segunda-feira, julho 23, 2018

Quais são os mitos de saúde espalhados pelas redes sociais?

Quais são os mitos de saúde espalhados pelas redes sociais?

FOLHA DE SP - 22/07

Folha checa as notícias falsas que os leitores receberam e enviaram para o jornal

Gabriel Alves
SÃO PAULO



Não repasse a mensagem a seus amigos e familiares. É muito importante —principalmente porque, acompanhada de apelos do tipo, ela tende a ser falsa.

Geralmente em tons alarmistas, as chamadas fake news trazem elementos inusitados e, seja logo de cara ou ao final, pedem que o conteúdo seja passado adiante.

A área da saúde é uma das favoritas. Afinal, é imprescindível saber como se proteger contra um infarto sozinho, qual ingrediente natural poderia curar um câncer ou que chá pode prevenir o surgimento da gripe, certo? Pena que seja tudo mentira.

Abaixo, a Folha checa as notícias falsas enviadas pelos leitores por meio do WhatsApp. Para participar, o número é 11 99490-1649.


- Cebolas fatiadas podem evitar gripe e outras doenças, atraindo vírus e bactérias? 

Não. A história inventada se passa no ano de 1919, quando a humanidade sofria os efeitos da gripe espanhola, que matou dezenas de milhões em todo o mundo. Ao visitar agricultores (não se sabe onde), um médico (não se sabe quem) teria descoberto um método usado por uma família capaz de prevenir a gripe: cebolas cortadas.

Elas absorveriam os vírus do ar. O tal médico, ao analisar amostras das cebolas apodrecidas no microscópio, teria observado partículas virais.

À época, embora a existência dos vírus era conhecida, não era possível observá-los. A primeira imagem só veio em 1940 com o auxílio de um microscópio eletrônico.

Segundo o conhecimento médico vigente, não é possível dizer que cebolas previnem gripe ou outras doenças infecciosas. Elas podem, inclusive, ser foco de propagação de fungos e bactérias ao serem deixadas para apodrecer em temperatura ambiente nos cômodos da casa.

- Farinha ajuda a tratar queimaduras? 

Não. A mensagem espalhada começa com a história de um veterinário vietnamita que teria tratado uma emergência de maneira inusitada, enfiando uma mão queimada do paciente em um saco de farinha. Dez minutos depois, a dor teria ido embora.

O boato não tem sentido, explica Samuel Mandelbaum, da Sociedade Brasileira de Dermatologia. “Não existe nada que comprove que a farinha ajuda, pelo contrário. Se o local estiver inchado e soltando líquido, a farinha vai grudar e virar uma massa. Quando o médico tiver que fazer a limpeza da lesão no hospital, pode haver dor e sangramento. Melhor deixar a farinha para fazer pizza e macarrão.”

O melhor tratamento é a imersão da região queimada em água fria ou gelada, o que pode até impedir o surgimento das dolorosas bolhas, se for feito rapidamente, além de promover alívio imediato --e não só dez minutos depois.

Também é importante deixar de lado outros produtos como óleo e pasta de dente, diz o médico.


-Água quente com limão consegue matar células cancerígenas? 

Não. Nas mensagens, supostamente o diretor do hospital do exército chinês pede a ajuda para espalhar a novidade: chá de limão (ou limonada quente) seria capaz de matar células cancerígenas e regular a pressão sanguínea.

Já houve estudos com substâncias derivadas do limão e de outras plantas que ficaram conhecidos como limonoides. Elas teriam potencial antitumoral, bactericida e fungicida, entre outras propriedades.

Não há, porém, evidências de que a substância, fria ou aquecida, trataria ou preveniria o câncer em humanos. Sabe-se que alimentação balanceada e exercícios físicos podem reduzir as chances.

Homeopatia e fígado de boi podem prevenir gripe? Não. Há um rumor de que um determinado remédio homeopático seria capaz de prevenir a infecção pelo vírus da gripe. Mas, como é recorrente na área da homeopatia, não há estudos científicos confiáveis que comprovem o benefício.

