na forma de 40% da arrecadação do PIS e do Pasep —para nem mencionar as injeções multibilionárias de recursos do Tesouro Nacional desde o final da década passada.

Por tudo isso, no mínimo seria obrigatória a divulgação transparente da estrutura de remunerações do BNDES, para a avaliação de custos e benefícios.

Mal se começa a avançar nesse sentido. Em local de difícil acesso em seu site, o banco informa os vencimentos da diretoria somente a partir de setembro passado. Quanto aos demais servidores, o balanço informa o salário médio, de R$ 25 mil em junho de 2017, e o maior, de R$ 70 mil.

Haveria a considerar ainda benefícios como generosa participação nos lucros, gratificação mensal generalizada e auxílios diversos.

Recorde-se que o governo federal controla diretamente 48 empresas, às quais estão ligadas 101 subsidiárias. Este universo abriga 507 mil funcionários, contratados sob condições bem mais flexíveis que as válidas para o quadro de pessoal dos ministérios —não estão sujeitos, por exemplo, ao teto salarial de R$ 33,8 mil mensais.

Muito pouco se sabe sobre quanto e como se gasta com esse contingente. No ano passado, o Tribunal de Contas da União decretou auditoria sobre as folhas de pagamento das estatais. Iniciativa mais que bem-vinda, embora tardia.

Historicamente, uma aliança entre as corporações e políticos ávidos por cargos nas empresas tem dificultado a divulgação e o debate dos dados. Que a trágica ruína das finanças públicas sirva ao menos para romper o pacto de proteção a essas caixas-pretas.

Coleção de improvisos - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 20/02

A decisão do presidente Michel Temer de decretar intervenção federal no Rio de Janeiro não foi precedida de nenhum planejamento. A se acreditar nas palavras do próprio Temer, a drástica medida, inédita desde a redemocratização do País, resultou não de uma indispensável reflexão com assessores e conselheiros nem de estudos sólidos sobre a extrema complexidade do cenário da intervenção, mas apenas da aflição de alguns dos auxiliares próximos do presidente com os “fatos dramáticos” registrados pelo noticiário durante o carnaval no Rio – ainda que os crimes desse período não tenham diferido, em quantidade e em violência, do que infelizmente vem acontecendo diariamente, há tempos, naquele Estado. A decisão de Temer, tenha ela sido motivada por esse espírito impulsivo ou por sabe-se lá que considerações de caráter político, tem sido até aqui uma coleção de improvisos.

Os sintomas dessa precariedade surgiram logo que a decisão sobre a intervenção foi tornada pública, na noite de quinta-feira passada. O decreto ainda não estava pronto quando a medida foi anunciada. Depois que seu texto foi divulgado, soube-se que o interventor seria o general Walter Souza Braga Netto, comandante militar do Leste, que só foi informado sobre sua nova função horas antes da assinatura do decreto. No sábado, o presidente Michel Temer reuniu-se no Rio de Janeiro com autoridades locais e federais, além do interventor Braga Netto, para, segundo se esperava, alinhar as estratégias necessárias para fazer valer o que estipula o decreto. No entanto, nada ficou acertado – oficialmente, o governo informou que a intervenção ainda estava em fase de “planejamento”, a despeito do fato de que o decreto já está em vigor e que, por óbvio, o planejamento deveria estar pronto há muito tempo.

Na falta do que anunciar como plano objetivo para a intervenção, o presidente da República informou aos jornalistas, à saída do encontro, que vai criar um Ministério da Segurança Pública, cujas funções tampouco são conhecidas, pois, como se sabe, segurança pública é atribuição dos Estados, conforme manda a Constituição. Esse detalhe, contudo, não foi impedimento para que imediatamente brotassem especulações sobre quem deverá comandar a tal nova pasta.

Diante de tantas incertezas, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, pediu ao presidente Temer um “decreto presidencial complementar”, detalhando os pontos que o decreto original não esclarece. Tais pormenores são fundamentais pela simples razão de que os generais não foram consultados sobre a intervenção e somente agora poderão fazer suas ponderações. Ou seja, é com o decreto em vigor que as Forças Armadas terão de discutir seus aspectos práticos, algo que obviamente deveria ter precedido a implementação de medida tão grave. Isso não só não aconteceu, como o interventor nomeado, que estava de folga com a família no carnaval, confessou, na entrevista coletiva em que se anunciou a intervenção, que não tinha muito o que dizer pois havia “acabado de receber a missão”.

Em meio a muitas dúvidas, há uma certeza: é o governo federal quem vai bancar os custos da intervenção, conforme acentuou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). E isso é um achado para Estados falidos que, sem condições de prover o mínimo necessário à população, encontraram a fórmula ideal para transferir para a União sua responsabilidade pela crise e passar a conta para os contribuintes dos outros Estados. Além disso, todo o ônus de um eventual fracasso da intervenção será sempre do presidente.

