terça-feira, fevereiro 06, 2018

O mistério da Lava-Jato - CARLOS ANDREAZZA

O GLOBO - 06/02

Dúvidas derivam da falta de transparência dos segredos da Odebrecht. MPF recebeu material em agosto de 2017. Nunca se falou da impossibilidade de ser lido


O ótimo repórter Thiago Herdy, neste O GLOBO, publicou — no último 29 de janeiro — matéria cujo teor, importantíssimo e escandaloso, é tão eloquente sobre o estado de coisas no Brasil quanto o fato de haver pouco repercutido é representativo do espírito do tempo em que vivemos. Chama-se “Chaves para abrir segredos da Odebrecht estão perdidas” e dá conta de que o cidadão brasileiro provavelmente jamais saberá o que abriga um dos sistemas usados pelo setor de Operações Estruturadas da empreiteira para organizar a distribuição de propina. A trama se complica quando somos lembrados de que a entrega dos dados reunidos no programa — Mywebday é o nome do troço — compõe o acordo de leniência firmado pela empresa.

Há seis meses, cinco discos rígidos com cópia das informações — e dois pen drives que deveriam dar acesso ao software — chegaram ao Ministério Público Federal. Desde então, porém, nada. Nem MPF nem Polícia Federal conseguiram restaurar-lhe o conteúdo. De consistente mesmo, a respeito, apenas o movimento — em curso — para abafar a história e deixar tudo como está, e a desconfiança de que o trabalho por quebrar os códigos do programa foi deliberadamente negligenciado. Um exemplo, na melhor das hipóteses, da profundidade da incompetência em questão: o MPF simplesmente não testou as chaves de acesso no momento da entrega do material. Hoje, suspeita-se — tudo, claro, sob investigação — de que os dispositivos tenham sido apagados e reescritos.

Que tal?

Respire fundo, leitor, para lidar com a declaração a seguir: “O sistema está criptografado, com duas chaves perdidas. Não houve meio de recuperar. Nem sei se haverá. Não houve qualquer avanço nisso.”

Oi? O quê? Como é? A coisa fica especialmente confusa quando revelado o autor dessa fala — que seria blasé não fosse irresponsável: Carlos Fernando dos Santos, um dos coordenadores da Lava-Jato em Curitiba, cujo tom francamente despreocupado com o interesse público é inconsistente com o histórico sempre tão indignado do doutor, embora exato em expressar o modelo de atuação escolhido pelos procuradores da força-tarefa.

São muitas as dúvidas. Todas derivam da falta de transparência acerca do conteúdo do Mywebday. O Ministério Público Federal recebeu o material — extraído de servidor na Suíça — em agosto de 2017. Nunca se falou sobre a impossibilidade de ser lido. Desde então, conforme noticiado, a única restrição de acesso — muito problemática — tinha origem contratual: segundo uma das cláusulas estabelecidas no acordo com a Odebrecht, só os procuradores poderiam analisar os dados — em detrimento, claro, da Polícia Federal, o órgão investigador por excelência. Algumas reportagens, entre agosto e novembro do ano passado, registraram o motivo da seletividade: o MPF zelava pela exclusividade — e aqui o colunista tenta não rir — para evitar que os documentos vazassem.

Paralelamente, fontes da PF faziam circular na imprensa a avaliação de que o Ministério Público Federal — também como componente da briga corporativa por poder entre as duas instituições — impunha-se como único a custodiar as informações porque desejava o monopólio para manuseá-las, e porque a empreiteira teria receio de que temas não abordados nas colaborações premiadas de seus executivos pudessem ser explorados pelos policiais. Em setembro, em resposta a pedido da defesa do ex-presidente Lula, o juiz Sergio Moro determinou que o sistema fosse periciado pela Polícia Federal — mas também sobre os desdobramentos dessa decisão prevaleceu a desinformação.

Não daria outra. A falta de clareza a respeito do Mywebday e as legítimas desconfianças decorrentes do que é obscuro criaram as condições para a ascensão influente de narrativas falaciosas como a do petismo — e ofereceram elementos para que a defesa de Lula acusasse o MPF de tratar o software como inviolável para esconder a ausência de provas, nos documentos, que sustentassem a palavra de delatores da Odebrecht contra o ex-presidente.

Incontroverso é que o episódio — o descaso para com a substância do sistema — evidencia mais uma vez a distorção no modo como o Ministério Público Federal compreende e usa o instituto da colaboração premiada. Essa deturpação de finalidade autoriza algumas reflexões. Por exemplo: se o MPF tivesse priorizado o ingresso ao programa, talvez encontrasse conjunto de informações capaz de tornar prescindíveis os acordos de delação (ou boa parte deles) firmados com quase 80 executivos da Odebrecht. Se tivesse se dedicado, antes de tudo, a decifrar o sistema (ou a comprovar a impossibilidade de fazê-lo), quem sabe o Estado brasileiro se livrasse de ter de oferecer tantos benefícios a tanta gente; e quem sabe a colaboração premiada deixasse de ser muleta para investigadores incompetentes (e/ou apaixonados pelo palanque) e se tornasse o que é: recurso complementar. Nesse caso, é provável, teríamos mais provas e menos heróis.

Uma pergunta final e urgente: se a entrega do conteúdo codificado no Mywebday integra o acordo de leniência da empresa, e se, afinal, sua leitura for mesmo inexpugnável, isso não significará comprometer gravemente o contrato firmado entre empreiteira e Estado brasileiro? Ficará por isso mesmo?

Tem caroço a ser pescado nesse angu.

Carlos Andreazza é editor de livros

A loucura da arte - JOÃO PEREIRA COUTINHO

FOLHA DE SP - 06/02

'Trama Fantasma' é obra-prima sobre opressão e submissão

Estranha ambição, essa, de quem deseja ser artista. A arte não é um prazer, no sentido prosaico do termo. É uma maldição prazerosa, o que é substancialmente diferente. Basta ler os testemunhos que os próprios criadores nos deixaram —falo dos grandes, não dos amadores. Onde está a alegria pueril?

Não está. Encontramos o tormento da ideia, o tormento da realização, o tormento do resultado. Uma espécie de relação sadomasoquista que, em muitos casos, pode cansar ou destruir. Anos atrás, Philip Roth anunciou que deixaria de escrever.

E depois, em explicação que perturbou os mais românticos, expressou certo alívio por nunca mais ter de enfrentar a página em branco.

É uma desistência, sim. Mas é, sobretudo, um ato de sobrevivência —como abandonar a droga que nos envenena docemente.

Mas a “loucura da arte” não se apaga quando se apaga a arte. Um verdadeiro criador está sempre submetido à tirania do detalhe —uma espécie de vigília obsessiva, uma atenção patológica às “dissonâncias trágicas da vida”. Não é possível despir o terno de escritor e vestir o robe de marido exemplar.

O mesmo Philip Roth, em um dos seus romances (“O Avesso da Vida”, creio), coloca o personagem Zuckerman a caminho do funeral do irmão —e ainda atento às paisagens, aos rostos, às palavras dos outros. Como se, apesar da circunstância funesta, houvesse ali material aproveitável para um vício que não para. Nem a solenidade do luto é respeitada por uma mente que não descansa.

Quanto ao resto, há pouco espaço para o resto. Só os ingênuos acreditam que as relações humanas, sentimentais, conjugais, são arenas de “igualdade”. Nunca são. Mas, quando existe um criador, essa verdade inconveniente é ainda mais verdadeira —e inconveniente.

A arte é a primeira paixão, apesar de todo o sofrimento. Como pode uma mulher (ou um homem) suportar a sombra do lugar secundário? Pela submissão. Ou, então, pelo abandono do criador.

É sobre tudo isso que nos fala “Trama Fantasma”, a obra-prima de Paul Thomas Anderson —ou, melhor dizendo, a obra-prima que eu sempre acreditei que Anderson seria capaz de fazer. O filme estreia no Brasil a 22 de fevereiro. Comece a contar os dias, leitor.

No centro da história, encontramos Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), costureiro londrino na década de 1950, que tem no trabalho a sua religião. Escrevo “religião” no sentido cerimonial do termo. Mas também no sentido metafísico —como verdade última que ilumina todas as suas rotinas cotidianas.

Como Kant nas suas deambulações por Köningsberg, Reynolds desenha novos vestidos com o café da manhã; depois trabalha no seu “ateliê”; faz um passeio ao final do dia; e, quando termina as suas criações, há um esgotamento físico e espiritual que o derruba momentaneamente.

É durante esse “spleen” que Reynolds, retirado na província para recuperar o ânimo, conhece uma nova musa, a empregada de hotel Alma (Vicky Krieps).

O criador ressuscita e, como sempre, procura repetir o cerimonial da sua vida: silêncio, trabalho e uma companhia feminina “conveniente”. Por “conveniente”, entenda-se: invisível aos seus olhos grande parte do tempo e apenas visível quando ele se digna olhar para ela.

Mas o comportamento dos outros é sempre mais incontrolável do que uma obra de arte. Primeiro, os seus gestos intrometem-se na nossa rotina bem ordenada. As imperfeições banais são amplificadas pela sensibilidade microscópica do artista.

Mas também porque Alma não se ajusta ao periférico papel que está reservado para as mulheres de Reynolds. Que fazer? Submeter-se? Abandoná-lo ou ser abandonada?

Alma recusa ambos. E, recusando, só lhe resta uma luta de vida e de morte pelo controle de Reynolds. Em todos os artistas, e sobretudo nos mais meticulosos, existe sempre um calcanhar homérico a ser descoberto.

“Trama Fantasma” é um prodígio de direção, a que a trilha sonora de Jonny Greenwood confere uma elegância perturbante. Mas são os atores que elevam o filme a uma “peça de câmara” sobre a obsessão e a submissão como o cinema contemporâneo nunca viu.

E, entre os atores, Daniel Day-Lewis merece as linhas finais. O próprio anunciou que “Trama Fantasma” é o seu último filme.

A confirmar-se, faz sentido: em toda a sua brilhante carreira, não existe nenhum outro papel em que o ator e o personagem, o criador e a criatura, nos falem tão intensamente com os mesmos gestos, o mesmo rosto, a mesma voz.

João Pereira Coutinho

Escritor português, é doutor em ciência política.

Muito além da corrupção - FABIO GIAMBIAGI

O Globo - 06/02

A despesa exceto juros do governo federal passou de 14% do PIB em 1991 para 24% do PIB em 2016, antes de ceder um pouco em 2017


É famosa a frase do jornalista americano Henry Louis Mencken de que “para todo problema complexo, há uma solução que é simples, elegante e errada”. A frase me veio à memória tempos atrás quando estava aguardando o elevador, carregando um livro que discutia por que a economia brasileira crescia tão pouco. Uma pessoa leu o título do livro e comentou: “Por que o Brasil cresce pouco? Ora, é simples: pela corrupção!”.

Não há dúvida de que a corrupção é uma chaga. Ela castiga o país de três formas. Primeiro, pela drenagem de recursos públicos que provoca. Segundo, porque devemos ser um dos países com a maior proporção de pessoas no mundo dedicadas a “esquemas”, sejam municipais, estaduais ou federais, o que é uma distorção alocativa dramática comparativamente às riquezas genuínas que esses indivíduos poderiam gerar caso se dedicassem a atividades legais e produtivas. E terceiro, o que talvez seja o mais grave, pelo efeito moral deletério sobre a cidadania.

Num país normal, as autoridades deveriam dar o exemplo e ser o espelho no qual cada habitante deveria se olhar procurando fazer o melhor para o seu país. No Brasil, porém, quando o indivíduo olha para a realidade que o cerca, é inescapável se lembrar, para quem a conhece, da frase de Rui Barbosa, de que “de tanto ver triunfar as nulidades; de tanto ver prosperar a desonra; de tanto ver crescer a injustiça; de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e a ter vergonha de ser honesto”.

Dito isso, porém, e ressalvados o mal que os problemas desvendados pela Lava-Jato causaram e o papel positivo que a ação da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça tem tido para construir um país melhor, a ideia de que a causa principal dos males do Brasil é a corrupção é um equívoco. Insisto com três dados que nunca me canso de repetir. O primeiro, que a despesa exceto juros do governo federal passou de 14% do PIB em 1991 para 24% do PIB em 2016, antes de ceder um pouco em 2017. O segundo, que a idade em que as pessoas se aposentam por tempo de contribuição no Brasil é de 53 anos para as mulheres e 55 para os homens. E o terceiro, que a preços de 2018, deflacionada pelo deflator do PIB com uma estimativa para o ano em curso, a despesa do INSS, que foi de R$ 190 bilhões no começo da estabilização, em 1995, será de mais de R$ 580 bilhões em 2018. Mais um dado para informação do leitor: o que se gasta com benefícios assistenciais de um salário mínimo é equivalente a seis vezes o total do investimento do governo federal. Nada disso tem a ver com corrupção, e sim com um país onde muitas pessoas se aposentam cedo, os recursos públicos são pessimamente utilizados e que é pouco propenso a aceitar as regras da competição como algo associado ao sucesso dos indivíduos, das empresas e dos países.

Tomemos um exemplo prosaico. Pensemos no João, um caso de trabalhador comum. Tendo sido um aluno fraco, abandonou há pouco mais de dez anos o ensino médio com notas baixas. Aos 30 anos, não consegue se firmar em empresa alguma e já acumula dois períodos de recebimento do seguro-desemprego durante alguns meses. A essa idade, já tem dois filhos de dois casamentos, e sua atual namorada está esperando o terceiro. O trabalho que fazia já passou a ser feito por máquinas em duas oportunidades. No primeiro caso, porque lançava dados como digitador de informações numa empresa que hoje captura as informações no sistema. No segundo, porque o trabalho manual como operário numa planta, agora é feito por um pequeno robô.

Sem maiores qualificações, vive pulando entre uma ocupação e outra, com salários que variam de R$ 1.500 a R$ 2.000. Provavelmente, ele se indigna, com razão, ao ler o noticiário sobre a profusão de escândalos do país. Infelizmente, porém, mesmo que tivéssemos padrões escandinavos de gestão da coisa pública, a realidade nua e crua é que João está desaparelhado para enfrentar a competição no mundo de hoje. Isso requer uma macroeconomia saudável, uma educação de qualidade e um ambiente econômico onde, como diz um amigo economista, a empresa invista no empregado, e o empregado invista na empresa. E isso vai muito além da corrupção. Não há saídas fáceis para o Brasil.


Se aprovar reforma, Temer pode mudar o nome para MacGyver - RANIER BRAGON

FOLHA DE SP - 06/02

Apesar de desânimo geral, governo quer fazer crer que ainda acredita que terá êxito



Os mais antigos não vão precisar de descrição. Ele dava nó em pingo d'água com o que tivesse à mão. Bastavam quatro palitos de fósforo, um graveto e duas marias-moles e ele era capaz de montar um fuzil para dizimar os inimigos.

MacGyver foi um sucesso nos anos 1980 e 1990 em seu "Profissão Perigo", nome que o enlatado norte-americano ganhou por aqui.

Mesmo que não tenha nenhum palito, graveto ou maria-mole à mão, se Michel Temer conseguir aprovar a reforma da Previdência pode mudar o nome para MacGyver.

Praticamente nenhum político em Brasília leva a sério, hoje, a hipótese de a Câmara dos Deputados dar aval ao pacote na volta do Carnaval.

É preciso ter pelo menos 60% dos votos, um caminhão de 308 cabeças dispostas a se colocarem na guilhotina a oito meses das eleições. O próprio governo diz ter um deficit de apoio na casa dos 60 votos.

Isso sem falar que, depois dos deputados, seria preciso enfrentar o imponderável no Senado.

Falando sério: a reforma da Previdência teve sua última chance de ser aprovada no ano passado, após Temer barrar as denúncias contra ele e ganhar uma injeção de ânimo.

Não foi possível. Em vez de promoverem as exéquias naquela época mesmo, resolveram manter os tubos no paciente até agora, sabe-se lá por que exatamente. Medo da reação do mercado, crença em Papai Noel, não é possível precisar.

Temer quer, em suas palavras, entrar para a história como o presidente reformista. Quer também promover ampla campanha de marketing para reduzir sua rejeição a apenas 60% —hoje está em 70%. Como bem lembra o chavão, política é como nuvem, muda a todo momento.

Mas se conseguir dar o pretendido "tapa" na imagem e aprovar as antipáticas alterações na Previdência a poucos meses da eleição, às vésperas de deixar o poder e com aprovação de 6%, pode mandar fazer a placa: Temer, o presidente MacGyver.

O País do carnaval - ELIANE CANTANHÊDE

ESTADÃO - 06/02

Os milhões que não vão às ruas por Lula e pela política se esbaldam no carnaval


Dois milhões de brasileiros foram às ruas de São Paulo no sábado e, no domingo, um milhão invadiu a Rua da Consolação, no centro da capital paulista. As fotos são impressionantes e dão muito o que falar e o que pensar. O “povo” não quer só desgraça, o “povo” quer festa e carnaval!

Eles protestavam contra ou a favor da condenação do ex-presidente Lula na Justiça? Ou da ameaça de prisão do maior líder popular do Brasil? Ou seria contra ou a favor do governo Michel Temer? Da reforma da Previdência? Da reforma trabalhista? Da privatização da Eletrobrás ou da combinação da Embraer com a Boeing dos Estados Unidos?

Seria então contra ou a favor da posse da deputada Cristiane Brasil no Ministério do Trabalho? Do auxílio-moradia de juízes, procuradores e parlamentares? Ou da falta de julgamento dos políticos com mandato pelo Supremo?

Ah! Foi por causa do aquecimento global, da crise hídrica, das peripécias de Donald Trump, da implosão da Venezuela? Senão, foi contra o Aedes aegypti, que continua dando um banho nas autoridades brasileiras? Ou diretamente contra as doenças transmissíveis? Num ano, zika, chikungunya, H1N1. No outro, febre amarela. Febre amarela, que se combate com vacina???

Não, nada disso. Milhões de pessoas estão indo às ruas de São Paulo, do Rio, de Salvador, do Recife... para pular o carnaval e mostrar que o Brasil é muito maior do que sua corrupção e seus poderosos. Aliás, uma semana antes de o carnaval começar, como os deputados e senadores, que abriram o Ano Legislativo ontem já com um pé no avião para a folia nos seus Estados ou para uma “folga” numa cidade bem bacana ou em praias paradisíacas.

O fato é que, como a gente sempre fala aqui neste espaço, tem sempre alguém prevendo protestos, quebra-quebras, incêndios e mortes se Dilma Rousseff cair, se mudarem as regras do pré-sal, se o Congresso derrubar as denúncias da PGR contra Temer, se a reforma isso ou aquilo passar, se...

Nada disso aconteceu, nem mesmo quando o TRF-4, de Porto Alegre, não apenas manteve a condenação de Lula como aumentou a pena imposta pelo juiz Sérgio Moro, de 9 anos e meio para 12 anos e 1 mês, pedindo cumprimento de pena após tramitação dos recursos no próprio tribunal. Um punhado de militantes desfilava com suas bandeiras vermelhas, enquanto a Bovespa batia recorde e o dólar caía. Tudo dentro dos conformes.

O presidente do TRF-4 circulou por gabinetes de Brasília, o ministro da Justiça foi a Porto Alegre, o centro da capital gaúcha foi isolado, atiradores de elite foram acionados. Muito ruído por nada. Nem os apoiadores de Lula nem os críticos de Lula queriam guerra nem “mortes”.

O povo brasileiro está cansado de escândalos, de roubos, de crises, de cortes, de todos os partidos embolados numa grande nuvem de confusões. Mas o povo brasileiro nunca se cansa de carnaval.

Aliás, não apenas nos tradicionais Rio, Salvador, Recife, porque o carnaval de rua cresce, ano a ano, em São Paulo e as fotos do Estado de ontem mostram a força não só dos blocos de rua, mas também da alegria e da disposição do brasileiro para a folia, para as festas populares.

Se houve fotos impactantes assim na política foi nas Diretas-Já e em junho de 2013, quando um aumento de centavos nas passagens urbanas detonou um protesto gigantesco, surpreendente, sem lideranças, partidos, alvos diretos. Mas que continua provocando efeito.

Aquela manifestação foi apartidária e um alerta geral aos poderosos. E é altamente improvável que se repita contra a prisão de condenados por corrupção, mesmo que esse condenado seja Lula. O “povo” é anticorrupção e pró-carnaval!


Sem prescrição - MERVAL PEREIRA

O Globo - 06/02

A defesa do ex-presidente Lula caminha para mais uma derrota no recurso no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao basear sua tese na prescrição do crime de corrupção passiva, que já foi rejeitada tanto na primeira instância pelo juiz Sergio Moro quanto no TRF-4 pelo relator Gebran Neto, que foi seguido pelos outros dois desembargadores da Turma.

A alegação da defesa nos memoriais é de que “(...) se o benefício material — vantagem indevida — ocorreu em 2009, o crime de corrupção, em qualquer modalidade aventada, já teria se consumado naquele momento”. Com o prazo para prescrição de 6 anos, o crime estaria prescrito em outubro de 2015, 11 meses antes do recebimento da denúncia por Sergio Moro, em setembro de 2016. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, condenado no mensalão e hoje atuando como advogado no Supremo, defende a tese da prescrição.

No entanto, na sentença condenatória, que foi aceita pelo TRF-4, o juiz Sergio Moro argumentou expressamente, nos itens 877 e 888, que parte dos benefícios materiais foi disponibilizada em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento imobiliário, e parte em 2014, quando das reformas, e igualmente, quando em meados daquele ano, foi ultimada a definição de que o preço do imóvel e os custos das reformas seriam abatidos da conta-corrente geral da propina, segundo José Adelmário Pinheiro Filho, o Léo Pinheiro, presidente da empreiteira.

Foi, portanto, escreveu Moro, um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos de outubro de 2009 a junho de 2014, aproximadamente. Nessa linha, o crime só teria se consumado em meados de 2014, e não há começo de prazo de prescrição antes da consumação do crime.

O relator no TRF-4, desembargador Gebran Neto, aumentou a pena de Lula pela “alta culpabilidade”, sendo 8 anos e 4 meses por corrupção passiva e 3 anos e 9 meses por lavagem de dinheiro, dois crimes distintos cujas penas são somadas por “concurso material” entre as condutas, sem contar para o cálculo da prescrição.

Baseando-se na tese de Moro, confirmada pelo TRF-4, mesmo que não houvesse aumento da pena, o crime de corrupção passiva não estaria prescrito. O de lavagem de dinheiro não entra na disputa judicial, pois, na interpretação do Supremo, trata-se um crime permanente, cuja execução se prolonga no tempo. Nos Tribunais Superiores há o entendimento de que a ocultação é um crime permanente.

O balanço das decisões do STJ divulgado recentemente mostra que os recursos que tiveram a defesa como parte solicitante, seja advogado ou defensoria pública, apresentaram resultados pouco animadores para os condenados: em 0,62%, absolvição; em 1,02%, substituição da pena restritiva de liberdade por pena restritiva de direitos; em 0,76%, prescrição; em 6,44%, diminuição da pena; em 2,32%, diminuição da pena de multa; em 4,57%, alteração de regime prisional.

Isso acontece porque tanto o STJ quanto o STF só podem analisar questões de direito e não de fato. O primeiro verifica se houve violação às leis federais, e o Supremo, violações à Constituição. Podem rever o mérito, mas raramente o fazem. Tendo sido mantida a condenação, e aumentada a pena, é difícil que o STJ admita uma prescrição que foi rejeitada pelas duas instâncias anteriores.

Se houvesse a hipótese de a pena ter sido aumentada no TRF-4 para impedir a prescrição do crime, estaria determinada uma ilegalidade, pois esta não é uma das razões para agravar a pena de um condenado. No julgamento do mensalão houve uma discussão sobre o tema entre os ministros Luís Roberto Barroso e o relator Joaquim Barbosa.

Barroso, que só participou do julgamento na fase dos embargos infringentes e ajudou com seu voto a absolver os réus, inclusive José Dirceu, da acusação de crime de quadrilha, insinuou que houve a exacerbação de certas penas para evitar a prescrição de crimes.

Surpreendentemente, foi interrompido por Joaquim Barbosa, que, como relator, era o responsável por sugerir as penas: “Foi feito para isso sim”, afirmou. O ministro Barroso tentou levar a decisão sobre formação de quadrilha para a prescrição da pena, sem que o mérito fosse julgado, mas acabou defendendo a absolvição de todos os condenados no caso de quadrilha, pois considerou inexistentes as características daquele crime.

A polêmica afirmação de Joaquim Barbosa não teve consequências, pois acabou prevalecendo a absolvição.

PS — Na coluna de domingo, me referi à súmula 291 do STF, quando se trata da súmula 691, que diz que “não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar”. (Com a assessoria técnica do advogado criminalista João Bernardo Kappen)


Vale-tudo nas estatais - JOSÉ CASADO

O GLOBO - 06/02

Estatais que dependem de socorro do Tesouro somaram prejuízos de R$ 62,5 bilhões. Mas pagaram bônus a diretores e empregados, como se fossem lucrativas



Uma empresa estatal acumulou mais de R$ 9 bilhões de prejuízos nos últimos cinco anos. Já recebeu um socorro de R$ 6,8 bilhões do Tesouro, mas continua perdendo R$ 5 milhões por dia. Significa uma drenagem de R$ 3,5 mil por minuto dos cofres públicos.

Ela abriga dez mil pessoas na folha de pagamentos, e considera que quatro em cada dez são “excedentes” porque perdeu 50% da receita. Muitos nem têm mais o que fazer. Em Florianópolis, por exemplo, há uma centena à espera de demissão ou remoção desde meados do ano passado, quando o Aeroporto Hercílio Luz passou para a iniciativa privada.

Ainda assim, a Infraero começou fevereiro com a nomeação de 200 novos assessores “de confiança”. Essa estatal combalida é apenas uma das que foram entregues pelo governo Michel Temer ao Partido da República.

O donatário, chefe do PR, é um ex-presidiário, condenado e perdoado no caso mensalão. Valdemar Costa Neto não tem mandato, função pública ou cargo partidário, mas desfruta de intimidade com o poder porque administra 37 votos no plenário da Câmara, reaberta ontem.

Ele gerencia um caixa partidário que neste ano vai engordar 256%, apenas com transferências diretas do Tesouro. Valdemar já garantiu R$ 146 milhões para as eleições do PR.

A influência do partido sobre os negócios e cargos-chave em estatais, ministérios e agência reguladoras, como a de Transportes, é parte do jogo para ampliar a bancada em outubro.

O caso do PR de Valdemar é exemplar do loteamento governamental intensificado nos governos Lula, Dilma e, agora, Temer. O resultado está visível nas contas federais e de empresas como Petrobras, Eletrobras, Caixa Econômica, Infraero, Correios e da maioria das outras 144 estatais na última década e meia.

Mês passado, técnicos da Fazenda e do Planejamento analisaram o desempenho de 18 empresas públicas que dependem de repasses mensais do Tesouro Nacional para pagar sua existência — de salários a contas de água e luz.

Essas estatais receberam R$ 49,1 bilhões em injeções de recursos entre 2012 e 2016. E somaram um prejuízo líquido de nada menos que R$ 62,5 bilhões nesses quatro anos — as perdas correspondem a 39% do rombo estimado nas contas federais deste ano (R$ 159 bilhões).

O loteamento somado à incúria deixou empresas em situação pré-falimentar, como ocorre com a Infraero, Correios, Casa da Moeda, Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev) e Empresa Gestora de Ativos (Emgea), entre outras. Em comum, elas têm as despesas crescentes com pessoal e uma contínua e significativa redução de receitas.

A lógica nas decisões administrativas é a de que se a empresa é pública, ela é de ninguém. O regime de vale-tudo permite coisas como a alquimia da ineficiência em virtude.

O Ministério do Planejamento acaba de relatar ao Tribunal de Contas que, apesar das perdas acumuladas, mais de uma dezena de empresas estatais dependentes do Tesouro distribuíram gratificações a diretores e empregados sob a justificativa de participação nos resultados.

Socializaram o prejuízo e privatizaram um lucro que nunca existiu. Nem no papel.

A infraestrutura não pode mais esperar - CÉSAR BORGES

FOLHA DE SP - 06/02

É necessário, na esfera federal, desenvolver o programa de concessões de rodovias


Há muitos anos ouvimos e compartilhamos a opinião de diversos setores da sociedade que pregam a participação do capital privado =via programas de concessão ou via parcerias público privadas= como única alternativa para resolvermos os graves problemas da infraestrutura brasileira.

No entanto, se tal diagnóstico é uma unanimidade, por que não equacionamos os problemas das atuais concessões federais e não lançamos novas propostas, factíveis e realistas para atrair o capital privado?

Na esfera federal, há uma situação preocupante e que se agrava. O programa de concessões de rodovias federais está estagnado e sem perspectivas de solução em curto prazo.

Em novembro de 2016 foi editada a medida provisória 752, com o objetivo de equacionar o sério problema dos contratos federais da terceira etapa. Sancionada como a lei 13.448 em junho de 2017, não teve ainda a regulamentação necessária para a sua efetivação.

Posteriormente, em setembro de 2017, uma nova medida, MP 800, foi editada buscando outras soluções não contempladas pela lei anterior. Atualmente, encontra-se em análise pela Câmara dos Deputados, mas também sem qualquer aplicação até o presente momento. Na prática, nada ainda aconteceu.

Segundo cálculos dos associados da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), há um potencial de investimento da ordem de R$ 25 bilhões a ser destinado à modernização e melhoria dos 10 mil quilômetros de rodovias concedidas, caso essas questões sejam resolvidas e novos valores sejam liberados.

O diagnóstico é claro: falta centralidade e vontade política no poder público federal, além de um planejamento calcado em uma percepção nítida acerca das necessidades de viabilizar uma concessão à iniciativa privada.

A criação do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), ligado à Presidência da República, trouxe a expectativa de que o nó das concessões em logística seria finalmente desatado. Passado mais de um ano, porém, vemos um emaranhado ainda maior, com leis e medidas provisórias a serem regulamentadas.

É fundamental que a tomada de decisão seja centralizada em um setor apenas do governo federal, que deve assumir integralmente a missão de fazer o programa acontecer de fato. Aos outros órgãos federais cabe a missão republicana de contribuir para a evolução de proposta e atender aos legítimos interessados, os usuários de concessões.

Segundo estudo da CNT (Confederação Nacional do Transporte), os investimentos privados em rodovias são 122,1% maiores que os públicos, embora a extensão da malha pública pesquisada seja 2,5 vezes maior que a privada.

São Paulo abriga hoje as 19 melhores rodovias do país, todas concedidas à iniciativa privada. Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais e Pernambuco, entre outros Estados, estão seguindo o mesmo caminho.

Ou seja, o modelo funciona nos Estados. Está comprovado. É necessário, na esfera federal, desenvolver uma visão de progresso de longo prazo para o programa de concessões de rodovias.

O Brasil precisa voltar a crescer, já. O desenvolvimento da infraestrutura não pode mais esperar. E a concessão é o melhor caminho neste momento.

CÉSAR BORGES é presidente-executivo da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias). Foi ministro dos Transportes (governo Dilma), governador da Bahia e senador

Subestimando o risco - EDITORIAL FOLHA DE SP

FOLHA DE SP - 06/02

Forças governistas ensaiam deixar para 2019 a tarefa de reformar a Previdência

Depois de dois anos de considerável avanço reformista, fatores econômicos e políticos conspiram contra o sentido de urgência das forças reunidas em torno do governo Michel Temer (MDB).

De mais visível, há a relativa tranquilidade dos mercados financeiros e os sinais mais visíveis de recuperação dos setores produtivos. As previsões para a expansão do Produto Interno Bruto neste 2018 de eleições aproximam-se mais dos 3% que dos 2%.

A inflação está sob controle e os juros caminham para novo recorde de baixa; as volumosas reservas em dólar do Banco Central e a vigência do teto para as despesas federais garantem, por ora, a solvência do país e do Tesouro Nacional.

De mais recente, mas não menos importante, houve a condenação judicial do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tende a tirar da corrida ao Planalto o líder das pesquisas —e principal voz contra a agenda de ajuste liberal.

Se o Datafolha demonstra a resiliência do lulismo, dado que 27% dos entrevistados declaram a intenção de votar em candidato apoiado pelo cacique petista, o fato é que tal candidato inexiste no momento. Ademais, outros 53% dos brasileiros rejeitam tal hipótese.

Nesse cenário, não espanta que o comércio de prognósticos anônimos de Brasília especule sobre o ocaso da reforma da Previdência, enquanto diferentes setores da coalizão situacionista tratam de seus interesses e estratégias eleitorais.

Por improváveis que sejam, nomes como os do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), e do próprio Temer ainda circulam como potenciais postulantes ao Planalto.

Ainda que tudo não venha a passar de blefe na negociação de alianças, a disposição de unir forças em prol de um projeto controverso certamente sai prejudicada.

Parece ser da natureza da atividade política subestimar o risco econômico. Tanto quanto possível, prefere-se contar com alguma sorte a dar más notícias ao eleitorado.

Estas hoje seriam: a calmaria dos mercados é ilusória, a recuperação da renda nacional é frágil e o conserto do Orçamento ainda se encontra em estágio inicial.

O país perdeu a oportunidade de redesenhar seu sistema de aposentadorias enquanto as finanças públicas ainda mostravam razoável solidez; agora, qualquer demora significa menos recursos para outras prioridades ou alta insustentável da dívida pública.

Mesmo que se deixe a tarefa para o próximo governo, até lá será preciso encarar os votantes. O último pleito presidencial já proporcionou um trágico exemplo de campanha descolada da realidade.

A moralização do auxílio-moradia e outros - EDITORIAL O GLOBO

O Globo - 06/02

Em vez de benefícios nada transparentes a várias categorias na área pública, que sejam pagos às claras salários condizentes com a função do servidor


O auxílio-moradia de juízes ressuscitou como tema polêmico não apenas porque o Supremo tratará do assunto, mas devido ao fato de nomes ilustres estarem na lista de beneficiários. O fato de Sergio Moro, principal juiz da Lava-Jato, baseado em Curitiba, e Marcelo Bretas, magistrado da Operação no Rio, receberem o auxílio mesmo morando em imóveis próprios — no caso de Bretas, também a mulher, juíza — termina sendo utilizado politicamente pelo lulopetismo, por razões evidentes.

Mas não se trata de crime, porque este adicional, hoje de R$ 4.377, segue lei e normas baixadas pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Este adicional foi criado pela Lei Orgânica da Magistratura (Loman), de 1979, destinado ao juiz transferido para local em que não existe imóvel funcional.

Em outubro de 2014, o CNJ fixou estes R$ 4.377 como limite do auxílio, estendendo-o a todos os juízes que trabalham em cidades em que não há imóvel funcional, mesmo com residência própria. Um mês antes, o juiz do Supremo Luiz Fux, diante de ações impetradas por entidades de magistrados, com o pedido de o auxílio ser ampliado para as Justiças Militar e do Trabalho, concedeu liminar atendendo à demanda. Fux em dezembro deixou o processo à disposição do plenário, para o julgamento que será em março, segundo a presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia.

Magistrados como Moro e Bretas, e muitos outros, conseguiram o subsídio pelas vias normais, como deve ser. Moralmente questionável, mas dentro das regras. Querer misturar o trabalho elogiável de vários desses magistrados, no combate à corrupção, com este deslize é má-fé.

Este caso mostra um dos caminhos tortuosos que a burocracia estatal usa para conseguir aumentar a renda. Há outros casos, não fosse este um comportamento típico dentro do Estado — a busca por brechas para elevação de salários.

O auxílio-moradia também irriga a conta bancária de congressistas, como revelou ontem a “Folha de S.Paulo”. Foram listados 13 parlamentares, entre deputados e senadores, que embolsam esta espécie de bolsa residência, mesmo sendo proprietários de imóveis em Brasília, como no caso de magistrados.

Há, ainda, a tal “verba de gabinete”, para financiar custos do parlamentar — viagens, combustível, correio etc. Esta é outra caixa-preta a ser aberta. Em algumas regiões persiste o “auxílio-paletó”, supostamente para que o parlamentar se apresente condignamente.

Na verdade, é tudo uma grande farsa para se fingir que o teto salarial no setor público, de R$ 33.763, a remuneração de ministro do Supremo, é obedecido. E em muitos recantos da máquina pública não é.

Tudo isso requer um choque de realidade: devem-se pagar salários à altura da responsabilidade do servidor público e acabar com estes subterfúgios invisíveis (bolsas, auxílios, indenizações) sobre os quais não há controle. Tudo às claras.


Uma questão de escolha - EDITORIAL O ESTADÃO

ESTADÃO - 06/02

Cabe ao presidente da Câmara decidir se deseja obter o que seria a principal vitória de sua biografia política, entregando ao País a reforma da Previdência


O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), reafirmou a manutenção do calendário para a reforma da Previdência, dentro dos termos anunciados no fim do ano passado. “Antes do dia 20 de fevereiro, não há da minha parte nenhum posicionamento para tirar a reforma da Previdência da pauta da Câmara”, disse Maia, em nota à imprensa.

Antes, o jornal Folha de S.Paulo havia noticiado que o presidente da Câmara pretendia engavetar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/16 em razão de suposta incerteza do governo a respeito dos votos necessários para a aprovação da matéria na data prevista, 20 de fevereiro. Seria uma forma de Rodrigo Maia pôr sobre os ombros do Executivo a responsabilidade por um eventual fracasso da tramitação da reforma da Previdência, deixando o texto atual como “legado” para ser votado em 2019.

Foi oportuno, portanto, o esclarecimento de Rodrigo Maia, assegurando que está mantida a data de votação. Mas é preciso advertir que a recente manifestação do presidente da Câmara não é tudo o que se espera dele, tendo em vista a importância para o País da aprovação da PEC 287/16, que altera as regras de concessão de aposentadorias e benefícios.

Há muito ficou patente a necessidade da reforma da Previdência. É crescente, insustentável e profundamente desestabilizador o déficit causado pelas atuais regras previdenciárias. O rombo registrado atualmente – e que tem sido a principal fonte do desequilíbrio das finanças públicas que, à custa de um severo programa de ajuste, o governo vem procurando conter – só crescerá nos próximos anos se nada for feito desde já. Além disso, a PEC 287/16 reduz as desigualdades entre a Previdência dos servidores públicos e a dos trabalhadores da iniciativa privada. O sistema atual é profundamente injusto, concedendo iníquos privilégios a um pequeno grupo de pessoas em detrimento da maioria da população.

Mesmo sendo tão evidente a necessidade da reforma da Previdência, aprová-la no Congresso não é uma tarefa fácil, especialmente por mexer nos interesses do funcionalismo. Como tem ficado notório nos últimos meses, há muita pressão para atrasar o andamento da PEC 287/16.

Diante desse quadro, repleto de dificuldades e também de muitas possibilidades, sobressai a responsabilidade do presidente da Câmara na aprovação da reforma da Previdência. Não há dúvida de que o presidente Michel Temer é um eficaz articulador político. O seu governo obteve a aprovação de reformas consideradas até então impossíveis. Mas não há passes de mágica. Por mais que o Poder Executivo esteja empenhado, uma reforma da Previdência exige o envolvimento ativo das lideranças do Congresso, muito especialmente do presidente da Câmara.

Nota-se, nesse sentido, uma diferença entre o comportamento do governo e o da base aliada no Legislativo. É evidente que o Palácio do Planalto está empenhado na aprovação da PEC 287/16. A natural impopularidade do tema, agravada pelas mentiras difundidas por interessados na manutenção do status quo, em nenhum momento foi óbice para que o presidente Michel Temer defendesse e continuasse a defender pública e reiteradamente a reforma da Previdência.

Em relação ao Congresso, não se tem, no entanto, a mesma facilidade para detectar o compromisso incondicional a favor da reforma da Previdência. Não há dúvida de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, apoia a reforma da Previdência. Ele manifestou muitas vezes a sua concordância com a PEC 287/16. Mas falta-lhe jogar-se por inteiro nessa empreitada.

A reforma da Previdência não é fácil, mas também não é uma tarefa impossível. A aprovação da PEC 287/16 continua a ser viável. Cabe ao Congresso decidir se deseja respeitar o mandato recebido do eleitor e ser responsável com o presente e o futuro do País. Cabe ao presidente da Câmara decidir se deseja obter o que seria a principal vitória de sua biografia política, entregando ao País a reforma que lhe é tão necessária, ou se se satisfaz em ser coadjuvante, apesar do cargo que detém. Não é hora de titubeios, especialmente de quem está na linha de frente.