Outra mensagem afirma que o diretor do Hospital das Clínicas da USP, sem mencionar seu nome, teria dado algumas dicas para prevenir a gripe: evitar multidões, tomar vitamina C, consumir acerola e laranja e comer fígado de boi.

O próprio hospital já desmentiu a origem do alerta, mas, analisando os fatos, temos que: 1) evitar multidões pode até minimizar a chance de esbarrar com alguma pessoa doente, mas, ainda assim, o vírus pode chegar a qualquer pessoa pelo ar, 2) não há uma relação comprovada entre o consumo de vitamina C e a prevenção de gripe e 3) o bom estado nutricional, com ou sem consumo de fígado, pode ajudar o organismo a lidar com a moléstia.

“O que pode evitar a gripe, e ainda com algumas limitações, é a vacina”, diz a infectologista do Instituto de Infectologia Emílio Ribas Rosana Richtmann.


-Tamiflu contém erva-doce? 
Seria possível tratar a gripe com chá? 

Não. O boato do diretor do HC é acompanhado da dica de que seria possível tratar a gripe apenas tomando chá de erva-doce, que seria a fonte do remédio fosfato de oseltamivir (Tamiflu). A Roche, fabricante do remédio, afirma que não há erva-doce ou anis-estrelado na fórmula do medicamento, como se especula.

Também não há na literatura médica nenhuma indicação de que erva-doce apresentaria algum efeito sobre a gripe.

"Divulgar que um chá teria capacidade de matar vírus revolta a gente", diz Richtmann. "Se as pessoas atrasam o início do tratamento, a chance de mortalidade aumenta."

Estamos comendo ovos artificiais importados da China? Não. Dois vídeos têm circulado com denúncias de uma suposta invasão de ovos artificiais chineses.

Um deles mostra uma fabricação de “ovos sintéticos” a partir de substâncias gelatinosas que formam uma espécie de geleca. Ou seja, são brinquedos, não parte de um plano de envenenamento em escala global. Outro boato do tipo é o da alface de plástico, usada para fazer mostruários de alimentos no Japão.

Em outro vídeo dos ovos, uma brasileira diz que um ovo que ela adquiriu (de aspecto normal, a julgar pelo vídeo) teria casca muito dura e, por isso, seria chinês e artificial.

A empresa Perfa, cujo logotipo consta na embalagem dos ovos, manifestou-se a respeito em junho em sua página do Facebook: “Apesar de acreditarmos que os consumidores conseguem perceber as inverdades do vídeo, o nome da empresa está sendo exposto de maneira indevida e ilegal”

Por fim, não haveria motivo para falsificar ovos, ao menos não no Brasil, devido à abundância do item em nosso mercado interno e ao baixo custo.


- É verdade que graviola trata o câncer melhor que quimioterapia? 

Não. E pior: o nome de Rafael Sato, oncologista de Londrina, acompanha um arquivo de áudio que divulga os supostos benefícios da graviola no tratamento e para prevenir o câncer.

Nas palavras do narrador, a graviola e suas folhas teriam substâncias capazes de destruir células tumorais muito mais rapidamente do que a quimioterapia, além de melhorar o sistema imunológico.

Fora a aparente tentativa de manchar o nome de Sato, a mensagem pode causar danos para quem tem câncer, no caso de a pessoa abandonar o tratamento convencional em favor de outro "natural", para o qual não há evidência sólida.


- Arroz paquistanês está contaminado com um vírus mortal?

 Não. Desta vez a história começa assim: “Um amigo meu que trabalha na alfândega diz que chegou uma remessa de arroz e que os padrões de saúde não foram respeitados, porque traz um vírus que só é visto no Paquistão.”

Falta informação: não há referência ao nome do tal vírus, nem quem importou o arroz nem quem o vende.
O boato é antigo e passou por diversos países, como Portugal, Panamá, República Dominicana e Zimbábue —e desmentido.

Certa vez, em 2013, um carregamento de arroz da marca paquistanesa Dana entrou em quarentena no México após a inspeção descobrir que havia contaminação por um pequeno besouro, praga que afeta grãos. Talvez daí a cisma e os boatos envolvendo marca, que não é encontrada no Brasil.


- Adultos também têm que se vacinar contra sarampo durante campanha do governo? 

Não exatamente, Uma imagem repassada une duas verdades que, juntas, geram uma mensagem confusa.

A primeira é que, de fato, em breve começa a campanha de vacinação contra o sarampo, de 6 a 31 de agosto em todo o país. Mas ela é direcionada a crianças de 1 a 5 anos e àquelas que deixaram de receber as doses na idade adequada. “São elas que correm mais risco, e a cobertura vacinal na faixa etária está baixa. O ministério precisa fazer uma campanha focada”, diz Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações.

A segunda notícia verdadeira da mensagem é que adultos também podem se vacinar —quem tem até 29 anos tem que tomar duas doses e quem tem até 49, uma —mas não é ideal que o façam durante a campanha. Os adultos que quiserem atualizar as vacinas podem ir aos postos e centros de imunizações em suas operações de rotina.


- Um hospital de Sorocaba, no interior de SP, está descartando córneas por falta de receptores?

Não. Há mais de 15 anos, antes mesmo de grupos de WhatsApp surgirem, circula esse boato sobre o Hospital Oftalmológico de Sorocaba. A instituição estaria com córneas sobrando e descartando material por falta de receptores.

É boato. O hospital, referência no país na área, já se manifestou sobre o assunto. "Temos a preocupação que isso [boato] possa diminuir o número de doações no Brasil. Atualmente existem mais de 25 mil pessoas na fila de espera por um transplante de córnea", diz em seu site.

O transplante é usado como tratamento para doenças como ceratocone, distrofias e perfurações.


- O Hospital Sírio-Libanês desenvolveu uma vacina contra o câncer de pele e dos rins? 

Não exatamente. O boato já tem uns bons anos e diz que o hospital teria tecnologia para desenvolver uma vacina terapêutica contra câncer de pele e de rins à base de um pedaço do tumor do próprio paciente. Há, inclusive, telefone de contato e um link que não levam a lugar algum.

Houve, porém, no passado uma pesquisa da qual o Sírio-Libanês participou. Mas, segundo o hospital, “os resultados mostram um grau de atividade limitado, beneficiando temporariamente apenas um pequeno número de pacientes. Até o momento não há evidência de cura que possa ser atribuída a estas vacinas.”

- Tossir e respirar fundo pode ajudar durante um ataque cardíaco? 

Não. O boato sugere que seria possível sobreviver a um infarto fazendo exercícios respiratórios e tossindo. “Isso não tem sentido”, diz Antonio Carlos Carvalho, professor de cardiologia da Universidade Federal de São Paulo. “E, na maioria dos casos, o paciente nem teria tempo ou consciência pra fazer isso.”

“As pessoas têm que se conscientizar de que infarto é uma das condições que mais matam atualmente. Se existe uma falta de ar, uma dor no peito, é preciso procurar um serviço médico o quanto antes para reduzir a chance de ter um evento sombrio”, diz Roberto Kalil Fillho, presidente do InCor (Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da USP).


- O sal mineral oferecido para o gado é melhor do que o refinado? 

Não. A voz do áudio compartilhado diz que o sal de cozinha é maléfico, enquanto o sal mineral dado para o gado traria vantagens por ter micronutrientes como ferro, zinco, cobre, manganês, selênio, cromo, níquel e silício. O "sal de vaca" teria, inclusive, propriedades anti-hipertensivas.

Segundo Durval Ribas Filho, presidente da Associação Brasileira de Nutrologia, a substituição não tem sentido. "Esse sal é dado para o gado como um suplemento, porque a dieta desses animais é pobre nesses nutrientes."

Hipertensos podem usar o sal light, que tem cloreto de potássio e ajuda no relaxamento dos vasos.


- Há um grupo de pessoas com Aids espalhando a doença por meio de testes de glicemia? 

Segundo a mensagem, pessoas “aidéticas”, a mando da Baleia Azul —jogo macabro que esteve em evidência no noticiário no ano passado—, estariam passando de casa em casa sob o pretexto de medir a taxa de glicemia para transmitir HIV para as pessoas. Outra mentira: a Polícia Militar teria feito um alerta a respeito.

O vírus da Aids sobrevive por pouquíssimo tempo fora do organismo. Em poucos minutos o poder de infecção vai a praticamente zero. De todo modo, há o risco de outras doenças, como hepatites e infecções por bactérias, serem propagadas por meio de objetos perfurantes ou cortantes que não sejam novos ou esterilizados.


- A família do ex-ministro da Saúde Ricardo Barros é dona da Qualicorp? A empresa se beneficiou da gestão de Barros? 

Não. A mensagem diz que o engenheiro e ex-ministro Ricardo Barros (PP-PR) não é médico. Até aí, a informação procede. Mas é mentira que a empresa Qualicorp seria da família dele. “Como companhia de capital aberto, fundada há 21 anos, a empresa possui milhares de colaboradores diretos e de acionistas no Brasil e no exterior. A relação de acionistas, inclusive, é pública e está disponível no site da Comissão de Valor Mobiliários (CVM) a quem se interessar pela verdade”, diz a empresa, por nota enviada à reportagem.“

A companhia informa ainda que a origem de sua receita é a intermediação de contratação privada e voluntária de planos de saúde coletivos por parte do cliente. A empresa nunca pleiteou qualquer tipo de ajuda e/ou financiamento público de qualquer natureza.”O texto ainda diz que o ex-ministro teria interesse em revogar o Estatuto do Idoso, o que não ocorreu.


- Um médico que descobriu a cura do câncer foi morto? 

Uma suposta notícia divulgada por um site em português diz que o médico James Bradstreet teria sido morto por ter descoberto a cura contra o câncer.É verdade que ele morreu em 2015, aos 60 anos, após ser baleado no peito em uma cidadezinha da Carolina do Norte (EUA). Seu corpo foi encontrado por um pescador em um rio.

Uma arma foi encontrada na água, próxima ao corpo. O xerife local disse que havia indícios de suicídio.Bradstreet era contrário às vacinas e defendia tratamentos não ortodoxos para o autismo, condição que afetava seu filho e seu enteado, como injeções de GcMAF, fator ativador de macrófagos, substância já presente no organismo humano.

O médico estava ligado a uma empresa que distribuía ilegalmente a substância, considerada experimental e sem qualquer eficácia comprovada pelas autoridades regulatórias.A mentira é que o GcMAF seria um tratamento de baixo custo para o câncer, o que não tem respaldo em trabalhos científicos, diz o oncologista Fernando Maluf.

- Médicos conselheiros ganham por produtividade ao processar colegas no Conselho Regional de Medicina de São Paulo? 

Não. Uma mensagem acompanhada de uma planilha de valores de pagamentos mensais do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) diz que os conselheiros da entidade teriam poder e motivação para criar inquéritos contra outros médicos, já que seriam remunerados por isso.

O órgão diz, em nota, que as denúncias são instauradas apenas com a identificação completa do denunciante, com a descrição dos fatos e com a identificação do médico denunciado, na presença de provas documentais. Como não há denúncias anônimas, não seria possível inventá-las ou fabricá-las.“As denúncias são recebidas também do Ministério Público, da imprensa e de instituições, como o Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP), entre outros.

As denúncias são avaliadas por um colegiado e, se consideradas procedentes, transformam-se em processos éticos-profissionais, julgados por um colegiado.”As remunerações mostradas na planilha, que chegam a superar os R$ 30 mil por conselheiro por mês, totalizando anualmente uma despesa de R$ 10 milhões. Os valores pagos aos médicos, diz o Cremesp, têm limites mensais estabelecidos pela Resolução CFM nº 2.175/2017 e remuneram o comparecimento dos conselheiros em sessões plenárias, reuniões de diretoria e atividades judicantes.

O órgão diz que divulga suas despesas em seu site. “O Cremesp repudia, ainda, as tentativas de macular a imagem e a história de profissionais honestos, bem como enlamear a entidade com informações levianas, típicas de um período eleitoral que o órgão está atravessando. Alguns concorrentes tentam, inescrupulosamente, agir com ética questionável a fim de atingir seu objetivo maior: o poder”, conclui a nota.

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