Assim, na base do improviso, o governo federal assumiu uma responsabilidade que não lhe compete. Sua atribuição é manter as contas públicas em ordem, e não sanear a polícia corrupta de um Estado arruinado por anos de desmandos cometidos por governantes eleitos pelo voto da mesma população que hoje pede socorro. Ao abandonar a crucial reforma da Previdência para intervir na segurança pública no Rio sem um plano muito bem definido, o governo Temer parece contar com nada mais que a sorte.

O Rio de Janeiro e as baratas - GIL CASTELLO BRANCO

O GLOBO - 20/02
Para que efeitos da intervenção sejam estruturais, serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia

A intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro já deveria ter ocorrido há mais tempo — e não apenas na segurança pública —, tendo em vista a putrefação das finanças, da política e a crescente convulsão social.

Há pouco mais de um ano, o estado autodeclarou a sua penúria. Conforme a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a relação entre a despesa com pessoal e a receita corrente líquida (RCL) no Poder Executivo deveria ser de 49% e estava em 61,73% ao fim de 2017. Na mesma época, a Dívida Consolidada Liquida — que deveria corresponder a, no máximo, 200% da RCL — estava em 232,06%. O descumprimento da LRF era camuflado nas informações oficiais, sistematicamente maquiadas. O ajuste fiscal promovido em 2017, alardeado pelo governador, foi uma imposição da Secretaria do Tesouro Nacional, a duras penas aceito pelo estado, unicamente porque não havia outra saída. A verdade é que o Rio de Janeiro já estava quebrado pela má gestão e pela corrupção.

De lá para cá, além dos indicadores fiscais, o que já era ruim ficou pior. Foram presos governadores, políticos e conselheiros do Tribunal de Contas. Arrastões, roubos e comércio de cargas roubadas, interrupções de vias públicas, invasão do Maracanã, tiroteios, assassinatos de policiais e até crianças mortas por balas perdidas passaram a fazer parte do cotidiano do carioca.

A população passou a conviver com a calamidade pública e, é obvio, receberá, de braços abertos, mais uma vez, as Forças Armadas. Resta saber, porém, se o efeito será apenas — como das vezes anteriores — o de uma dedetização mal feita, em que os insetos apenas se deslocam temporariamente para as áreas vizinhas e depois retornam.

Para que os efeitos sejam estruturais, serão essenciais planejamento, inteligência, tecnologia, a reconstrução e integração das polícias Civil e Militar, o combate intenso ao tráfico de drogas e de armas, a desestruturação das milícias e o enfrentamento rigoroso à corrupção dentro do próprio aparato policial.

Por outro lado, a anarquia no Rio de Janeiro, cujo ápice ocorreu no carnaval, foi um “achado político” para Temer e o MDB. A intervenção desviou o foco da fracassada reforma da Previdência, da crise fiscal e dos casos de corrupção que os envolvem e poderá melhorar a imagem do partido, caso os militares reduzam o caos. Na imagem de um boxeador que vinha sendo impiedosamente surrado no canto do ringue, Temer saiu das cordas. Mas daí a dizer que poderá ganhar a luta em outubro, como alguns assessores já preveem, vai uma distância imensa...

O que preocupa no que diz respeito à intervenção é, justamente, a “pirotecnia política”, que já se faz notar. A criação de um ministério extraordinário para a Segurança Pública é um exemplo. Afinal, o ministério atualmente existente já se chama Ministério da Justiça e da Segurança Pública e abriga os órgãos relacionados ao tema, como Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Fundo Penitenciário e Fundo Nacional de Segurança Pública.

Apesar do repentino interesse das autoridades pelo setor, de 2016 para 2017 as aplicações federais em todo o país para investimentos (obras, aquisição de equipamentos etc.) na função “segurança pública” foram reduzidas de R$ 1,1 bilhão para R$ 869,5 milhões, em valores correntes efetivamente pagos. No Orçamento de 2018, recém-aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Temer, os investimentos autorizados na função segurança pública somam R$ 1,3 bilhão, enquanto o valor aprovado em 2017 chegou a R$ 1,7 bilhão. Ou seja, os políticos correm, agora, para aumentar o que recentemente diminuíram. E cairá, como sempre, no colo da União a conta do descalabro político-financeiro do Estado do Rio de Janeiro.

Outros estados certamente reivindicarão auxílios semelhantes, até porque também possuem problemas relacionados à segurança pública. Paradoxalmente, o governo do Rio não possui verbas para consertar e abastecer as viaturas policiais, mas tem um estádio de futebol e um parque olímpico de primeiro mundo.

Um dos mais importantes filósofos do século XIX, Friedrich Nietzsche, dizia: “Os políticos dividem os seres humanos em duas classes: instrumentos e inimigos”. Assim sendo, sobretudo em ano eleitoral e diante do caos que assola o estado, os cidadãos precisam estar atentos e cobrar providências definitivas. Da intervenção federal, comandada por um general, esperam-se resultados muito melhores do que aqueles que as operações “espalha barata” produziram na ocasião dos grandes eventos realizados no Rio.

Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas